- Vamos sentar naquela
mesa no canto.
- Surpreso com o
convite?
- Estou. Há uns 20
anos não te vejo.
- Encontrei o
Sarmento, pedi seu e-mail e te convidei pra esse almoço. Não sabia se você
viria.
- Por que não? Fiquei
curioso.
- Nossa história...
Não terminou bem.
- Vanda, por muito
tempo eu tive raiva de você. Hoje, não. Depois que você saiu de minha vida eu a
recoloquei nos trilhos.
- Então, eu te
atrapalhava?
- Não é isso. Quando
começamos o namoro, tínhamos 15 anos. Aos 15 anos eu queria ser comerciante,
dono de padaria. Mamãe achava um horror e você, também. Fiz faculdade submisso
à vontade de vocês.
- Na época que
começamos a namorar você era padeiro.
- Auxiliar. Mas, tudo
bem. Namoramos, noivamos, marcamos casamento. Concluí meus estudos, penei para
conseguir escola, ganhava uma miséria. Dois meses para o casamento e você
terminou tudo.
- Me apaixonei.
Enlouqueci. Nunca havia namorado outro cara sem ser você. Aos 23 anos a gente é
impulso.
- Você sabe que por
uns três anos acompanhei sua vida de longe? Pensava que talvez seu
relacionamento não desse certo. Se acontecesse eu estaria por perto, pronto
para uma nova tentativa.
- E não deu mesmo.
- Não sabia. Mamãe
morreu exatos quatro anos depois que você me deixou. Ia bem como professor. Não
ganhava mal. Detestava dar aula, mas era bom. De qualquer forma, estava
sozinho. Não havia necessidade de continuar fazendo o que fazia. O dinheiro que
guardei mais a venda da casa de mamãe foi o suficiente para comprar uma
padaria. Aquela da pracinha, onde comíamos pão doce quando saíamos da escola.
Foi meu último ato associado a você.
- Realizou seu sonho.
É dono de padaria.
- Três padarias, um
mercado pequeno e dois bares. As padarias são minhas. Nos outros negócios tenho
sócios.
- Fico feliz em saber
que você se realizou profissionalmente. E a vida amorosa?
- Um ano depois de
estar à frente da padaria, me casei. Por uns cinco anos não namorei ninguém
firmemente. Aliás, quase não me interessava por namoro, romance. Isabel foi
entrando na minha vida devagar. Eu a via todos os dias. Era cliente da padaria.
Antes de casarmos, eu já havia comprado a segunda padaria. Ela voltou da
lua-de-mel e assumiu a gerência.
- Comércio escraviza
muito. Eu não teria disposição nem paciência para encarar uma empreitada dessas.
- Foi dureza, no
início, mas tivemos retorno rápido e Isabel, filha de portugueses, a vida
inteira esteve atrás do balcão. Ela é filha do seu Figueirinha, do boteco, lembra?
- A galeguinha, claro.
Era uma menina linda.
- Continua muito
bonita. Se cuida. Faz academia todos os dias. 43 anos, três filhos, 56kg, 1m65.
Elegantíssima. A padaria é um luxo porque a gerentona é finíssima. Mas, e você?
- Me casei três vezes
em 25 anos. Agora, estou sozinha. Sem filhos, por opção. Nunca soube o que
quis. Você sabe muito bem disso.
- Esse sempre foi seu
encanto, sua principal arma de sedução.
- Fiquei com o Jonas
cinco anos. Acabou o tesão, fim de relação. Cheguei a sustentar o cara. Sempre
fui profissional aplicada e estudiosa. Fiz carreira, mas não fiquei rica. Minha
desgraça sempre foi não saber viver sozinha e sempre querer experimentar tudo.
Se disser a você as merdas que fiz.
- Não é importante que
eu saiba. Sou filósofo de boteco. Ou de padaria. As pessoas são o que são. Umas
correm atrás de novidades, mudanças constantes. Outras preferem caminhar por
terrenos seguros. Não condeno os que pensam diferente de mim. Só não tolero
quando me dizem que o modo como vivo é tedioso, errado.
- Eu queria ser assim.
Gostaria de me satisfazer com o que a vida me oferece, mas... Meu segundo
marido era um doce. Quando me separei, pensei em te procurar. Eu menti. Sabia
que você estava casado. Achei que seria sacanagem me meter na sua vida. Meu
segundo marido era você. Tranquilo, determinado, seguro do que queria,
apaixonadíssimo. Tão apaixonado que abriu mão do sonho de ter um filho porque
eu não queria. Durante o casamento, tive uns casos, aventuras rápidas. Ele
nunca soube, acho. No meu aniversário de 33 anos, conversamos e ele me pediu que
engravidasse. Neguei. Mais dois anos e ele saiu de casa. Casou-se, tem duas
meninas. Ainda é apaixonado por mim, ele me disse, mas adora as filhas e tem o
maior carinho pela mulher.
- Filhos podem ser uma
desgraça. No meu caso, são fontes de muita alegria. Tenho três. Duas meninas e
um menino. Ele está com 18 e elas, 17 e 16 anos. São centrados e com
personalidades distintas. É fascinante. O garoto trabalha na padaria, estuda
administração. A menina mais nova está na fase de entrar para faculdade; a do
meio vive em Lisboa com os avós. Figueirinha vendeu o boteco, pegou a mulher e
voltou para a terrinha. A menina estuda Medicina. Ela passa um mês por ano aqui
conosco e nós vamos a Portugal todo mês de janeiro. Não sei o que será do
futuro deles, mas damos ótimas condições de vida e cuidamos com muito amor. Por
enquanto...
- Estou sozinha.
Fiquei casada alguns anos com um espanhol. Professor, como eu. O cara era um
saco. Me forcei a ficar com ele. Acabei não aguentando.
- Vanda, vamulá, qual
o motivo de você ter marcado este encontro?
- Ufa! Vou ser bem
objetiva. Só não me leve a mal, por favor. Vou te fazer duas perguntas. A
primeira: “Você ainda sente alguma coisa por mim?” Deixe-me emendar a segunda:
“Você é feliz com o rumo que sua vida tomou?”
- Sim, sinto. Sou,
acredito que sou muito feliz com a vida que tenho. Vanda, você foi meu primeiro
amor. Dos 15 aos 28 anos eu não imaginava vida sem você. Sofri pra cacete.
Sinceramente, você acha que quero passar por isso novamente?
- Às vezes, não somos
nós que decidimos. O amor nos toma.
- A mim, não. Isabel
sabe que estou com você. Disse a ela que viria. Ela sabe que seria importante
para mim. Garanti que me encontraria com você, conversaríamos e não nos
veríamos mais.
- Então, sem chance?
- Vamos seguir nosso
destino. Você, inquieta, ansiosa, sempre insatisfeita e ávida por novas
experiências trocará ainda de parceiros muitas vezes. Em busca do
relacionamento perfeito. Não desdenho de sua opção de vida, só que somos
opostos. Eu seguirei com Isabel. Meus filhos, mesmo que eventualmente me
separasse de Isabel, seguiriam comigo. Temos relação estreita. Isabel é esposa,
amante, amiga, parceira, sócia... Não abriria mão dela por nada.
- Como ficamos juntos
oito anos?
- Éramos jovens.
- Tem um motel aqui do
lado. Que tal uma saideira?
- Nossa saideira foi
há 25 anos. Quando saí quis voltar; agora que sei que saí, não volto mais. Vou
embora, Vanda, mas quero te pedir algo. Me dá um beijo? Beijão. De língua. Se
você me beijar, enquanto viver me lembrarei deste momento.
- Beijo. Claro que
beijo. Te devo isso.