quarta-feira, dezembro 29, 2010

LOURAÇA NO SAMBA


Cá pra nós, quem vive sem amigos? Mas amigos nos deixam em roubadas indescritíveis. Como são amigos, a gente perdoa.
Tradição do Samba me convidou para uma de suas apresentações musicais. Tradição era cantor dos bons. A música que ele cantava... Meu Deus!!!
Não ia dar pra encarar sozinho. Convoquei o Velho Roqueiro como acompanhante.
– Porra, Gordo, roqueiro em roda de samba. Ainda mais com o Tradição. A gente não se topa. Tá puto comigo por algum motivo?
– Velho, já fiz sacrifícios maiores por você. Chamei o Homem de Preto, mas a mulher dele embarreirou. É você mesmo.
Fomos. Tradição estranhou a presença do Velho, mas não deixou de ficar satisfeito.
– Hoje, você ouvirá boa música. Obras engendradas com sentimento.
– Ó!
O Velho, para não agredir, monossilabava.
O cenário da apresentação era o salão da casa do Tradição. Cadeiras em círculo em que descansariam as bundas dos vinte e poucos espectadores e, no centro, espaço para os artistas.
Sentamos. Do lado do Velho alojou-se uma louraça. Uns cinquenta anos. Uma Lolita pra ele.
No centro, logo a nossa frente, o pandeirista se preparava. Retirou seu instrumento de um estojo de couro todo trabalhado e o acariciou com ternura. Parecia que apalpava as coxas de Scarlett Johansen. Os dedos tamborilavam a pele do pandeiro. Fez umas presepadas, pegou um copo de cerveja e lançou um sorriso torto para seu colega de cavaquinho. O único sorriso que vi. O grupo de samba do Tradição era seriíssimo.
O grupo estava formado: violões, cavaquinho, bandolim, pandeiro, tamborim, cuíca. Faltava o cantor.
Tradição chegou e dirigiu-se ao centro da roda.
No meu ouvido, o Velho murmurou:
– O sambeiro gosta de entrada triunfal.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! – o do pandeiro não admitia conversa.
– Gordo, vamunessa, vou dar um pau nesse babaca.
Tradição começou a cantar: “Bate outra vez, a esperança do meu coração...”
– Gordo, você vai ficar sozinho.
Do lado do Velho, a louraça gemeu no ouvido do ancião.
– Não nos deixe sós. Nem a mim nem a seu amigo.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
O Velho quando se emputece fecha o tempo. Normalmente, entra na porrada. Cuidar das escoriações acaba sobrando pra mim.
– Tá legal, Velho, vambora, depois me explico com o Tradição.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
– Gordo, vou ficar, surgiu uma situação.
Desta vez a música parou. Tradição nos deu um esporro. Falta de respeito com a música de raiz.
Peguei o Velho pelo braço, levei-o para fora.
– Que situação?
– Vou comer a loura.
– Velho, nas duas últimas trepadas você quase morreu.
– Exagerei no azulzinho.
– Você vai morrer.
– Se for fodendo, foda-se.
Voltei para a sala, desculpei-me, prometi silêncio.
O Velho, na orelha da loura:
– Vamos sair daqui. Somos indivíduos tristes. Sozinhos, o que somos? Juntos seremos melhores.
Loura sacana. Piscou pro Velho e arrematou:
– Juntos somos melhores: acasalando.
O Velho levantou-se com a loura e interrompeu o suingue de Tradição:
– Não deixe de me convidar, na próxima.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Cafezinho & Cervejinha



Gordo e Tradição do Samba não se viam há algum tempo.
O Gordo ligou pra ele, perguntou se tinha contatos, precisava falar qualquer coisa sobre a invasão do Complexo. Tradição não refugou e confirmou encontro com dois policiais numa mesa de fundo de um boteco na Praça de Inhaúma.
– Eles aceitaram falar, no mocó, agora que a poeira baixou. Mas aí, Gordo, sem vacilo. A poeira baixou, mas não assentou completamente, e os leões ainda têm dentes.
– Porra, Tradiça, assim eu quase desisto. Os caras têm o que contar? E se têm, por que vão abrir?
– Vingança. Levaram uma volta e estão querendo dar o troco.
No boteco, os caras despejaram. Cafezinho e Cervejinha estavam putos. Cafezinho falou primeiro.
– Rolou muita grana. Deixaram a gente de fora de sacanagem. Disseram que a gente tava visado. Visado, como? Moro aí em Pilares. Casa confortável, mas em Pilares. Minha parada de veraneio, em Rio das Ostras, pouca gente sabe. Só os firmões. Pô, a gente tava lá quando desceu um monte. Tudo escoltado. Não rolou nem um cafezinho pra nós.
– Sr. Cafezinho, uma dúvida: primeiro entraram na Vila Cruzeiro e só depois entraram no Complexo?
Cervejinha tomou a palavra:
– Na Vila foi limpo, todo mundo tava ligado: federal, exército, imprensa. Mas vivemos em busca de oportunidades. Os caras entraram atrás da bandidagem e a ninhada teria de sair por algum canto. E saiu. Brotou gente das entranhas da terra. E era só brotar que tinha quem cobrasse pedágio. Foi nessa que jogaram a gente pro alto. Pô, a gente já armou uma pá de esquema. Eu não posso reclamar, mas tem colega em dificuldade. Tenho minha moradia aqui em Inhaúma, mas todo fim de semana, quando dá, vou pro apezão no Recreio. A mulher já tá por lá. Num vem mais pra cá, não se adapta com a poeira do subúrbio. É vizinha da patroa do Polegar. São amigas. Pô, cara, essa parada é negócio. A gente só quer viver.
– Eu li em uma revista que lá em cima não podia falar “gente”, porque o bordão do Comando é “É nóis”. Isso é verdade.
Ficou todo mundo olhando meio sem entender para o Tradição.
– O Tradiça, isso não vem ao caso... Nós, a gente, a velhice é fó. Mas, então, vocês garantem que saiu muita gente?
– Saíram os grandões. Os ratinhos foram largados. Os maiores que ficaram não eram tão graúdos como se imaginavam.
– Vocês acham que agora as coisas vão melhorar?
– Eu e Cervejinha estamos ligados na Rocinha. Tenho ido ao monte duas vezes por semana para ser destacado na invasão daquela mina de ouro. Já falei com o Cervejinha, temos de ser proativos. Lá será uma invasão com propósitos e as primícias serão nossas.

sexta-feira, novembro 12, 2010

MÉDIA

Tiririca acertou menos de 30% do ditado feito para descobrir se ele é analfabeto.
Tive um chefe que é formado, graduado e pós-graduado que não chegaria aos 10%.

quinta-feira, novembro 04, 2010

AMOR FILIAL



Mãe, eu não precisava ouvir isso, agora.
Disse pro papai que a festa era no Flavinho.
Que Flavinho? Meu primo, filho da sua irmã.
Claro que papai não vai ligar pra confirmar. Além de bobão, ele não fala com a tia. Se ele perguntar qualquer coisa pro Flavinho, o primo me apoia.
Você nem é louca de falar qualquer coisa. Quer que papai saiba do cara da academia?
É só você me deixar em paz que fico na minha. Cuide de sua vida.
Ama nada. Nunca amou. Se você é infeliz com papai, resolva com ele.
Mentira. Ele não te corneia. Você sabe que não.
Ele vive para te agradar.
Mãe, nós somos iguais. Duas galinhas. Eu, ainda uma franguinha, mas gosto de piroca como você.
Que seguir seu caminho, nada. Não é minha intenção viver como você.
Não tenho compromisso. Disponho do meu corpo como bem entender.
Um dia, se encontrar alguém que valha à pena, sossego o facho.
Você não tem jeito. Foi péssima filha, é péssima esposa e mãe.
Julgo, sim. Você não vale porra nenhuma e ainda se atreve a me dar conselho.
Não preciso ouvir isso de você.
Vá se foder. Você não vai estragar minha noite.

MALDIÇÃO!!!



“Jake North, um menino britânico de 13 anos, fez sucesso em Mequinenza, Espanha, ao fisgar um peixe que tem o dobro de seu tamanho. A captura do catfish (uma espécie de bagre), que pesava pouco mais de 90 quilos, levou cerca de 25 minutos e um guia turístico local teve de ajudar a segurar o rapaz, para que o animal não o puxasse para dentro do rio.

Maldito guia turístico. Deveria permitir a justa luta e, quem sabe?, o moleque viraria comida de peixe.

quinta-feira, outubro 28, 2010

COISA BONITA DE SE VER - Emily Rose

Sou fã de séries de TV.
Não é fácil fazer uma boa série.
Precisa de uma boa história, bom elenco, direção ágil.
Bom elenco para mim precisa ter OBRIGATORIAMENTE uma mulher, pelo menos uma, que nos faça sentar diante da TV para vê-la.
A boa atriz tem de ter carisma (beleza é legal, mas não fundamental), presença, precisa deixar claro que, sim, ela é tudo aquilo que estamos vendo.
Emily Rose é protagonista de Haven, nova série do SyFy.
Assisto séries pela TV (não tenho saco pra baixar pela Internet).
Estou, por isso, no segundo capítulo do seriado.
Por enquanto, o único motivo de estar acompanhando o programa é Emily Rose. E, por causa dela, seguirei toda a temporada.

Ah, se ela me desse bola



– Belinha, senta aqui. Eu fico no banco da frente.
– Tá legal!
– O Luquinha ficou chateado com você. Por que você não pega carona com ele?
– Vou dar mole pra ele, Dario? Se entrar naquele carro, o babaca vai espalhar que tá me pegando.
– E daí? Você liga pro que dizem?
– Né isso. Tô a fim de um carinha. Se ele pensar que tô com o Luquinha...
– Quem é o felizardo? Já se declarou?
– Não vou dizer e óbvio que não falei nada. Me insinuo, dou pinta, mas o cara é devagar. Chamo prum cinema, pra comer pizza...
– Aê, Belinha, já que falou nisso, me amarrei de você ter me chamado pra ver Tropa contigo. Tava dibob em casa, prostradão, quando você ligou.
– Ganhei os ingressos. Fiquei meio bolada de te chamar. Sei lá, sua namorada poderia encrencar.
– Nada. Tô sozinho há um tempão. Só tem rolado umas peguetes. Até que ando a fim de parada mais estável, mas, pô, tá difícil.
– Esse carinha que tô a fim. Acho que se der certo vai ser pra gente ficar um tempão junto.
– O cara é um felizardo. Você é a mó gata. Um doce de pessoa. A gente papeia bastante. Naquele dia do filme, quando a gente conversava na pizzaria, eu pensei, a Belinha é fodona, cabeça pra caraio.
– Quem é mais gata do que eu na escola?
– Não tem, Belinha. Os caras todos acham isso. Aê, quem é esse moleque? Ele é da escola?
– Da escola, da nossa série, de nossa sala, de nossa fileira.
– Peraí, o Mauro Lesado?
– Dario, meu ponto, vou descer.
– Amanhã, voltamos juntos?
– Acho que não. Estou pensando em aceitar a carona do Luquinha.

terça-feira, outubro 26, 2010

Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus...



Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus carioca e sentar, não festeje.
Ao seu lado se alojará um magrinho de pregas arrebentadas. As pernas do tísico enrabado não se fecharão. Encochar-te-á, o de fiofó arregaçado, até o momento de descer do coletivo.
Perto de você, alguém estará conversando pelo rádio.
Priiiii... Oi, querida, mais quinze minutos e estou chegando. Priiiiiii
Priiiii Ô, amor, entrei no banheiro agora. Um piriri brabo Priiiiii
Priiiii Toma um banhozinho, fofa. Quero você cheirosinha. Priiiiii
Priiiiiiii Cheirosinha? Sorte você não estar aqui. Ainda bem que não dá pra sentir o cheiro pelo rádio. Priiiiiii
Um dia sentiremos e o futuro, por incrível que pareça, será pior do que o presente.
Você está sentado. Um calor do cão. As pernocas do espalhado estão coladas na sua. Não pode piorar. Piorou. Celular com som. Racionais a todo volume. Som horroroso. Mano Brown por 40 minutos. O dono do celular canta junto. O asno crê que seu prazer é o dos outros passageiros.
Aêê, vai sentar? Não? Sento eu. Não dá pra comer esse espetinho e tomar essa cerva em pé. Fica tranquilo, primo, não vou entornar nada. Tô caretão. Não podia deixar o ônibus passar. Desculpa, primo. É que me amarro nessa farinha na carne. Vou tomar cuidado pra não te sujar. Você quer levantar? Peraí. Eeeepppaaaa! Pô, primo, derramou na sua calça porque você esbarrou. Quer descer, desça. Vai à merda!
Você pensa em ir junto, mas o esquálido arrombado resolve apear.
Moço, dá uma licença? O senhor pode me deixar dar uma olhada no jornal? Ah, é o grobo... Não, brigada, num gosto desse jornal, num tem nada pra ler. Era pra passar o tempo. Tô preocupada. Se não chegar em Cascadura até 8h, perco o outro ônibus. Aí, só 8h30. Vou chegar tardão em casa. Meu marido fica bolado. Ele é ciumento. Outro dia, só porque estava conversando com um vizinho ele quis me esculachar. Ah, não aceito isso de jeito maneira. Sabe...
Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus e sentar, não festeje. Talvez você precise descer no meio do caminho, fazer sinal prum táxi e seguir viagem.
Se você tiver sorte ao embarcar em um táxi e encontrar um motorista silencioso...

JÁ Visto

– A senhora tem 90 anos? Pô, a vovó está muito bem.
– Graças a Deus, meu filho.
– Quase um século. Caramba, não chego lá, nunca. A senhora viu coisa pra caraio.
– Vi sempre as mesmas coisas.

quarta-feira, outubro 20, 2010

OS CAROLAS

A credibilidade da imprensa foi pro cacete nessa eleição. É minha impressão.
Em dois extremos, Veja e CartaCapital pugnam por seus candidatos.
Record e Globo, mais sutilmente, mostram desinteressado amor por seus favoritos.
Escândalos contra Serra são escondidos na Globo e escancarados na Record.
Escândalos contra Dilma são escondidos na Record e escancarados na Globo.
Na década de 90, atravessando a Baía de Guanabara, vi um cara despetalar um Jornal do Brasil e arremessá-lo ao mar pela janela da barca. Nas mãos ficou apenas com o Caderno B.
Lerei, a partir de hoje, os cadernos culturais de jornais e revistas. Política? Nããão!
Dia 31, irei ao mar. Religião é coisa que já me encheu o saco. E como os dois candidatos são religiosíssimos...

segunda-feira, outubro 04, 2010

SOU, MAS QUEM NÃO É?

No Rio, só me irritou a reeleição de Crivella, o senador do povo.
O povo anda sempre mal acompanhado.
Aceito mudança de opinião.
Não acredito que Deus fale no ouvido de alguém.
Crivella afirma que Deus fala com ele. Aliás, andou vendo a mão divina em sua reeleição.
Em dois mil e pouco, Deus falou com o titio dele e garantiu que Lula formava fileiras com Satã.
Ninguém me disse isso. Não vi na Internet. Li no jornaleco porco que a Universal produz.
Li, também, que Lula ia tomar fazendas no interior.
Em minha família há pequenos proprietários de sítios em Minas Gerais.
Ficaram apavorados com a possibilidade de eleição de Lula.
Se Deus um dia se dignar a me dizer algo ao pé do ouvido, entenderei que ele não mudará de ideia alguns anos depois. O cara é o eterno, né não?
Crivella é o pior tipo de ser humano que existe: o que finge ser o que não é.
Prefiro o titio. Ele não engana ninguém. É o velho Palhares.

sexta-feira, outubro 01, 2010

DISSERAM

Lula, em propaganda eleitoral, afirmou: “No passado, disseram que eu fecharia igrejas...” A fala veio a propósito de campanha imbecil espalhada pela internet acusando o Poste de não crer em Deus.
Na Folha, Edir Macedo, dono da Universal, garante apoio ao Poste.
Quem “disseram” que Lula fecharia igrejas foi ele, Macedo, por intermédio dos trouxas que ele manipula.
Eu acho que essa até o Lula sabia.

quarta-feira, setembro 29, 2010

DESOBEDIÊNCIA


Geisy acordou, tomou banho e vestiu o minivestido rosa.
Estava um pouco acima do peso, mas adorava aquele vestidinho.
O pai, sábio, aconselhou: “Filha, esse vestido está muito curto. Ponha um outro”.
Ela sorriu, beijou o pai e foi para a faculdade.
Na Academia, os colegas a sacanearam, perseguiram, xingaram. Tudo por causa do vestido curto.
Ontem, Geisy levou um carro de R$ 100 mil do programa A Fazenda.
Ela é um dos 15 participantes que concorre a R$ 2 milhões.
Das vaias dos coleguinhas da UNIBAN (em novembro de 2009) até agora, Geisy arrumou dinheiro para ampla recauchutagem, apareceu em inúmeros programas de televisão, fez clip com Alexandre Frotta e entra, agora, no cast de A Fazenda.
Saiu do anonimato e vem esticando seus 15 minutos de fama, surpreendentemente.
Sorte de ela ter saído naquela manhã com aquele vestido rosa escrotíssimo.
Se tivesse ouvido o pai...

segunda-feira, setembro 27, 2010

PORCOS LUMINOSOS

Ingratos, os porcos luminosos da progressista capital sertaneja.
Vêm ao Rio de Janeiro, são recebidos com pompa, alegria e generosidade pela esquadra rubro-negra, que concede ao timerda vitória tranquila, e, suínos, cagam na entrada e na saída.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Morcego no poste

Precisei pagar dez reais e merreca ao TRE.
Multa por não ter votado em três eleições.
Enquanto o voto facultativo não vem, acho que vou preferir morrer em três e pouco a cada pleito.
É duro sair de casa para votar no poste ou no morcego.

quarta-feira, setembro 15, 2010

DONDOCA




Vi Dondoca longe.
Nos saltos, vestidão, óculos enormes.
Como ela sempre me ignorava, não me camuflei. Qual não foi minha surpresa (uso aqui expressão adorada pela emergente) quando ela veio em minha direção e me advertiu, severa:
“Velho, quero confrontá-lo com a Palavra da Verdade. Soube que andas com comportamento desviante. Trilhando sendas que não são lícitas a ovelhas do aprisco do divino mestre.”
Mandaria Dondoca pra casa do caraio não fosse uma segunda-feira, dia da semana que costumeiramente reservo para audição das obras completas do AC/DC. Cabeça leve, depois de horas ouvindo a guitarra de Angus Young, perguntei:
“Dondoca, não te vejo há um porrão de tempo. Há outro porrão de tempo você não fala comigo. Por que essa interpelação tão escrota aqui na terra sem calçada?”
Dondoca me olhou, franziu o sobrolho (ela franze o sobrolho; eu fico emputecido, mesmo) e disse:
“O seu linguajar apenas confirma o que me foi dito. Deveria eu, assim que o visse, adverti-lo biblicamente. Dorval pediu-me que o procurasse. Falou-me ele: ‘Exorta-o, mostre-lhe que ele precisa se tratar’.”
Comecei a ficar com medo. Dondoca falando comigo. Falando de um Dorval que não sabia quem era. Um Dorval que informou a ela sobre um tratamento a ser aplicado em mim. Já havia um grupo me olhando.
“Dondoca, não conheço Dorval algum. Doente não estou. Eu...”.
“Você precisa de tratamento espiritual. Internar-se por uma semana, ser mentoriado por verdadeiros servos do altíssimo. Servos que têm conexão direta com Jeovah shimah shenoh. Leia esse flyer. Os preços do tratamento espiritual são baixos se comparados aos ganhos que você terá. A internação pode ser paga parceladamente, no cartão. As exortações bíblicas, não. Pagamento à vista e individual.”
Se Dondoca tivesse me encontrado amanhã, terça, dia que reservo para purgar meus pecados ouvindo cantoras de MPB – Maria Gadu, Bethania, Ana Carolina – já teria virado pasta de futilidade.
“Dondoca, você me diz que estou virado no tinhoso e me vem com soluções materiais.”
“Fogo se apaga com água. Veja os cursos espirituais que oferecemos, faça um deles. Depois, submeta-se à disciplina do Senhor. A terapia de cura interior também é utilíssima. Se daqui a uns dois meses percebermos que você continua da mesma forma poderemos fazer uma regressão bíblica e, quem sabe?, descobrirmos maldição em algum ancestral seu.”
Resolvi deixar Dondoca falando sozinha. Nunca simpatizei com ela. Pessoa fútil, arrogante, prepotente. Agora que percebia que ela era doida... Sei lá, se ela me desse mole eu pegava.

CINQUENTÕES

Na Warner, chegou ao fim a primeira temporada de Men of a certain age.

Talvez pelo tema, homens beirando os cinqüenta anos e suas realizações/decepções, o seriado me pegou e entusiasmou. Nenhum outro foi acompanhado por mim com tanto interesse neste ano de 2010. Por ser fissurado em tv, acompanho muitos seriados (melhor do que perder tempo com os bundões da política), mas o drama bem-humorado criado por Mike Royce e Ray Romano arrebatou minha preferência.
Ray Romano criou uma das melhores comédias de situação que assisti: Everybody loves Raymond. Em Everybody, elenco precioso, roteiro simples e criativo (simplicidade não é pra qualquer um) conjugados a direção exata produziram um seriado clássico que deixou saudade. Agora, com Men acerta de novo.
Men são três amigos (Ray Romano, Andre Braugher e Scott Bakula) vivendo os problemas da meia idade.

Joe (Ray Romano), recém-divorciado, tem dois filhos. Seu casamento acabou, principalmente por seu vício no jogo. Obsessivo, ansioso, compulsivo vê esses defeitos que atravancaram sua vida se reproduzirem no filho pré-adolescente. (Braeden Lemasters, o jovem ator que representa seu filho na série é excepcional.) Joe poderia ter sido um jogador de golfe de primeira linha. Não seguiu carreira por não suportar pressão.

Terry (Scott Bakula) é o solteirão boa pinta que pega a mulherada. Ator que não deu lá muito certo, vive de bicos e, aparentemente, leva vida mansa. As reflexões de seu personagem em mais de um momento calaram fundo nesse meu coraçãozinho sentimental. Sempre animado, chega ao final da primeira temporada convicto de que o papo de seguir o sonho é furadíssimo. O grande problema é que pouca gente sabe quando desistir do sonho (os que sonham, claro) e passar a viver no mundo real.
Owen (Andre Braugher) é casado, três filhos, bem resolvido no matrimônio. Só no matrimônio. Trabalha como vendedor na concessionária do pai, um ex-craque de futebol. Oprimido pelo pai, Owen vê-se, aos 50 anos, sem muitas alternativas profissionais.
Men of a certain age, no entanto, é principalmente uma série de exaltação à amizade masculina. Homens fazem amigos na entrada da adolescência. Amigos que não são esquecidos.
O ritual dos três amigos que caminham todos os dias, reduzem os dramas uns dos outros a uma piada e sempre guardam para si os problemas que lhe afligem a alma é tipicamente masculino. Mulheres expõem as entranhas. Homens, jamais.
Amigos ouvem, tentam ajudar sem a babaquice do aconselhamento, aceitam as diferenças comuns entre humanos e esforçam-se em manter a leveza no relacionamento. A amizade dos personagens de Men of a certain age é igual à de homens de meia idade de todo o mundo.
Séries norte-americanas se não atingem uma certa meta de audiência são canceladas, inapelavelmente. Men of a certain age já tem uma segunda temporada garantida. Se não tivesse, o espectador não ficaria desapontado. Mike Royce e Ray Romano fecharam o primeiro ano sem deixar ganchos para o próximo.
O gancho de Men of a certain age é a qualidade da série. Quem viu o primeiro ano verá o segundo. Tenho certeza disso. 


Outras séries bacanas: Breaking bad; Fringe; Dexter; Chuck; Drop dead Diva; Justified (apesar da dublagem tenebrosa)

terça-feira, setembro 14, 2010

VOVÓ

Minha vovó, dona de sabedoria profunda, dizia pra nós, netinhos: “Quem tem amigos não morre pagão”.
A vovó de Poste Rousseff deveria dizer coisa semelhante.
Eu, crânio de pedra, não ouvi vovó.
A vovó do Brasil, mais esperta, ouviu e fez amigos.
Poste será presidente de Lulalândia.
Eu morrerei pagão.

quinta-feira, setembro 09, 2010

SONHO



O colombiano Edward Hernández, 70cm de altura, considerado pelo livro Guinness dos Recordes o menor homem do mundo, sonha ser goleiro de futebol.
O ser humano é fascinante. Sempre crê no impossível.

16



De manhã, dar de cara com uma adolescente morta, queimada, desfigurada tira o apetite do mais duro e escolado guerreiro. Não ia dar pra encarar o café com leite e o sanduba de fritada.
Parei diante do corpo e olhei para a menina. Logo a reconheci. Morava a dois blocos de distância do meu. Jurema, o nome dela. Menina bonita, cobiçada pela garotada e por uns mais velhos, também.
Não é sábio parar perto de corpos chacinados. A bandidagem é sensível. O matador não gosta de solidariedade à vítima. Se morreu é porque merecia, reduz o populacho.
Baixinho, ouço em meu ouvido direito, vindo da boca de uma velhinha: “Ela estava namorando um cara do movimento. O grupo inimigo invadiu o baile. Morreram três. Ela apanhou muito”.
Saí de fininho. Um peso na carcaça. Parei no boteco. O assunto: Jurema. “Tadinha, começou a namorar o moleque há uma semana. Não sabia nada dele. Morreu na inocência”.
Há um tempo passei por Jurema na portaria.
“Tio, tem um cigarro?”
“Não fumo, querida. Sai dessa, cigarro faz mal.”
“Sou viciada, não, tio, fumo de onda.”
Sorrisão bonito de quem vai viver um caralhão de anos.
Corri pro ônibus, me sentei, ia abrir o jornal.
“O senhor mora aí no condomínio? O corpo da menina ainda está lá? Morte besta. Pura imprudência de garoto. Ela deu mole pro Dom. Ele chegou junto, ela recuou. O cara ficou doido. Soube que ela estava namorando, mobilizou a tropa pra fechar a conta com a menina”.
Deixei o cara falando sozinho, desci do ônibus e caminhei de volta pra casa. Trabalhar o caraio.
Aos 65 anos, dei-me conta que não entendia mais o mundo onde vivia.
Pelos 18, tive uma namoradinha de quem gostava demais. Ela nem tanto. Um dia encontrou coisa melhor e saiu fora. Fiquei puto. Quando a encontrei com o cara, falei muita merda, parti pra cima, entrei na porrada. No chão, corno espancado, chorei. Mas levantei-me e parti pra várias outras.
Hoje, não haveria briga.
Hoje, é matar ou morrer.
Virei a esquina e, de longe, vi que o corpo estava lá, coberto por um plástico preto. Parei diante do cadáver, uma vontade doida de descobri-lo. Aquele corpo precisava ficar exposto, a revelar a todos: “Morri porque estava com 16 anos e agi como se 16 anos tivesse”.

COLONIZADOS



Encostei o umbigo no balcão do McDonalds e pedi à caixa:
– Suco de laranja, um sanduíche de peixe e um de frango.
– O quê?
– Peixe, frango e laranja?
– Um Big Taste?
– Orange juice, McFish e McChicken.
Os olhos da menina se iluminaram. Enfim, eu falava o idioma dela.

quarta-feira, setembro 08, 2010

LONGA VIDA AOS ANDRÉ FIORI!

Lá pelos 20 e poucos anos de idade, rodava a cidade do Rio para comprar meus vinis.
Duro, ia na Farelo. Rua da Carioca, pertinho da Praça Tiradentes. Comprava discos que eram destinados para divulgação. Entrava, cumprimentava o Neguinho e ia para o balcão pescar. Gastava tanto que logo passei a ter tratamento especial.
Quando pintava um carregamento, o Neguinho me ligava: “Gordo, amanhã vamos pôr os discos no balcão”. Corria para lá e numa salinha, junto com outros famintos (todos mais esfomeados do que eu, afinal, eram lojistas), disputava discos quase a porrada.
A Hi-Fi, no Rio Sul, vendia a preço exorbitante, mas tinha uma promoção engana-trouxa: a cada 10 discos o bobo levava um “de graça”. Levei muitos. A Hi-Fi vendia o que outras lojas não ofereciam.
De qualquer forma, havia oferta pujante de discos na cidade. O Rio Sul tinha quatro, cinco lojas que vendiam discos. Lojas grandes, pequenas. Hoje, creio que só se encontra disco por lá na Saraiva.
Os vinis sumiram, vieram os cds e minha disposição de circular pela cidade em busca da bolacha perfeita acabou. Voltei a comprar como fazia em minha época de adolescente. Tinha duas, três lojas de preferência e nelas comprava.
A fartura da época do vinil (Gramophone, Modern Sound, Gabriella, Farelo, MotoDisco etc.) acabou. No Rio, sobreviveu a Modern Sound, que tem bom acervo, mas é um pouco conservadora. Encontra-se lá, mais facilmente, um Steely Dan do que um XX.
Hoje compro discos (tenho resistência insana a baixar música) em livrarias (Travessa, FNAC e Saraiva, que daqui a pouco deixarão de vender cds) e na Velvet.
A Velvet é uma loja física no centro de São Paulo. Para mim é loja virtual. Mas uma loja virtual com seres humanos no atendimento. Há uns cinco anos sou freguês, compro, praticamente, todos os meses. Adquiro cds novos, peço importados para repor meus vinis, sempre sendo atendido com presteza, atenção e profissionalismo.
O dono (ou um dos donos) da Velvet, André Fiori, é um cara que ama música. Conhece seu trabalho como poucos e esse é um diferencial no atendimento.
Há quem julgue que importante para o país é um bom presidente da república, outros acham que fundamental é termos grandes cientistas e por aí vai.
Porra nenhuma, o que não pode faltar neste país são idealistas apaixonados que toquem negócios como livrarias e lojas de disco. Esses caras é que são fundamentais para manter nossa saúde mental.
Longa vida para os André Fiori!

quarta-feira, setembro 01, 2010

SORTE



– É, Ivone, eu estava errado.
– Querido, erramos os dois. Não pensei do Paulinho nos dar essa boa vida. Casa, carro, bairro bacana.
– Com 13 anos parou de estudar.
– Ficava o dia inteiro atrás de mim. Só queria varrer, fazer limpeza na cozinha, banheiro. Achei até que ele era doido.
– Bem que você gostava...
– Os outros três estudaram, fizeram faculdade.
– E estão na merda. De vez em quando me espetam.
– O Paulinho sempre nos ajuda.
– Quem diria, o moleque tinha tudo pensado. Virou o bambambã da faxina, se mandou pros EUA e hoje está rico.
– Não tem desentupidor de latrina melhor do que ele.
– O moleque me dá orgulho. Tá mostrando pros gringos o valor do brasileiro. Encaramos cagalhões com um sorriso no rosto.
– Nossa Cacildinha, em vez de fazer Comunicação, poderia ter aprendido a barbear pentelho. Estaria rica em Miami.
– Gênio, na família, um só. Demos sorte.

segunda-feira, agosto 09, 2010

BLOGS QUE VISITO http://criacaocriativos.blogspot.com/

A IGREJA QUE EU AMO... E ODEIO



Converti-me em 1975.
Diria melhor se afirmasse que a partir de 1975 passei a frequentar, regularmente, uma igreja.
Experiência sobrenatural na conversão? Bom, parei de fumar naquele dia e senti um desejo imperioso de atender o chamado que o pastor fazia para que fossem à frente os que aceitavam a Jesus como Salvador e Senhor. Não, não tinha a menor ideia do que era “aceitar a Jesus” nas bases que eram apresentadas.
Se naquele dia não houvesse ido à frente, como seria minha vida, hoje? Tenho convicção de que, necessariamente, não seria pior do que é. E aqui não reclamo da vida. Deus tem sido bastante generoso comigo.
Hoje, sigo comparecendo à igreja. Não tão regularmente. Sem engajamento. Consciente de que a igreja evangélica não oferece nada de novo à sociedade. É irrelevante.
Nos últimos 35 anos, passei por todas as fases por que passam aqueles que ingressam em um sistema religioso. Entendo que vivo ótimo momento de minha vida evangélica. Posso estar enganado, mas tentarei explicar.
Meus irmãos de fé, geralmente, relacionam seus momentos mais produtivos ao início da caminhada evangélica. Sob o estrito ponto de vista da igreja local, é verdade. É tempo de paixão e ignorância. E também de muita operosidade.
O evangélico com alguns anos de estrada e que já não tem a disposição de alguns anos antes, clama, culpado, ao Senhor: “Quero voltar ao primeiro amor”. Eu, não. (O texto em Apocalipse não tem o sentido imposto a ele, mas aqui não é o melhor espaço para discutir essas filigranas.)
Quando entramos em uma igreja (os que vêm de fora, porque há os que nela foram criados) o fazemos de olhos fechados e coração arreganhado. O mínimo que esperamos encontrar é um grupo diferente daquele que deixamos para trás. Isso não acontece.
Se tenho um grande arrependimento foi o de ter deixado para trás amigos que fiz. Ninguém nos diz para abandonarmos os amigos do passado. Ao contrário, somos incentivados a evangelizá-los. Na prática, isso é impossível. Há 35 anos as programações nas igrejas eram voltadas para dentro.
Lembro-me de aos domingos, no caminho da igreja, encontrar amigos e conhecidos indo para o futebol, a praia... Oito da manhã eu estava na igreja. Depois de EBD, culto e ensaio de coro, chegava em casa às 14h, almoçava, descansava e às 17h estava de volta para só retornar ao lar pelas 23h. Durante a semana, trabalhava e estudava. Sábados sempre havia atividade na igreja. Não era desagradável. Gostava muito da agitação. Poderia, no entanto, ter distribuído melhor meu tempo. Perdi contato com amigos e família por causa disso.
A igreja não é composta de um grupo diferente. E aqui afirmo que igreja nenhuma é. Quem está dentro diz logo para os que chegam: “Não olhe para os irmãos. O modelo é Jesus. Ele jamais o decepcionará.” Se você desprender-se do gado perceberá que sua relação tem de ser mesmo com Deus. À sua volta os santos agirão como os perdidos. Na fase da paixão, nada será percebido. O apaixonado tudo releva. É um imbecil. A esta fase da vida cristã chamam, nas igrejas evangélicas, de a do primeiro amor. Ao se livrar dela, só desejarão a ela retornar os descerebrados.
Passado o primeiro amor, a vontade é de cair fora. Se ainda não formamos vínculos com os de dentro, tomamos o caminho da rua; se ficamos, nos transformamos em cínicos.
A igreja é nosso espaço de convivência. Os amigos do passado foram esquecidos. Seus amigos, agora, estão ali. A menina que você cobiça senta-se três bancos à frente do seu. O português foi esquecido, seu idioma é o evangeliquês. O sentimento de pertencer a um grupo é muito confortável. Dentro da igreja, se somos operosos, temos prestígio. Elegem-nos para ser coordenador geral do departamento de qualquer coisa. Poder é bom, mesmo um poderzinho de nada.
Há quem pare neste estágio enele permaneça até a morte. As estranhezas são deixadas de lado, as incoerências percebidas são varridas para um canto do cérebro.
Pouco mais da metade de minha vida evangélica, vivi neste estágio e talvez ainda estivesse nele se o acaso não me levasse, no final da década de 80, a trabalhar em uma empresa da instituição evangélica a que minha igreja pertence.
Do final da década de 80 para cá, aprendi duramente como podem ser calhordas os líderes religiosos. Há calhordice maior do que a distorção do conceito do “ungido de Deus” explorado por pastores autoritários?
Habitualmente, ia a outras igrejas ouvir pastores diversos. Participava de palestras, frequentava congressos, respeitava os “servos de Deus”. Se alguém quiser arranjar confusão comigo, nos dias de hoje, basta me convidar para este tipo de atividade. Tomei aversão.
Conheci, profissionalmente, dezenas de homens que vivem à frente de igrejas e percebi neles algumas características alarmantes: vaidade extremada, egoísmo mórbido, cupidez desenfreada, ignorância jumentina e maldade, muita maldade.
É verdade que nesses anos conheci gente admirável, mas em muito menor número do que gostaria.
Quem priva de minha intimidade, sabe que estou longe de ser modelo de qualquer coisa, mas assim como não procuro para me ensinar matemática quem sabe menos da matéria do que eu, não posso perder tempo precioso de vida dando atenção a hipócritas que só falam e não vivem.
De qualquer forma, sigo em frente e permaneço na igreja, confiante em que Deus me mostrará o sentido de todas as experiências que vivi dentro da comunidade de fé. Não desejo voltar ao primeiro amor, o da fé cega, nem ao tempo do conformismo. Quero, sim, passar a um outro estágio: o de ser parte de uma igreja relevante, sendo eu relevante, também.

VERME



Rejane Verme morreu.
Já foi tarde.
O Movimento a matou.
Muita porrada, tortura, corpo queimado eteceteraetal.
Mereceu.
Seu cadáver, nu, enfeia mais ainda a entrada da comunidade.
Era uma língua de trapo.
Fodeu meia-dúzia de moleques com seus comentários venenosos.
“Se os homens foram direto no paiol é porque alguém entregou. Eu vi o Tião falando com uns caras estranhos”, lançava ao vento, a Verme, palavras entranhadas de peçonha. E o Tião, pelo sim pelo não, era assado no micro-ondas.
Verme era sobrenome, podia ser apelido.
O marido deixou-a e sumiu.
A mulher tinha na boca os ovos de todos os chefes do Movimento.
Ninguém a suportava, mas era bem tratada.
Mandava pra morte os de quem não gostava. Matava com a língua.
O que fez pra morrer ninguém sabia. Nem interessava.
Mas estava lá o corpo estendido no chão.
Muitos moradores passaram por ela e lhe prestaram uma última homenagem.
Homenagem que vinha das entranhas, percorria o interior do corpo e saía em forma de jato de escarro.
A comunidade regozijava-se por encatarrar a Verme.

RACISMO


Lauryn Hill, cantora defunta de black music, avisou à produção de seu show no Brasil que só dá entrevistas a repórteres negros.
Não deveria aparecer ninguém para entrevistá-la: só o pessoal do Pânico.

Escrever bem

Artigo de capa da VEJA desta semana tem o seguinte título: “Falar e escrever bem: rumo à vitória”. O texto dirá que é imprescindível dominar o idioma para alcançar sucesso na carreira profissional.
Tive um acesso de riso. Lembrei-me de um crustáceo que me chefiou. A mula capitaneava uma organização de médio porte e era incapaz de escrever uma frase com lógica. Para os erros grosseiros de ortografia que cometia dava a singela desculpa de ter escrito com pressa. Não dominar o idioma de forma alguma impediu o camarão de chegar ao topo da organização. Ele era (e é) bom no que realmente conta: política suja e marketing pessoal.
Sejamos sinceros: é irrelevante escrever corretamente. Ninguém mais se preocupa com isso. 

sábado, julho 24, 2010

UMA DEFESA DE DEUS



Karen Armstrong, autora de The case for God, livro que faz uma “defesa” de Deus, disse à revista Época que “Os novos ateus são teologicamente iletrados. Como os fundamentalistas religiosos, eles infantilmente concebem Deus como um ser poderoso que os homens não conseguem enxergar”.
Teologicamente iletrados somos quase todos nós.
Escrevo sempre a partir do que vi/vejo acontecer dentro do grupo ao qual é filiada a igreja em que me congrego, mas não tenho ilusão alguma de que em outros grupos a situação seja diferente.
Frequentei o seminário maior (hoje, ele, no máximo, é do mesmo tamanho de outras espeluncas que dizem ensinar teologia) de meu grupo em duas ocasiões: começo das décadas de 80 e de 90. Em 10 anos constatei a queda de nível do ensino teológico. Na década de 80 estudei em um seminário com problemas semelhantes aos de outras instituições de ensino. Em 1990, me sentia participando, na maioria das aulas, de uma grande Escola Bíblica Dominical (com professores medíocres). Não gosto nem de imaginar o que é, hoje, a Casa de Profetas.
Em um seminário formam-se os que liderarão igrejas e os que alcançarão cargos elevados nas instituições que regulam a vida das comunidades de fé. Se são malformados, capitanearão igrejas incapazes de entender a simplicidade da mensagem do Evangelho e conduzirão seus grupos para o abismo.
O que fazem pastores medíocres, preguiçosos, avessos ao estudo? Têm uma visão. As orientações para o desenvolvimento da visão vêm diretamente de Deus ou de um mentor que teve visão semelhante, se deu ao trabalho de implantá-la e, posteriormente, faturou com ela. Poderia citar vários nomes, mas, sei lá, pode ser que alguém leia este texto e resolva me processar. Não estou podendo me envolver com rábulas.
Pastores medíocres são a grande maioria em um universo que, sim, tem excelentes homens e mulheres cumprindo seus deveres com brilho.
Em época de seminário, vi colegas recolhendo dos escaninhos onde os professores deixavam os trabalhos corrigidos, obras alheias bem avaliadas, que serviriam de matriz para as suas futuras tarefas. Havia um mercado de alunos produtores e compradores. A cola era livre. Esses alunos medíocres tornaram-se pastores medíocres, quase certamente.
O inocente dirá: “Tais indivíduos não conseguirão pastorear igrejas. Deus não permitirá”. Permite. Por que, não sei, mas permite.
Os concílios são convescotes. Se for bem relacionado, o medíocre tem pouso certo. Se não houver igreja à disposição, aguarda a vez numa instituição qualquer do grupo. É simples assim.
Karen Armstrong não é ligada a nenhum grupo religioso. Foi freira há algumas décadas. Hoje, crê em Deus. Acredito que muitos agem desta forma, hoje em dia.
A maioria, no entanto, por ser teologicamente iletrada, seguirá crendo em líderes medíocres. As igrejas continuarão crescendo numericamente, as massas nômades, que circulam de líder em líder, aumentarão e o descrédito da igreja entre os que usam um pedacinho do cérebro atingirá nível altíssimo.
Tudo isso é natural em uma cultura de valorização da mediocridade. Pouca gente lê e quando o faz gasta tempo com cabanas, paulos coelhos, símbolos secretos etc. Como é natural, quem sou eu para não aceitar. O que não aceito é quando afirmam que isso tem a ver com Deus. Aí, francamente, me emputeço.

COISA BONITA DE SE VER - Luma de Oliveira


Nada contra o silicone, mas seios naturais são outro departamento.
Nesta época, Luma não havia manchado seu currículo se deixando pegar por Renato Gaúcho.

MANO MENEZES

Gostei do Mano na seleção.
Muricy é técnico vitorioso, mas o futebolzinho dos times que treina é chato.
Eu, particularmente, preferia o Luxemburgo, mesmo reconhecendo que a fase pra ele não é das melhores há algum tempo.
Mano Menezes tem mais o perfil da Seleção.
Além de bom treinador, é educado. E há necessidade de muita educação pra aturar a pentelhação de imprensa e público.

SACANAGEM

A polícia carioca quer usar munição colorida para que sejam identificadas as muitas balas perdidas que voam pelos céus da cidade.
Contarei o final do filme: as balas coloridas serão vendidas para a bandidagem pelos homens da lei.
Esses caras só podem estar de sacanagem quando propõem essas soluções estapafúrdias.

quinta-feira, julho 22, 2010

DIÁSPORA

Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários.
Por associação, tiranos políticos são semelhantes a tiranos religiosos.
Criarei personagens para contar minha história. Qualquer semelhança com fatos verdadeiros é proposital.
João, aos 20 anos converteu-se em uma igreja evangélica histórica (o rótulo pode ser escolhido: tradicional, conservadora etc). Não tinha lá muita noção do que era ser evangélico. Naquela igreja aprendeu. 
Casou-se com uma menina da igreja. Os pais começaram a se interessar pelo Evangelho e até seu irmão, antes avesso à mensagem de Jesus Cristo, um dia atendeu o apelo feito pelo pastor.
João tem 45 anos, é diácono da igreja. A esposa, além de excelente musicista, lidera as mulheres da igreja. O casal tem dois filhos adolescentes, ambos integrados ao trabalho eclesiástico. Há muita gente na igreja de João com história parecida com a dele.
A igreja de João fará 50 anos. Metade da história de vida da comunidade, João viveu. Seus sogros vieram de outra igreja para, juntamente com outros, fundar aquela há cinco décadas.
O pastor que dirige a comunidade o faz há 40 anos. É homem sério, íntegro, de outro tempo. Não entende muita coisa que vê. Ensinou a igreja a pautar decisões na Bíblia. “Deus nos fala através da Palavra. Quando fala em nossos ouvidos, não é ele que está falando. É nosso cérebro nos pregando peças”, dizia sempre como advertência.
Em 50 anos, a igreja chegou a 456 membros. Cresceu em tempo difícil, anterior à sanha neopentecostal, em época que teologia da prosperidade era novidade.
“O pastor está cansado, não acompanha os jovens, precisamos de obreiro vigoroso. A igreja deve acelerar o crescimento”. Um diz, dois dizem, muitos dizem e chega o momento em que o velho pastor se aposenta (ou é aposentado) e um novo líder toma à frente do rebanho.
João não achou que a escolha fora bem conduzida. Escolheram um homem que só demonstrou eloquência vazia, simpatia forçada e muita vaidade. O novo pastor era o oposto do antigo e, por isso mesmo, a igreja o escolheu.
No primeiro ano, o pastor deu especial atenção ao trabalho jovem. A igreja vivia lotada. Cem novos membros se juntaram aos 456 que lá estavam. Mais da metade desses 100 vieram de outras igrejas, sedentos de novidades. 
No segundo ano, o novo pastor começou a mudar várias organizações da igreja. “Meus irmãos, não podemos usar métodos do século 20 no século 21. A igreja precisa mudar”. Os líderes achavam que o pastor estava certo. Os poucos que discordavam saíram. Sem traumas.
João saiu na primeira leva. A família resistiu. Foi para outra igreja do mesmo grupo, em bairro próximo. Lá ouviu que no começo do terceiro ano de pastorado de seu ex-líder este reuniu a igreja para informar que Deus lhe dera uma visão. A partir daquele momento, implantaria a visão que o Senhor lhe concedera. A igreja decidiria, mas se ele não pudesse fazer o que Deus lhe pedia deixaria o pastorado. 
O novo pastor era homem de Deus, mas já havia manobrado nos bastidores e sabia que imporia sua vontade. Os novos membros, a turma silenciosa que frequentava a igreja e alguns que ganhariam muito com a implantação de seu império garantiriam a vitória da “visão de Deus”.
Nos próximos meses, João veria chegar à sua nova igreja velhos companheiros de luta. Na nova igreja, o grupo seria visto sempre junto, conversando sobre assuntos da velha igreja. Relembrariam os bons tempos, falariam com saudades de programações que conduziram, não esconderiam a mágoa que nublava, agora, seus corações.
A outra igreja crescia. Dobrara o número de membros. Imitava descaradamente a metodologia da mãe de todas as igrejas picaretas. “Vocês nasceram para prosperar, ficar ricos, ganhar muito dinheiro. Deus tem horror à pobreza. Abomina doença. Gente doente é gente sem fé. Sou saudável e troco de carro todo ano por causa disso. Não quero contrariar meu Senhor”. E o povo mugia feliz.
Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários. Vivem em grupos, lembrando-se do passado, sem jamais se integrarem completamente na nova pátria.