terça-feira, dezembro 22, 2009

O DIABO É FÓ





Sou um zapeador inveterado, viciado, alucinado.
Não só no sofá, vendo TV, no rádio, também, trabalhando no computador.
Aliás, acho que esse é o motivo de não abandonar meu radinho de pilhas.
Numa dessas, ouço um pregador pertencente à igreja mãe de todas as igrejas exploradoras: “Participe da campanha, abrace a fé. Não deixe o diabo atrapalhar você. Às vezes você quer participar e resolve que vai abraçar a fé. Aí, naquele mês, você tem uma enfermidade, precisa comprar remédios, antibióticos. Antibiótico é caro. Mais de 50 reais, alguns. Aí você pensa, puxa, logo agora que eu ia começar a campanha. Não, meu amigo, minha amiga. Isso é o diabo. O diabo não quer que você participe da campanha...”
A esta altura fui pra outra estação. Ato contínuo, levantei-me pra vomitar.




segunda-feira, dezembro 21, 2009

HUMILDES


– Julinho, viu aquela parada pra mim?
– Que parada, Gomes?
– Já percebi que não viu. O emprego pro Jeremias. Aquela vaga que você me disse que pintou no seu trabalho.
– Ainda não. Gomes, o cargo não tem salário alto, mas é estratégico. Quem pegar a vaga vai lidar diretamente com o homem. Se for um traíra, fode a gente.
– O Jeremias é cara humilde, prestativo. Gente boníssima. Não pisa numa barata.
– Cara, tenho maior cagaço de humildes.
– Julinho, e nossa amizade?
– Se depender de eu indicar o humilde, acabou.

domingo, dezembro 20, 2009

TV FECHADA - Espaço Aberto (Globo News), com Edney Silvestre


Não tenho o hábito de ler poesia – o que estou pretendendo mudar – por isso não são muitas, ainda, as que me impressionam.
Assistindo Espaço Aberto, na Globo News, apresentado por Edney Silvestre, conheci o poeta português José Luis Peixoto. No final do programa, Silvestre pede a Peixoto que leia uma poesia, especificamente. Gostei demais e sairei atrás dos livros de Peixoto, que também é romancista e ensaísta.
Aliás, ele está no Brasil para lançar o romance Cemitério de piano.

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viuva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Alexandre Castro deve fechar Alegria na Rua


Quadrilhas de meninos malabaristas têm assaltado motoristas nos semáforos da Zona Sul do Rio de Janeiro. Os furtos não causaram dissabor apenas às vítimas. O professor Alexandre Castro está triste. Ele que nem automóvel possui, preocupado, sempre, com a emissão de carbono na atmosfera. A preocupação justifica-se.
Há 15 anos, Castro criou a ONG Alegria na Rua. O objetivo da ONG era treinar meninos malabaristas para atuar em semáforos. Os aprendizes distrairiam a população, receberiam pequena ajuda de custo e depois seriam inseridos no mercado de espetáculos circenses.
A iniciativa teve tanto sucesso que logo os cariocas viam em praticamente todos os sinais, ou semáforos como prefere o paulistano Castro, meninos fazendo malabarismo com laranjas.
Obviamente, nem todos os meninos malabaristas são egressos da Alegria na Rua. Motivadas, no princípio, pela oportunidade de ganhar algum trocado, crianças despreparadas aproveitaram-se da boa ideia da ONG e espalharam-se pelos cruzamentos cariocas.
O prof. Alexandre Castro, em entrevista à revista Veja, truculento semanário da capital sertaneja, alertava: “Essas crianças passam o dia na rua, são exploradas por adultos, não frequentam escola. Temo que, no futuro, insufladas por degenerados que as exploram, cometam o ato vil de surrupiar os bens e, quiçá, tirar a vida de incautos”. Os fatos comprovam o vaticínio do mestre.
A Alegria na Rua sempre se preocupou em manter seus meninos equilibristas na escola. As crianças estudam na parte da manhã, almoçam (comida vegetariana, como orienta o mentor da ONG) e saem para as ruas. Castro informa: “47% dos meninos equilibristas treinados por nós conseguem colocação em circos do Rio de Janeiro. Muitos foram convidados para trabalhar em outros Estados. Nosso grande orgulho são os Orange Family, três garotos que estão impressionando o mundo atuando no Cirque Du Soleil”.
O prof. Alexandre Castro conclui informando, ainda, que toda a estratégia da Alegria na Rua será repensada. “Verei se vale a pena prosseguir. A ideia original já estava sendo deturpada. Nunca foi intenção nossa estimular a mendicância. Sempre quisemos formar cidadãos autossustentáveis, verdes, vegetarianos, amiguinhos da camada de ozônio. Se perceber que isso não será possível, prefiro encerrar o trabalho da Alegria na Rua”.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

BAT MASTERSON


Em visita a família amiga, lá pelas tantas alguém mencionou a morte, aos 90 anos, de Gene Barry. Na sala, quase todos nos lembramos do personagem que o ator viveu em série que fez muito sucesso aqui no Brasil, na década de 60: Bat Masterson.
A musiquinha da série foi cantada em coro, comentamos alguns aspectos do filme e mudamos de assunto, como ocorre nos bons papos sem compromisso.
À noite, já em casa, voltei a pensar no velho herói e me lembrei de um momento traumático de minha vida: o dia em que fui Bat Masterson.
Um carnaval qualquer do começo da década de 60, meu pai levou-me à matinê do Clube da Light, no Grajaú. Estava fantasiado de Bat Masterson. A fantasia era um sucesso entre a criançada. Tinha bengala (a minha foi feita na carpintaria da Projetil), cartola, colete, gravatinha borboleta e revólveres.
Bat Masterson, o da televisão, era canhoto e usava só um revólver. Ganhava as paradas mais no charme do que com as armas. Geralmente, resolvia as pendências com algumas bengaladas.
O Masterson do Clube da Light usava dois revólveres prateados, dispensava o paletó (concessão ao verão carioca) e era avesso a conflitos físicos. A bengala, então, era cenográfica.
O Clube da Light era reduto de uma elitezinha merdéu. Na década de 50, não era permitida a entrada de negros em suas folias. Nos anos 60, meu pai era da diretoria do clube (e negro), por isso era lá que pulávamos no Carnaval.
Na portaria, a funcionária desarmava os Ivanhoés, Vigilantes Rodoviários, Zorros e, desgraçadamente, Bat Mastersons. Tive confiscados meus revólveres e bengala. Criança fica aborrecida, irritada, chateada... Eu, precoce, fiquei foi mesmo puto da vida.
“No final, é só pegar de volta, filhinho”, falou a mocinha. “Filhinho é o caraio”, acho que pensei em dizer, mas não disse.
No salão, o roda pra lá roda pra cá dos bailes carnavalescos. Era muito criança para aproveitar a única coisa boa de bailes de carnaval, o ninguém é de ninguém, mas me divertia. Criança se diverte com pouca coisa.
Fim de baile, vamos à portaria recolher as armas. A mocinha já tinha ido embora. Meu pai gostava de um papo e nunca se apressava. Muita gente fora embora. E um puto, filho de pai antissocial, levou minhas pistolas.
O porteiro me apresentou dois revólveres mixurucas, pretos, fininhos. Gostaria de ter reagido com mais bravura, mas chorei, chorei muito, chorei de fazer escândalo. Meu pai pegou a bengala da mão do porteiro e me confortou: “Depois eu compro outros revólveres iguais aos antigos pra você”.
Nunca comprou, mas me deu muitos discos e livros. Acho que ganhei com a troca. Não tenho sangue frio para ser matador.

sábado, dezembro 12, 2009

QUAL O GÊNERO?


Sobre The fall, novo disco de Norah Jones, a crítica de Veja diz: “Seu estilo musical que já foi definido erroneamente como jazzístico, está agora mais próximo do folk de artistas como Joni Mitchell e Aimée Mann”.
A Rolling Stone aponta para outra direção: “Os fãs mais puristas de Norah Jones com certeza estranharão este seu novo disco. Não é para menos, pois ela deixa de lado o revestimento de pequena diva do jazz com um pé no country e assume uma postura mais, digamos, indie e experimental”.
Os caras não se entendem, mas isso não importa. Certo é que Norah Jones, em The fall, deixa o piano e empunha a guitarra.
Mais importante: faz um ótimo disco. Se de jazz, country, indie ou samba, não interessa.

JINGLE BELLS


– Cardoso, você parece que come merda. Por que você sentou no lugar do Ratão?
– Sabia lá que era lugar do Ratão. Cheguei da casa da mãe, vi o movimento na quadra, lembrei do jogo do Dia dos Pais e resolvi dar uma olhada. Estava cheião, vi o lugar vazio no meio da arquibancada, fui pra lá e sentei.
– Cara, não chama a arena de quadra. O Ratão já mandou matar por causa disso.
– Arena pra mim é aquela porra de romano, grego, turco, sei lá.
– Você sentou do lado da Madá, mulher do Ratão. O lugar do lado dela é dele. Você não sabe disso?
– Sabia não. Se soubesse, cê acha que ia sentar lá. Mas fiquei longe dela. Tinha o maior espação. Não encoxei a dama, de jeito nenhum.
– Se encoxasse tava morto.
– Sei não, ela me deu umas olhadas. E, ó, ela não falou que não podia sentar do lado dela. Ninguém falou.
– Todo mundo sabe que não pode. O Ratão, quando mandou construir a arena na comunidade, avisou que aqueles dois lugares jamais poderiam ser ocupados.
– Foi a primeira vez que fui na quadra.
– Arena, caraio. Eles não querem saber disso. Se manda, ouvi um zunzunzum que vão te dar uma lição.
– Porrada?
– Matar, pra dar exemplo. A Madá ficou muito chateada.
– Do outro lado dela tinha uma mina sentada.
– O lado direito dela pode ser ocupado. O esquerdo é do Ratão.
– Vou morrer por causa disso? E se eu falar com o Ratão?
– O Ratão tá preso há três anos. Pegou um gancho de 20. Você é desligado, mesmo.
– Vou ficar na casa da minha mãe.
– O Ratão vai sair no Natal pra visitar a família. Não vai voltar, claro. Levo um papo com ele.
– Valeu.
– Agora, cai fora. Não vai nem em casa. O pessoal tá querendo mostrar trabalho. No indulto de Natal saem mais uns quatro da elite. Quem tá aqui fora precisa deixar claro pro Ratão que tem valor. Ah, se eu quebrar essa pra você, daqui pra frente procure conhecer melhor as leis da comunidade. As lá de fora ninguém respeita. Já as daqui...

quinta-feira, dezembro 10, 2009

DESACELERANDO


Este blog não é o melhor lugar para se ler comentários sobre o que está, hoje, nos noticiários. Lutei durante muitos anos contra o vício maldito da novidade. Venci-o, enfim.
A ansiedade de querer saber sobre tudo e no final descobrir que nada sabia. Esta ansiedade, mandei pras picas.
Não me interessa mais conhecer o grupo de rock que será o melhor do mundo na semana que vem. Curto o antigo, calmamente. Por exemplo, nada mais velho e delicioso do que Colour me free! da igualmente deliciosa Joss Stone. Jovenzinha esperta, sabe que o que é bom não precisa, necessariamente, ser novo.
Todo esse trololó pra dizer que, lendo uma Época antiga, dei de cara com frase absurda de Januário de Santana, técnico em eletrônica espancado por seguranças do Carrefour de Osasco, no Estado Sertanejo.
Em tempo, Januário é negro.
“Os seguranças falaram que eu ia roubar o Ecosport e a moto. Quando disse que o carro era meu, bateram mais ainda. Já passei outros constrangimentos com esse carro. Acho que vou vender”.
Negro aqui em Lulalândia só pode ter fusquinha, de preferência com o escapamento furado, fazendo esporro.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

COISA BONITA DE SE VER - Jewel Staite


A drª Jennifer Keller, de Stargate Atlantis, grande série que termina agora aqui no Brasil. A única série assistida por mim de cabo a rabo. O rabo, ainda não vi.

PELO NÚMERO


Desembarcou do táxi e arrastou-se até a entrada do INSS.
Foi até o guichê. Encaminharam-no ao fundo da sala. Vão chamá-lo pelo número da senha.
Sentou-se. Cinco minutos depois foi chamado.
O funcionário anotou, teclou, anotou mais um pouquinho e orientou-o a esperar na sala à direita. Vão chamá-lo pelo número da senha.
Levantou-se, andou até a sala indicada, sentou-se e esperou.
De onde estava via todo o amplo salão. Do lado de dentro do balcão, gente estranha. Feios, todos. Falavam e não olhavam para aqueles com quem estavam falando, os do lado de fora.
O guarda que lhe informou o guichê onde deveria ir, ao entrar na agência, lia um jornal e dele não tirou os olhos.
A criatura enorme que lhe deu a senha devorava um saco de biscoitos e, preocupada com a eventual fuga de um dos recheados de chocolate, mantinha olhos atentos no pacote. A gordona comia, escondia os biscoitos com o corpanzil e passava as senhas.
O funcionário que checou seus documentos, por um instante fugaz, cruzou o olhar com ele. Desviou-o, rapidamente. Ficou tão perturbado com a imprudência que levantou-se e disfarçou bebendo um pouco de água.
Viu seu número no luminoso. Número 4.567, sala 5.
– Bom dia, doutor.
A resposta, um grunhido ininteligível.
O médico olhava com atenção a tela do computador.
Sentou-se.
– Por que o senhor veio aqui?
Fez as queixas, apresentou razões, mostrou que estava difícil trabalhar no estado presente.
Sem desviar os olhos do computador (será que estava jogando Paciência?), pediu os exames.
Passou a tomografia, exames de sangue, eletrocardiograma, teste da farinha... Todos condenando-o à morte próxima.
Apresentou laudos de ortopedista, cardiologista, angiologista, proctologista... Unânimes em considerar milagroso o fato de ele ainda respirar.
Ainda de olho na tela do computador (deveria estar vendo a Flávia Alessandra), grunhiu:
– O senhor pode ir. Em 15 dias uma correspondência chegará à sua casa deferindo ou não seu pedido.
Levantou-se, arrastou-se até a rua e fez sinal prum táxi.
Sentou-se no banco de trás. O motorista olhou em seus olhos e perguntou:
– Pra onde vamos?
Uma alegria difícil de conter tomou conta do homem:
– Graças a Deus voltei a meu mundo.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

ORGULHO


Um pai, diante de ataque de fúria do filho craqueado, chamou a polícia.
Os homens da lei chegaram e o doidaço trancou-se no quarto.
A polícia invadiu o quarto, o rapaz resistiu e atacou um dos policiais com uma faca.
O bem treinado guardião da ordem, em defesa própria, sacou a arma e sapecou 12 tiros no alucinado.
Essa é a polícia que me enche de orgulho.

DONO DO PEDAÇO

Fácil não seria.
Juju acabara de sair de um tumultuado romance.
O ex era soldado, homem de confiança do Homem.
De qualquer forma, Dorival não era de perder oportunidades. Sondou pra se informar se a menina estava mesmo liberada ou se estava no castigo. Liberação feminina era coisa lá de baixo. Na comunidade, as minas eram vadias, cachorras, e muitas adoravam isso, e quando se envolviam com o pessoal do movimento viajavam ao passado e viviam em tempos bíblicos, veterotestamentários. Só o macho da espécie podia repudiá-las.
Na discretíssima apuração, soube que AK dispensara Juju, que era a terceira fêmea do pedaço à sua disposição. Dorival não pôde deixar de pensar. Se Juju, tesão dos tesões, companheira imaginária de suas noites insones, era a terceira, as outras duas, putaquepariu.
Um amigão ainda lhe deu toque esperto. Dá um tempo, espere pra ver se AK se adapta à nova mulher e depois se aproxime.
Dorival acatou a orientação. Estava afoito, mas não queria morrer aos 19 anos.
Na escola, namorou Juju. Beijinho pra lá, beijinho pra cá. Conheceu mãe, pai. Almoçava na casa da gata de vez em quando. Mas Juju era jogo duro e ele queria porque queria comer aquela prenda. Não comeu, comeu uma outra, Juju soube e o dispensou.
A dor de corno foi grande. Mesmo corno não sendo. Correu atrás, chorou, se humilhou, pediu ajuda dos, quem sabe um dia?, futuros sogros. A menina estava e permaneceu irredutível.
Antes dos 18 ela desfilava com AK. Ele, ainda desconsolado, foi abordado pelo ceifador. “Aí, a mina tá comigo. O primeiro aviso é pra você ficar longe; o segundo não haverá, te encho de porrada e bala. Depois te queimo.”
AK era homem convincente. Nunca mais chegou perto de Juju. Olhava-a de longe, com medo, pavor, terror, amor, desejo, angústia.
Uma tarde, em plena Uruguaiana, Juju segurou em seu braço. Quando viu que era ela, se desmanchou de felicidade e horror. “Me arrependo tanto de não ter aceitado seu pedido de perdão. Você é o meu amor. Sou respeitada no morro, mas não tenho respeito por mim. AK tem duas mulheres, filhos, eu sou a cachorra.”
Saiu dali voado. Trabalhava, ganhava uma merreca, ajudava em casa, pagava faculdade, tudo pra sair do lugar em que vivia. É uma merda um lugar onde um homem não pode ganhar uma mulher no papo.
Esperou o período de adaptação de AK. Pediu a Juju, por email, que lhe desse nova oportunidade. Ela deu a oportunidade e quis dar outras coisas tantas vezes negadas. Queria dar logo. Se tivesse se deixado levar pela palpitante cabeça que vivia entre suas pernas cairia, imediatamente, nos braços da bela Juju.
Antes do batente e de embarcar no trem, Dorival tomava seu cafezinho frugal na padaria da saída da comunidade. Pão, manteiga, café com leite, olhe lá. Ao seu lado, no balcão, o temido AK. Os olhares se cruzaram. AK mordeu o pão abarrotado de queijo, generosamente fornecido pelo dono da padaria, que tinha cu e medo, e disse afavelmente a Dorival:
– Fui informado que você está pensando em ficar com a Juju”.
Dorival protestou:
– Nada disso, esse pessoal fala demais.
– A parada é a seguinte, gosto daquela mina, mas não sou olho grande. Não estou dando a atenção devida a ela. Pode ficar, mas quando eu estiver a fim, vou chegar lá.
– AK, você é um cara generoso, mas, realmente, não tem nada a ver. A Juju é uma amiga, gosto da família, mas é só isso.
Dorival voltou em casa, se despediu da mãe, “vou ficar dormindo na empresa”, e caiu na poeira. A mãe morava na comunidade desde que nascera e de lá não sairia.
Alugou um quarto, começou um namoro com uma colega de trabalho, casou-se com ela e os dois foram viver em um conjunto habitacional na periferia.
Juju, não viu mais. De vez em quando, lembrava-se dela. Quando isso acontecia, trancava-se no banheiro e tocava uma bronha doída.

quinta-feira, novembro 26, 2009

DEUSA


Há dois séculos, em uma premiação do Video Music Awards (VMA), Kanye West tomou o microfone da mão de Taylor Swift, a vencedora da categoria melhor clipe, e disse que o clipe do ano era o de Beyoncé.
Deu a maior confusão e muita gente caiu em cima do maleducado, inclusive o Nobel da Paz, Barack Obama.
Olhando retrospectivamente, com distanciamento temporal, este Gordo ousa dizer que West estava coberto de razão e não precisava ter se desculpado pelo que fez.
Taylor Swift vende muito mas é uma cantorazinha comum.
Beyoncé é outro departamento.

O NERVOSINHO


Padaria pequena, uma lojinha. Vende pão, biscoitos, jornais... Os populares.
O dia inteiro vazia. Quando sai o pão quente, os quatro condomínios enviam seus representantes. E a acanhada lojinha enche.
Às sete da manhã sai a primeira fornada e não é que exatamente nesta hora apareceram por lá, dia desses, três ladrões madrugadores.
– Aí, se todo mundo cooperar, sai tudo vivo. Dondom, vigia os fundos.
D. Deolinda, 90 anos bem vividos, é metódica. Acorda às 6h, ouve a programação da Rádio Rio de Janeiro, kardecista que é, às 6h40 vai à padaria, compra o pão e faz café pra filha e pro neto. Toma um gole de café, come um pão francês sem manteiga e às 7h30 está no tai-chi-chuan da comunidade.
– Meu filho deixa eu ir embora. Sou idosa, posso morrer de nervoso.
– Vovó, vai lá pra trás – gritou o meliante.
Dondom, lá dos fundos, chamou a atenção do colega de labuta:
– Deixa a vovó ir embora. Aqui é jogo rápido.
D. Deolinda nem esperou o final da discussão e foi saindo. Saiu e dez metros depois, na rua, ligava pra filha do celular:
– Estão assaltando a padaria.
A filha, “A senhora está bem?”, “Vem pra casa.” Em seguida, ligou pra polícia.
Tem coisa que parece que só acontece em ficção, mas d. Deolinda entrava em casa e a polícia já estava dando voz de prisão pros ladrões.
Está certo que o assalto demorou mais do que o planejado. Sete da matina, no caixa não tinha nem 50 reais. Os 12 clientes estavam sem nenhum. A prática do pendura ainda é muito comum nos bairros proletários do Rio. Os dois assaltantes que estavam na frente não se conformavam. O nervosinho queria dar porrada.
Mais espantoso, ainda, era estar passando uma viatura pela rua principal do bairro, quando o chamado da Delegacia foi feito. Os policiais chegaram e deram voz de prisão no bando. Policiais audazes. Se as armas dos dois fossem de verdade, teriam tombado ali mesmo.
Dondom, que estava nos fundos, dando uma olhada nas manchetes de um jornal que surrupiara, saiu de fininho. Não correu, andou rapidamente. Para evadir-se precisaria pular as grades do condomínio proletário, que segue o último grito carioca de encimar muros com rolos de arame farpado. É a estética Auschwitz.
Não perdeu a calma. Sentou-se em um banco, abriu o jornal e ficou por ali, dando uma de migué. De onde estava, via a saída do condomínio que se localizava ao lado da padaria. Viu, também, o policial vir em sua direção. Esperou. Acima do peso, correr, pular muros, não era pra ele. Estava na hora de repensar sua carreira.
– Cidadão, por acaso o senhor viu alguém em atitude suspeita por aqui? A padaria quase foi assaltada e parece que um dos elementos escapou pelos fundos.
– Policial, eu estava distraído lendo o jornal. Vi um homem passar entre os blocos há uns cinco minutos, mas ele não estava correndo.
– Obrigado, cidadão. Vou averiguar.
Dondom pensou. “É bom ser branco nessa terra de louros. Se fossem os companheiros neguinhos, não tinha cidadão, ele iria me enquadrar”. De qualquer forma, não poderia ficar ali. Iria se arriscar. Passaria pelo portão. Ninguém ia dedurá-lo. O cagaço da cabeçada o protegeria. Aproveitou o policial voltando e o acompanhou.
Lá fora, um camburão havia chegado. As vítimas olharam pra ele, o reconheceram, mas ficaram na moita. Seu olhar cruzou com o dos companheiros, enquanto se afastava. O nervosinho olhou pra ele e riu. Levou um safanão do policial.
– Tá rindo de quê, babaca?
– Da vida, policial, da vida – continuou rindo e apanhando o nervosinho.

sábado, novembro 21, 2009

De bobeira

Em um Rio de Janeiro de muitos crimes, um que nem se sabe se foi ou não me impressionou. Para prosseguir, admitamos que houve um assassinato e, consequentemente, um assassino.
O assassino é jovem. Naquela noite não estava mais entediado do que usualmente.
Não tem namorada, está sem dinheiro, não acompanha novelas.
Ia para casa, fazia o caminho de todo dia, por cima do viaduto.
Encostou-se na grade, acendeu um cigarro e olhou o movimento da Av. Brasil, embaixo de onde estava. Àquela hora não se comparava com o dos horários de pico, mas cada ônibus que passava o fazia sentir uma vibração que o irritava.
Reparou nos blocos de concreto espalhados pela calçada. Forte, se quisesse levantava-os com facilidade. Bom, talvez não conseguisse. A falta de dinheiro o afastara da musculação. Abaixou-se, ergueu o maior bloco que vira ali por perto. Precisou esforçar-se. Apoiou-o na grade do viaduto e respirou fundo.
A distância avistou o ônibus se aproximando. De manhã um feladaputa de um motorista o deixara na pista, braço estendido. No ponto, riram de sua indignação. Bateu boca com um dos caras que riram. Escolheu o menor, mas o tampinha o encarou. Acabou afinando, o anão poderia estar armado. Motorista desgraçado.
Jogou o pedregulho em cima do ônibus que passava. Não por causa do motorista que o deixou a pé. Lançou o bloco de concreto porque estava ali de bobeira. Só por isso.
O choque da pedra com a lataria do ônibus fez um estrondaço.
Viu o ônibus se afastando, diminuindo a velocidade e parando. Pelo meio da pista atravessou o viaduto. Lá de baixo não seria visto. Em casa a mãe o esperava com um farto jantar.
No dia seguinte, este homem soube que a pedra que lançou matou uma mulher que dormia dentro do ônibus. Eu gostaria de acreditar que ao tomar ciência da morte da inocente o homem sentiu corroer-lhe as entranhas doloroso remorso e, desesperado com seu ignominioso crime, verteu lágrimas de sangue.
Mas, por que me enganar? O homem, se soube o que fez, provavelmente, deu de ombros e pensou: azar o dela.
No bar, tomando um chopinho com os chegados, contou a história.
Uns não creram: “Você adora contar lorotas”.
Outros, por conhecê-lo melhor, acreditaram e o invejaram: “Um dia farei algo grandioso assim”.

Expectativa

Fim de semana tenso.
Futebol é uma das poucas coisas que me mobilizam.
Especificamente, o Flamengo.
Se a vitória contra o Goiás vier (tenho dúvidas porque vi o Flamengo perder para aquele timeco mexicano com três gols do gordinho) e o Botafogo tirar um pontinho sequer do medíocre time do São Paulo, acho que chegaremos lá.
Será o coroamento de um grande ano para mim.
Neste período, livrei-me dos grilhões da religião e serei campeão.
Parece pouco e é mesmo. O bastante, por enquanto.

sexta-feira, novembro 13, 2009

PAPEL & CARNE


Morreu mais uma mulher fazendo lipoaspiração.
Vinte e dois anos, 53kg e, segundo o marido, sem necessidade de fazer a intervenção.
O DIA informa que a estética da clínica disfarçava sua falta de estrutura.
Visitei há dois anos uma escola. O diretor/dono do estabelecimento queria publicar texto publicitário em jornalzinho que eu trabalhava.
Orgulhoso, mostrou-me a requintada recepção. “Aqui começamos a conquistar os pais dos alunos”, disse com um sorriso. Depois fomos à sala de informática. “Vinte computadores, internet em banda larga. Aqui ganhamos os alunos”, gargalhou vitorioso.
Nunca ouvi referência à boa qualidade de ensino daquele educandário. Creio que importante, e o que dá retorno financeiro, é ser esteticamente vistoso.
Eu, comilão, não posso ver uma bela vitrine de doces, principalmente se dentro dela estiver se exibindo uma atraente fatia de torta de chocolate. Algumas vezes, na primeira bocada, vem a decepção. Bonita, sim, gostosa?, de jeito nenhum.
A aparência impressiona e nos condiciona. Era assinante da TVA e ficava impressionado com a idade avançada e feiúra dos apresentadores de telejornais da RTP, emissora estatal portuguesa. Gostava do telejornal da emissora portuguesa exibido na madrugada, que focalizava a África de língua portuguesa. Acostumei-me com os apresentadores que passam longe do padrão global de beleza, mas são competentíssimos, que é o que realmente importa.
A Globo e todas as outras emissoras brasileiras que a emulam têm em seus telejornais cotas de apresentadores de terceira idade e negros. Falta um representante gordo, mas gordo, definitivamente, não pega bem em TV. A não ser como entretenedor.
Gordinhas, também não. O padrão é o esqueleto. As mulheres creem nisso e fazem sacrifícios inimagináveis para alcançar corpos muitas vezes construídos no Photoshop.
Fernanda Young, com quem me divirto nas noites de domingo (vendo-a no GNT, claro), posou seminua para a Playboy. Disse ela que sentiria inveja da Fernanda da revista. Os profissionais da Playboy a fotografariam nos melhores ângulos, fariam centenas de fotos e escolheriam as perfeitas. Depois, o pessoal da arte retocaria o que já estava ótimo. Uma Fernanda muito diferente da Fernanda real.
Todos somos atraídos pelo belo. O homem perde o rumo quando uma beldade se aproxima. O fascínio da beleza é incontestável. Não é a beleza, no entanto, que garante vida de qualidade. Há outras características pessoais a se considerar.
Eu, há muito tempo, divido as mulheres em duas grandes categorias: as de papel e as de carne. As de papel, vemos nas revistas, na TV, nos filmes... Pelas de carne passamos todos os dias e é a elas que temos de agradar. São elas que precisamos conquistar.
Quando homens e mulheres de carne se confundem e desejam ser seus duplos de papel, morrem. E é uma morte tola porque só aloprados preferem humanos de papel.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Eu, não!!!


No post aí embaixo retorna o baba-ovo.
Aqui, o irmãozinho dele: o Não Fui Eu.
Baba-Ovo e Não Fui eu são gêmeos.
São mestres no jogo de empurra.
Estão na Bíblia, no começo da história da humanidade, no belo e alegórico relato do início de tudo.
A mais recente aparição de Não Fui Eu aconteceu hoje.
À pergunta sobre quem foi o responsável pelo apagão que jogou o país em trevas, ouvimos Itaipu dizer: “Foi Furnas, problema de transmissão”.
Furnas tirou da reta: “Foi Itaipu, problema de geração”.
O Governo: “Foi uma tempestade, acidente climático”.
Deus: “Peraí, já estão jogando na minha conta?”

Fundo musical: Lost sides, DOVES

BABAOVISMO, DE NOVO

Na prova do ENADE, exame que avalia as faculdades, várias questões enaltecendo o governo lulista e descendo o cacete na imprensa. O Globo publicou.
O assunto será esquecido mais rapidamente do que é costumeiro por causa do apagão desta madrugada. De qualquer forma, comento.
Quem lê este blog sabe que tenho ojeriza de baba-ovos. Aparentemente, as questões boca no saco, formuladas no ENADE, foi trabalho de babaovistas militantes e radicais. O serviço de confecção das provas foi terceirizado (Natal gordo pros mesmos) e, por que não?, uma lambidinha no escroto governamental poderia render outra tetinha mais pra frente.
Toda organização que privilegia o babaovismo corre esse risco. O baba-ovo produz muita saliva e acaba encharcando o saco do chefe. Lula gosta, mas houve exagero.
Ainda bem que veio o apagão.

Fundo musical: With teeth, NIN

terça-feira, novembro 10, 2009

BOLACHA


O velho roqueiro nunca foi muito ligado em rótulos.
Jamais entendeu as diversas divisões do rock.
Pro velho há só duas: suave e pesado.
Até bem pouco tempo, indie rock, no entendimento do veterano, era rock indígena, rock com batidas tribais. Trance, acid, house, sweet, glam, o velho caga pressas classificações.
O velho roqueiro não baixa músicas na internet. Um brontossauro, o cara.
Música pros ouvidos dele deve sair de fita cassete, vinil e, vá lá, cd.
O velho roqueiro não é muito chegado a comprar CDs em lojas virtuais. Ainda hoje, pela rede, só compra na Velvet. “Qualquer bronca eu falo com o André pelo telefone”.
O prazer do velho é fuçar as prateleiras das lojas. “No tempo da Farelo, o Preto ligava pra mim e dizia: ‘Chegou um novo carregamento’”.
O velho sentava-se no chão da loja e escolhia os vinis antes de irem pras prateleiras.
O velho roqueiro não costuma se deixar levar pela opinião de críticos. Às vezes, coincide de ele gostar de discos bem avaliados por críticos detestáveis.
O velho roqueiro é muito contraditório. Não liga pra críticos, mas lê os palpites dos caras.
O velho roqueiro adorou o último Guns’n’Roses. É amarradão nos três Kasabian. Empire, inclusive. Chorou com o ao vivo do Leonard Cohen. Ficou com uma pulga atrás da orelha com o Gossip domesticado. Amou, ama, amará Polly Jean Harvey.
O velho roqueiro me disse que comprará o novo da Joss Stone, mas o que queria era ter dinheiro para assistir o show do petisquinho. O velho é machista, sacumé.
Encontrei o velho em Madureira. Mancava. Contou-me que está com um probleminha na coluna. Mostrou-me uns vinis que garimpou. Estava feliz abraçado a Ted Nuggent e Pat Benatar.
Entramos numa pastelaria, mandamos vir quatro esfihas e dois caldos. Depois saímos e deixei o velho no ônibus.
O velho roqueiro jamais teve um automóvel. “Vou deixar de comprar minhas bolachas pra sustentar carro?”
O velho roqueiro é a única pessoa que chama disco de bolacha.
E eu o único a chamar cd de disco.

segunda-feira, novembro 09, 2009

CRIANÇAS ZUMBIS


629, o ônibus do terror.
Embarco nele por preguiça.
Venho sentado, no metrô viajo em pé, tem baldeação...
Há um acordo entre a empresa e representantes da escória da humanidade.
No ponto final, a pivetada craqueada não pode embarcar. Uma parada à frente, as portas do coletivo são franqueadas ao que há de mais deprimente na bela cidade do Rio de Janeiro: as crianças zumbis.
Leio em O DIA sobre a vitória do Mengão e uma destroçada cai do meu lado. Sentei em frente à porta. Pedi a desgraça.
Dez segundos depois de se sentar ao meu lado a infeliz dormiu.
Gordo é ótimo colchão. Logo a jovem se espalhava.
Fedia, fedia muito.
A carapinha me espetava.
Ó que vivo em terra de bamba, mas já estava agoniado.
Pensei, vou resistir e aguentar este fim de feira no meu braço. Ela se acomodou melhor e senti seu narizinho, sua boquinha babada... Em meu interior, o velho homem gritou: “Politicamente correto o caraio. Sai dessa”.
Levantei-me e falei, não com uma menina, mas uma mulher feita, arrasada pela vida.
“Senta aqui no canto. É melhor pra você dormir”. Nenhuma resposta. Cutuquei a derrotada e nada. Estava viva, dando um rolê no inferno, certamente. Não dava para pular sobre ela. 150kg, sacumé. Voltei pro meu cantinho.
Fui babado, espetado, narigado. Quando chegar em casa vou tomar banho de álcool.
Na Itaoca, a zumbi acordou, levantou-se e aparvalhada, olhou em volta para ver se descobria onde estava.
Uma afrobrasileira gritou do fundo do ônibus: “Sandra, o Jacaré já passou há um tempão”.
Parada na porta, atrapalhou a passagem de outro zumbi que disse que ia dar porrada e a mandou tomar no cu. Espero que ela não siga a orientação do coleguinha. Morreria, se fosse transpassada pela espada de um tarado cego, surdo e desprovido de olfato.
Aproveitei para ficar em pé.
A colega aproximou-se e aconselhou-a a descer na Nova Brasília.
“Desce lá, atravessa a rua e pega o ônibus voltando. Pô, San tu morgou mermo, hein. Pensei que cê tivesse descido. Há quantos dias cê não dorme?”
Eu, o colchão, me afastei um pouco e olhei para aquela mulher devastada, de novo sentada.
“É aí, Sandra, desce.”
Ela desceu, atravessou a rua, quase foi pega por uma moto, segundos depois um carro quase a matou. Virei-me para a colega da zumbi e observei: “Ela não vai chegar viva ao Jacaré”.
“Essas meninas, em vez de usar a droga, a droga é que usa elas. Aí, eu uso, mas tenho quatro filhos pra criar. Me controlo. Alá aqueles dois são meus. Tio, cê acha que vou ficar igual a ela? Never. Parece a capa do Batman. Dezoito anos, acabadona. Tenho 22, mas, aí, tô gordinha. Controladona”.
Entendi que já tinha feito minha confraternização com os destroços da sociedade carioca. Sentei-me. Calei-me. Aquela velha comida pelo crack, 18 anos. Essa outra, 22. Encarquilhadas.
Resolvi que no expresso do terror não embarco mais. Crianças zumbis só pela TV.

Faça-me uma graça

Navegando pela Internet, no dorso da raposa de fogo, parei em um blog de artes & cultura. Era mais um site do que um blog. Vários colaboradores, cheio de bossas e parangolés.
Dei uma geral e vi que eles publicam textos enviados pelos leitores.
O texto tem de ser assim e assado, não pode ter saído em sites e blogs, o tamanho é este e fim de papo, se vai falar de filmes estes precisam estar em exibição, resenhas de livros, só lançamentos, decidimos se publicamos ou não o texto e não damos satisfação.
Cacomigo pensei: “Tantas exigências, se forem cumpridas deve rolar um bom cascalho”.
Porra nenhuma. Se eles gostarem de seu texto, o pagamento é se sentir honrado porque foi publicado.
De graça só escrevo aqui. Até porque não corro o risco de ter textos recusados.

domingo, novembro 08, 2009

Histórias da capital sertaneja


Já em idade provecta resolvi fazer curso de Letras.
Nos anos em que estudei, fiz um amigo ou outro, tinha meu grupo de trabalho com três coleguinhas especiais e usava os intervalos para tirar uma pestana.
A média dos estudantes do curso deveria estar por volta de 25 anos. Curso noturno, muita gente gramava para pagar as mensalidades.
Lembrei-me desse bom tempo a propósito do episódio da jovem de minivestido agredida com impropérios pelos colegas acadêmicos. Bom, a história rolou na capital sertaneja, o que, de certa forma, explica o bafafá.
Em minha turma, uma aluna padrão mulher filé destroncava pescoços de incautos ao passar. Sua voz era convite à libidinagem. Suas roupas mostravam bunda, peitos e o que mais couber em uma mente libidinosa. Não percebi da parte do corpo discente da universidade suburbana hostilidade alguma em relação à menina.
Uma outra, lindinha, lindinha, sempre envergava sainha curtinha e camiseta sobre a pele. Os faroletes estavam sempre acesos. Juventude, sacumé.
Quando os mestres mandavam formar rodinha para grupos de discussão, a formosurinha sempre estava sentada à minha frente. A bonitinha era agitada, balançava as pernocas sem parar. Os olhos do velho roqueiro eram atraídos para as coxas balouçantes. Não, ele jamais pensou em sapecar um safanão na safadinha.
A moça do minivestido foi expulsa da faculdade. Se este velho roqueiro entendeu os motivos, por usar vestido curto e provocar nos caipiras seus mais baixos instintos.
Que coisa!!!

sexta-feira, novembro 06, 2009

O ALFA ROMEO


Nem passou pela cabeça de Adilson que sua alegria se transformaria em aporrinhação.
Final da década de 80, o sortudo ganhou um Alfa Romeo em uma rifa. O Alfa, quando chegou ao Brasil, trazido pela Fiat, era destinado aos abonados. No entanto, tinha tantos problemas que logo foi deixado de lado pela montadora. Sem peças de reposição e voraz bebedor de gasolina, tornou-se um abacaxi para quem o tinha comprado.
Adilson não reclamava do carro. Fora sorteado entre mil participantes e gastara míseros 10 reais (fiz a atualização de orelha porque não sou de perder tempo com pesquisas minuciosas). Estava no lucro.
No Alfa, deu umas voltas com a família pelo aprazível bairro da Pavuna, fez umas duas viagens a Nova Iguaçu e resolveu passar o bólido pra frente.
Tentou vendê-lo, ninguém quis comprar. Resolveu fazer nova rifa. Mil números a 10 reais, mesmo que não vendesse tudo teria um belo ganho.
Foi com alguns carnês na mão que ele chegou ao trabalho e anunciou a rifa. Todos os colegas, menos eu, compraram para ajudar. Ninguém queria um Alfa Romeo, o carro que nem o dr. Cascatinha deu jeito.
Old, não. Comprou dois números e anunciou: “Meus orixás estão me dizendo que vou levar este Alfa”. Um arrepio de pavor percorreu a espinha de Adilson. Ele pensou: “Não, seria muito azar. Um, entre mil”. Se pudesse recusar-se a vender a rifa, o faria, mas pegaria mal.
Dez dias depois Adilson entrou na seção com um sorriso de sofrimento: “Old, você ganhou. Aqui estão as chaves do carro. Amanhã fazemos a transferência”.
Old, sorrisão aberto, bazofiou: “Não te disse, meus orixás são fortes”. Talvez fossem mesmo, só não entendiam nada de mecânica.
Os dias rolavam e em todos os eles ouvíamos Old espinafrar o carro e, por extensão, Adílson. “Bebe que nem um pinguço”; “Gastei uma fortuna com a transferência”; “As peças de reposição são caríssimas”; “Esse Adilson, com essa carinha de bobo, é um espertalhão”; “Se aparecesse quem me pagasse o que gastei com a transferência, vendia na hora”.
Old dava essa deixa e o Padre arrematava: “Eu compro”. Old desconversava, começávamos os trabalhos e, no dia seguinte, a ladainha recomeçava.
Um dia, Adilson retrucou: “Old, você levou o carro por 10 reais mais 50 da transferência. Venda o carro”. “Mas o malandrão aí levou mil no total da rifa”, chicoteou Old. “Isso não é problema seu. Maldita hora que vendi a rifa pra você”, disse e levantou-se da mesa o não mais pacífico Adílson.
Old levantou-se, também. Ia sair porrada. Do fundo da sala, ouvimos a voz do Padre: “Eu compro o carro por 60 reais”. Old, puto da vida: “Tá vendido”. O Padre levantou-se, não para brigar, e casou o dinheiro na mesa de Old. O velho homem de imprensa não pode refugar. Aceitou.
Parecia que a novela do Alfa chegara ao fim. Nada. Todos os dias, Old perguntava pelo carro. O Padre só dizia: “Está ótimo, sábado fomos à praia nele”. Old ficava inquieto: “Por que você não vem trabalhar nele?” O Padre explicava: “Na editora não tem estacionamento. Venho de lá pra cá de ônibus e pra casa vou na carona do chefe. É mais barato e ainda vou ouvindo a Tupi FM com o homem”.
Semanas pra frente e ainda ouvíamos falar do Alfa. O Padre só elogiava o carrão. “Confortável, ar condicionado siberiano, maciez nas pistas, dirigibilidade inigualável, um carrão, um carrão”, babava. Eu, companheiro de mesa do Padre no árduo trabalho de revisão de texto, alertava: “O Old tá ficando puto com seus elogios. Ele se arrependeu da venda do carro”. O Padre ignorava meus alertas.
De repente, o assunto saiu da pauta. Quando Bigode dava uma folga (coisa raríssima), falávamos de tudo, menos do Alfa. Um dia o Padre anunciou: “Vendi o Alfa. Troquei por uma Brasília”. Old arroxeou. Ele era proprietário de uma Brasília. Nunca a trocara porque não sabia dirigir outro carro. Verdade mesmo é que nem a Brasília ele dirigia. Peguei algumas caronas de 500m que quase me mataram de pavor.
“Por que você trocou o carro? Eu vendi o Alfa pra você ficar com ele”, interpelou Old.
“O Alfa quebrou e o conserto ficaria muito caro. Na oficina, o dono me propôs trocar a Brasília dele pelo Alfa. O cara é tarado por Alfa Romeo. Aceitei. É uma Brasília creme, 1980”, cartou o Padre.
“Porra, só dois anos mais velha do que a minha”, lamentou Old.
Aí o Padre tripudiou: “Você foi muito precipitado. Um homem experiente. Um Alfa Romeo por 60 reais. O melhor negócio que fiz na vida”.
Levantei-me e saí da sala. Do corredor vi Old disparar na direção do Padre.
Bigode tentou separar, mas a porrada comeu.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Igreja: legal, mas uma droga

Converti-me em 1975.
Diria melhor se afirmasse que a partir de 1975 passei a frequentar, regularmente, uma igreja.
Experiência sobrenatural na conversão? Bom, parei de fumar naquele dia e senti um desejo imperioso de atender o chamado que o pastor fazia para que fossem à frente os que aceitavam a Jesus como Salvador e Senhor. Não, não tinha a menor ideia do que era “aceitar a Jesus” nas bases que eram apresentadas.
Se naquele dia não houvesse ido à frente, como seria minha vida, hoje? Tenho convicção de que, necessariamente, não seria pior do que é. E aqui não reclamo da vida. Deus tem sido bastante generoso comigo.
Hoje, sigo comparecendo à igreja. Não tão regularmente. Sem engajamento. Consciente de que a igreja evangélica não oferece nada de novo à sociedade. É irrelevante.
Nos últimos 35 anos, passei por todas as fases por que passam aqueles que ingressam em um sistema religioso. Entendo que vivo ótimo momento de minha vida evangélica. Posso estar enganado, mas tentarei explicar.
Meus irmãos de fé, geralmente, relacionam seus momentos mais produtivos ao início da caminhada evangélica. Sob o estrito ponto de vista da igreja local, é verdade. É tempo de paixão e ignorância. E também de muita operosidade.
O evangélico com alguns anos de estrada e que já não tem a disposição de alguns anos antes, clama, culpado, ao Senhor: “Quero voltar ao primeiro amor”. Eu, não. (O texto em Apocalipse não tem o sentido imposto a ele, mas aqui não é o melhor espaço para discutir essas filigranas.)
Quando entramos em uma igreja (os que vêm de fora, porque há os que nela foram criados) o fazemos de olhos fechados e coração arreganhado. O mínimo que esperamos encontrar é um grupo diferente daquele que deixamos para trás. Isso não acontece.
Se tenho um grande arrependimento foi o de ter deixado para trás amigos que fiz. Ninguém nos diz para abandonarmos os amigos do passado. Ao contrário, somos incentivados a evangelizá-los. Na prática, isso é impossível. Há 35 anos as programações nas igrejas eram voltadas para dentro.
Lembro-me de aos domingos, no caminho da igreja, encontrar amigos e conhecidos indo para o futebol, a praia... Oito da manhã eu estava na igreja. Depois de EBD, culto e ensaio de coro, chegava em casa às 14h, almoçava, descansava e às 17h estava de volta para só retornar ao lar pelas 23h. Durante a semana, trabalhava e estudava. Sábados sempre havia atividade na igreja. Não era desagradável. Gostava muito da agitação. Poderia, no entanto, ter distribuído melhor meu tempo. Perdi contato com amigos e família por causa disso. É o primeiro amor.
A igreja não é composta de um grupo diferente. E aqui afirmo que igreja nenhuma é. Quem está dentro diz logo para os que chegam: “Não olhe para os irmãos. O modelo é Jesus. Ele jamais o decepcionará.” Se você desprender-se do gado perceberá que sua relação tem de ser mesmo com Deus. À sua volta os santos agirão como os perdidos. Na fase da paixão, nada será percebido. O apaixonado tudo releva. É um imbecil. A esta fase da vida cristã chamam, nas igrejas evangélicas, de a do primeiro amor. Ao se livrar dela, só desejarão a ela retornar os descerebrados.
Passado o primeiro amor, a vontade é de cair fora. Se ainda não formamos vínculos com os de dentro, tomamos o caminho da rua; se ficamos, nos transformamos em cínicos.
A igreja é nosso espaço de convivência. Os amigos do passado foram esquecidos. Seus amigos, agora, estão ali. A menina que você cobiça senta-se três bancos à frente do seu. O português foi esquecido, seu idioma é o evangeliquês. O sentimento de pertencer a um grupo é muito confortável. Dentro da igreja, se somos operosos, temos prestígio. Elegem-nos para ser coordenador geral do departamento de qualquer coisa. Poder é bom, mesmo um poderzinho de nada.
Há quem pare neste estágio e nele permaneça até a morte. As estranhezas são deixadas de lado, as incoerências percebidas são varridas para um canto do cérebro.
Pouco mais da metade de minha vida evangélica, vivi neste estágio e talvez ainda estivesse nele se o acaso não me levasse, no final da década de 80, a trabalhar em uma empresa da instituição evangélica a que minha igreja pertence.
Do final da década de 80 para cá, aprendi duramente como podem ser calhordas os líderes religiosos. Há calhordice maior do que a distorção do conceito do “ungido de Deus” explorado por pastores autoritários?
Habitualmente, ia a outras igrejas ouvir pastores diversos. Participava de palestras, frequentava congressos, respeitava os “servos de Deus”. Se alguém quiser arranjar confusão comigo, nos dias de hoje, basta me convidar para este tipo de atividade. Tomei aversão.
Conheci, profissionalmente, dezenas de homens que vivem à frente de igrejas e percebi neles algumas características alarmantes: vaidade extremada, egoísmo mórbido, cupidez desenfreada, ignorância jumentina e maldade, muita maldade.
É verdade que nesses anos conheci gente admirável, mas em muito menor número do que gostaria.
Quem priva de minha intimidade, sabe que estou longe de ser modelo de qualquer coisa, mas assim como não procuro para me ensinar matemática quem sabe menos da matéria do que eu, não posso perder tempo precioso de vida dando atenção a hipócritas que só falam e não vivem.
De qualquer forma, sigo em frente e permaneço na igreja, confiante em que Deus me mostrará o sentido de todas as experiências que vivi dentro da comunidade de fé. Não desejo voltar ao primeiro amor, o da fé cega, nem ao tempo do conformismo. Quero, sim, passar a um outro estágio: o de ser parte de uma igreja relevante, sendo eu relevante, também.

terça-feira, novembro 03, 2009

COISA BONITA DE SE VER - Amanda Righetti


Pode ser vista toda semana no canal Warner, em The Mentalist.
A série é boa. Ela é ótima.

DISCRIMINAÇÃO


- O objetivo desta reunião é discutir ações que deem visibilidade à perseguição que sofremos. Os gordos formam o grupo mais discriminado entre todos os outros. Não são os gays nem os negros os mais implacavelmente enxovalhados: somos nós, os gordos.
- Bola, é sempre bom lembrar que temos representantes em todos estes grupos mencionados: há gordos de todas cores e raças, além de avantajados homossexuais.
- Por isso, Rolha, queridos e queridas, temos de pensar em ações que nos levem à mídia.
- Uma marcha não seria uma boa idéia? Tem marcha gay, marcha para Cristo, marcha contra intolerância religiosa, marcha pela paz... Por que não uma Marcha Fofa?
- Marcha Fofa? Aliá, você está de sacanagem?
- Não, Bola. Marcha Fofa é pura ironia. Trabalharemos com um eufemismo que os magros usam para nos qualificar.
- Aliá, há dois problemas sérios em sua proposta: Marcha Fofa é tão irônico que o povo que assiste TV não vai entender. Vão confundir com algo muito setorizado: Marcha Fofa = Marcha de Gays Gordos. O outro ponto, julgo mais importante: onde já se viu gordo participar de marcha.
- O Rolha tem razão. Em uma marcha não teremos espaço para apresentar todas as nossas queixas. Precisamos mostrar ao mundo que desde a pré-adolescência somos discriminados. Na escola somos alvos de chacota. Somos preteridos nos jogos de sedução. E, adultos, nem nos coletivos temos mais espaço para sentar.
- As poltronas de avião...
- Aliá, vamos dar ênfase aos assentos dos ônibus, para que não digam que o movimento é elitista.
- Sugiro, então, a invasão de uma loja do MacDonalds.
- Rolha, aí você já está querendo bagunçar. Não somos MST. O Governo não nos dá cobertura. Vai acabar todo mundo em cana... Pode falar, caro Mastodonte.
- Eu, por uma infelicidade, já estive preso. As cadeias não têm estrutura para receber o gordo.
- Mastodonte, valeu sua observação, mas não nos interessa, neste momento, tratar do sistema prisional.
- Vocês criticaram, mas proposta objetiva, até agora, só a minha: a Marcha Fofa.
- A companheira Aliá não deixa de ter razão. Alguém tem alguma proposta?
- Bola, estamos aqui há uma hora. Não seria bom pararmos prum lanchinho?
- A proposta do companheiro Vastidão é pertinente.
- Companheiros, sugiro, então, breve recesso até amanhã. Vamos pra Farra do Boi. Garçom, pode começar a servir o rodízio.

segunda-feira, novembro 02, 2009

JOGADOR DE FUTEBOL

Jogador de futebol gosta de dinheiro. Até aí nada demais. Eu também.
Jogador de futebol joga no clube que lhe dá mais dinheiro. Mesmo já atuando em um time que lhe pague um salário estratosférico.
Um exemplo entre muitos: Kaká, que amava o Milan, Milão, a Itália, foi para o Real Madrid ser galático. O dinheiro que ganhava na Itália era o suficiente para três existências nababescas do atleta. Não o condeno. Dinheiro nunca é demais, pensam alguns.
Jogador de futebol, à medida que se torna mais ávido por dinheiro, de uns tempos para cá inventou a babaquice de não comemorar quando faz gol contra o "time do coração".
Ontem, vimos Fred, artilheiro pó de arroz, em respeito à torcida do Cruzeiro, quase chorar a cada gol que fazia.
Há jogadores que, aos 23 anos de idade, já passaram por meia dúzia de clubes. Aos 30, 20 clubes depois, se pensarem como o bobalhão do parágrafo aí de cima, cada gol será momento de compungida tristeza.
Quando um jogador mais habilidoso dá um drible desconcertante, come a porrada dentro de campo: “O cara tá a fim de me esculachar”. Petkovic, num final de partida, deu um passe de trivela e causou indignação no botinudo adversário: “O time dele está ganhando, não precisava fazer presepada”. Agora, no momento orgásmico da partida de futebol, o pirocudo tira de dentro.
Caraio, onde vamos parar?

DELÍRIOS


– Eu e Woody Allen temos algo em comum. Cremos que o ser humano não é tudo o que imagina e que a vida é constituída de acasos.
– Você e Allen conversam muito?
– Conversamos. Ele pediu meu MSN. A gente papeia virtualmente.
– Em que idioma vocês se comunicam? Inglês, português?
– Não sei inglês e ele não domina o português.
– Então...
– Ele me achou atraente. Viu umas fotos minhas no MySpace. Fotos com a banda. Daquele show em Londres.
– Maria, que banda? Londres? Você nunca foi lá.
– Mas parece que ele vem filmar no Rio. Está animado, me disse.
– É especulação, ainda.
– Não, não. Vou te adiantar uma coisa. Prometa que vai ficar na sua, se não a imprensa começa a me aporrinhar.
– Pode dizer, faço boca de siri.
– O filme já está bem adiantado. Vai ser rodado em 2012. O roteiro só está dependendo de uma resposta minha.
– É?
– Se aceitar o convite dele, o filme caminhará em uma direção. Se não...
– Papel principal. Quero dizer, protagonista?
– Não, ele está apalavrado com a Penélope Cruz.
– Maria, estou preocupado com você. Esses seus delírios...
– Maneco, deixe de ser ciumento. Só tem lugar pra você em meu coração. Preciso aproveitar as oportunidades. Não terei 20 anos pra sempre.
– Maria, há 30 você não tem 20 anos. É uma cinquentona pra lá de bonita, mas...
– Pode não parecer, mas Woody pode ser muito insistente. Ele quer porque quer que eu faça esse filme. Exige que eu pare com a banda. Não quero deixar os garotos na mão.
– Sem sua voz essa banda morre, né?
– Ó a bobeira, Maneco. Sou guitarrista e compositora. Não canto.
– Vou pedir uma pizza, tá legal? As crianças estão dormindo?
– Gostei de saber que ele tem o ser humano em baixa conta. Amo cachorros e gatos. Ele tem um furão.
– Calabresa? Vou olhar as crianças.
– Ethan Coen também tem um furão.
– As meninas não estão no quarto.
– Mamãe esteve aqui. Ela ainda não se conformou de eu ter vindo morar com você. Não aceita que nos amamos, que eu não podia continuar naquela aldeia. As chances estão aqui.
– Ela deve ter levado as meninas. Ligo pra ela, peço a pizza e volto pra ouvir suas histórias. Há vinte anos não faço outra coisa. Pior que não imagino vida melhor do que esta, com você.

sábado, outubro 31, 2009

Pão com manteiga

Há coisas que não entendo.

Ao redor de mim, todos entendem. Ninguém protesta. Burro, então, sou eu.

A padaria, perto de minha cabana na Serra, abre às 6h30.

As portas se abrem, mas o pão ainda não está pronto, o café ficará dali a uns minutinhos e a caixa papeia longe de sua base de trabalho.

Este gordo, envelhecido e cheio de dores, tem pouquíssima paciência, por isso chego na padaria às 7h.

Antes, compro o jornal.

O único exemplar de O Globo que chega na Serra, guardado para mim pela gentil jornaleira.

A padaria é em frente.

Bom dia, dois pães frios com manteiga e um café puro.

Invariavelmente, o balconista me fará confirmar se o café é frio, mesmo, e se o pão vai na chapa.

Café puro. Pão frio. Se for na chapa, não quero.

Ele, ou ela, me olhará (na estupidez, pelo menos, não há diferença entre sexos) e encherá o copo de café e o depositará no balcão. Eu porei o açúcar e aguardarei o pão.

Três vezes em cinco (já me dei o trabalho de contar) não tem pão ali perto dele. Ele irá ao outro extremo da padaria pegá-lo.

Duas vezes em cinco (sim, contei, também), quando falta pão para o café servido no balcão não tem também para venda. O pão ainda estará no forno.

O balconista me deixará com o café no copo e se embrenhará nas entranhas da padaria. Quando retornar, meu café estará geladinho, ao gosto daquele estranho povo do Norte da América.

Perguntei esta semana ao rapaz que gerencia a padaria: Por que antes de servir o café não é preparado o pão?

Ele me olhou (acho que percebi admiração naquele olhar) e disse: O senhor está dando uma ótima ideia. Vou passar essa orientação pro meu pessoal.

Dispensei o café e fui para casa.

Abri o jornal e vi na manchete que alunos e professores de uma universidade hostilizaram uma aluna porque ela foi à aula de vestido curto. Ia me espantar, mas percebi que a história acontecera em São Paulo, a capital sertaneja do Brasil.

Nada que se dá em São Paulo deve se estranhar.

sábado, outubro 24, 2009

Paixão adolescente

Tenho comprado, regularmente, os CDs dos Beatles que saíram remasterizados e em embalagens caprichadas. A coleção é preciosa. Preciosíssima para quem, como eu, viveu a Beatlemania.
Sempre fui pobre. Pobre de bom gosto, mas pobre. Sortudo, tive pai que apreciava livros e música. Saía algo novo, eu ligava para o trabalho dele e, se houvesse dinheiro, no dia seguinte a bolacha estava rodando na Telefunken.
O primeiro disco dos Beatles que ouvi, ganhei de meu pai: Help! Não a edição inglesa, remasterizada agora, mas a que saiu aqui, a norte-americana.
A percepção que tenho dos Beatles é a da paixão pura. Adolescente não se preocupa com opinião de críticos. Não fui diferente. Influência só da rodinha.
Hoje em dia, por mais que tente ignorar a turminha que é paga pra veicular opiniões pessoais, não poucas vezes me vejo impelido a comprar CDs como um zumbi, manipulado por um bosta dono de bom texto.
Sentia prazer ouvindo Beatles. Participava de fã-clube. Falávamos sobre as novas músicas, dissecávamos os LPs. Aos 14 é ótimo ser ingênuo, apaixonado, inflamado. Aliás, não ser é um desperdício.
O pouco dinheiro está me obrigando a comprar os CDs um a um. Ótimo.
Há alguns meses, com os bolsos cheios, recém-saído da Penitenciária Covil de Serpentes, encontrei na Modern Sound quase todos os discos do Steely Dan. Como os dos Beatles, tinha-os em vinil. Sem toca-discos, há muitos anos não os ouvia. Aproveitei, então, a oportunidade e comprei todos de uma vez. Não os curti como esperava.
Os Beatles foram um fenômeno mundial e, sim, em determinado momento a bravata de John Lennon fez todo o sentido: eram mais populares do que Jesus Cristo.
Ser contemporâneo de um fenômeno não faz de ninguém o melhor crítico. Muita coisa sobre os Beatles soube muito depois. Viver a época de um fenômeno, no entanto, nos proporciona satisfação inigualável. Estávamos lá quando começou, fomos envolvidos por um sentimento de nossa geração. Amor de adolescente, sacumé.
Os Beatles nunca vieram ao Brasil. Quem apareceu por aqui foram os American Beatles. No Brasil, havia o Brazilian Beatles. Imagine, hoje, um American U2. E vindo a Lulalândia para consolar os fãs, tocando em lugar dos originais. Não dá para imaginar. É clichê, mas aqueles eram outros tempos.
Em tempos de ócio, ouvir os Beatles, de novo, tem me feito muito bem. Tenho a coletânea 1, com os singles do quarteto. Comprei Love, que foi usado num espetáculo do Cirque du Soleil. Consegui encontrar, no começo da década, Sgt. Peppers e Abbey Road, mas minhas paixões eram o Álbum Branco e Revolver. Comprei-os, finalmente.
Meu pai viveu, certa época, uma fase muito difícil. Não tinha ânimo para nada. Lia o dia inteiro e ouvia óperas. Todos nós o criticávamos. Na época, não se falava em depressão como doença. Ainda hoje, há tapados que a consideram um problema espiritual.
Ele é que estava certo. Sobreviveu por isso. O legado que me deixou foi o amor pela música e pelos livros... e aquele disco dos Beatles, início de minha vasta coleção de 4 mil vinis e, hoje, 5 mil CDs. Muita coisa prum pobre que mora num quarto e sala com esposa, cachorra e mais uns 3 mil livros.
Pobre, sim. Burro, jamais.

quinta-feira, outubro 22, 2009

A ARTE DE DEFECAR

Albert Einstein, para evitar gastar tempo com futilidades, tinha em seu armário vários ternos iguais. Não se angustiava como alguns de nós na hora de sair de casa.
Entendo o notável físico quando levo minha cadela para defecar.
Em primeiro lugar, ela define a direção que devo tomar. Ela, na ponta da guia, é quem me conduz. Saímos do prédio e ela para na primeira bifurcação. Um caminho leva para a rua, o outro para o interior do condomínio. Essa primeira decisão costuma ser rápida, antecedida de uma boa cheirada em vestígios de urina canina aqui e ali.
Se ela decidir ir para a rua, ótimo. Lá fora as alternativas são poucas. Direita ou esquerda.
Se resolver explorar o condomínio, me entrego aos poderes do alto. São vários caminhos, muitas direções, uma infinidade de cheiros que, maravilha, não consigo sentir.
Preparo-me para uns 20 minutos de idas e vindas, pulos de dentes arreganhados na direção de desavisados, pedidos de desculpas, um ou outro vá se foder...
Depois de me extenuar, ela escolhe, por exemplo, o quadrante sul da quadra. No quadrante, ela começa a percorrer grandes círculos que vão diminuindo até chegar ao que chamo de região X. Nesta região, posto-me no centro e ela dá muitas, muitas, muitas voltas ao meu redor até parar. Aí, sim, é o ponto X. O corpo dela se dobra para cima. A obra começará a ser feita.
Este é um momento de profunda comunhão entre mim e os poderes que regem o Universo. Clamo aos céus para que ninguém apareça, nenhum carro surja. Se isso acontece, ela se desconcentra e para. Se parar, vamos começar a buscar outro ponto X, que pode ser lá na puta que pariu.
Se considerarmos a consistência, um cão caga, como nós, humanos, de duas formas: mole ou duro. Cocô duro é mole. Cocô mole é duro. De recolher.
Cocô de cachorro, no entanto, não é só consistência. Há a forma. O tipo mais simples de recolher é o que classifico como cagalhão. Um bloco só, mole ou duro, que se recolhe de uma vez.
Enjoado é o pingadinho, que o cão vai largando por vários metros e você, com 150kg na carcaça, tem de ir catando, cantando mantras pacificadores.
Depois de defecar, minha amada cadela fica paradinha, aguardando que eu a limpe.
Limpo-a (se não fizer isso, acho que sou mordido) e, em introspecção, preparo-me para a mijadinha, que será dada, depois da repetição do ritual de escolha, no outro extremo do condomínio.
Ter um cão me fez dar o maior valor ao vaso sanitário. Ainda bem que nós humanos temos um lugar certo onde depositar nossos excrementos. Se assim não fosse, quanta energia despenderíamos num simples lançamento de barro. Os mais simples cagariam na frente de seus próprios lares, mas, e os provocadores? Estes passariam telegrama na porta dos desafetos e, certamente, não recolheriam a missiva.
Então, você que me lê, não deixe de apresentar preito de gratidão ao gênio que bolou o vaso sanitário. Essa figura que não conhecemos é muito mais genial do que o gênio dos ternos iguais.