sábado, agosto 29, 2009

UM CÃO QUE GOSTA DE SANGUE

Na televisão, vai começar o clássico Flamengo e Santo André.
Eu, Biriba, Salu e Osório morremos em 15 pratas cada para pagar o peiperviu. A casa era a minha; salgados e geladas os companheiros trouxeram.
– Gordo, todo mundo da GatoNet tá vendo esse jogo 0800. Você morre em 200 contos todo mês pra SKY e ainda temos de pagar pra ver o Mengão?
– Todo mundo, não, Biriba. Se vocês tivessem gato não estaríamos aqui.
– Gordo, esse teu cachorro é fuderoso de chato, não para de latir.
– Não fode, Osório, o cão é residente. Se eu fechar a janela ele silencia, mas aí tem calor, gripe suína, futum... Em vez de falar merda, pega lá umas geladas.
Na telona, o Mengão entra em campo para mais uma lambada. A campainha da porta toca.
– Gordo vacilão, não desligou essa bosta?
– Desliguei os telefones, caraio, a porta, não.
Porta aberta, uma mulher bufa e o cão late.
– O senhor tem de tomar conta desse seu cachorro.
– Minha senhora, desentendi. O cachorro está aqui dentro, preso.
Salu, um babaca, mandou:
– E atrapalhando. Não para de latir.
Deu a deixa pra jamanta.
– Esses latidos assustaram minha filhinha. Ela chegou em casa chorando. Está até agora soluçando.
– Quero, então, me desculpar com a senhora. Tomarei providências para que isso não volte a acontecer.
Fui educadíssimo, muito mais do que sou usualmente. Afinal, o Mengão estava em campo, meus 15 merréis na SKY, as geladas esquentando e os salgadinhos esfriando.
– Eu moro aqui há três meses e sempre me assusto com seu cachorro. Ele não deveria ficar na janela. Minha filhinha se desmanchando, só penso nisso.
Salu entreabriu a porta e provocou:
– Gordo, o Flamengo tá jogando um bolão. O Santo André não passou do meio do campo.
– Estamos acertados, minha senhora? Vou tomar providências.
– A providência que o senhor tem de tomar é proibir o cão de vir na janela.
– Madame, todo mundo sabe que essa porra de cachorro late, a janela tem grade...
– O senhor está sendo grosso.
– GOOOOLLL!!! Golaço, Gordo. Denis Marques.
– Madame...
– Minha filha não vai mais chorar por causa desse cachorro.
– Sua filha é a Sasha? Porra, a gente vive num bairro em que ouvimos tiros o dia todo e funk madrugada adentro. Essa criança lesada se assusta com latido.
– O senhor me respeite...
– Gordo, Gordo, o Zé Roberto tá jogando o fino. Tá perdendo...
– O senhor tem de me garantir que o cachorro não vem mais na janela. Se não, fico aqui.
– A senhora tem bom preparo físico?
– O quê?
– Biriba, solta o cachorro.
A mulher era pesada, mas rápida. Até onde vi o cachorro não a tinha abocanhado.
Entrei e ainda vi Zé Roberto sofrendo o pênalti que Leo Moura transformaria no segundo gol do meu Mengão.

quinta-feira, agosto 27, 2009

MEMÓRIA LIBIDINOSA


Nada mais poderoso do que a memória libidinosa.
Livros e bons filmes, passados alguns meses, esqueço.
Mas a sacanagem e a libidinagem apreendidas na remota adolescência são inesquecíveis.
Baixei pelo Dreamule o "clássico" de Salvatore Samperi, Peccato veniale. Vi o filme há 40 anos, num poeira onde hoje está o Sambola, na Av. Suburbana.
Ver é força de expressão. Devorei-o.
Naqueles bons tempos podia-se entrar no cinema às duas da tarde e sair à meia-noite, depois de ver várias sessões do mesmo filme. Pecado venial assisti em várias sessões e em diversos dias. Tudo por causa de Laura Antonelli.
Minha mãe era leitora de fotonovelas. Amaioria era italiana. História com Laura Antonelli eu não perdia. Lia a Grande Hotel, que saía aos sábados, antes de minha santa mãezinha, no banheiro, homenageando a bela Antonelli.
Quando vi Laura Antonelli em tela grande, pedi aos poderes celestes que jamais permitissem que a encontrasse em pessoa. Tenho certeza que sucumbiria diante dela. Morreria chorando e rindo, feliz.
O Dreamule baixou quatro versões de Pecado venial.
Logo na primeira cena de sacanagem, percebi um pequeno corte. Alessandro Momo, o garoto sacana que papará a cunhada no final, lava o cabelo de Laura. A cena original mostra parte dos seios da deusa. Nesta, a cena está cortada.
Na segunda versão, a artística cena dentro do cinema em que o menino safado força a mão nas coxas da cunhada é mutilada. Não aparece a cunhadinha dando livre acesso às mãos do molequinho.
A terceira versão, com legendas em sei lá qual idioma, estava completíssima. Vi, 40 anos depois, o pivete traçar Laura Antonelli em alto estilo. Não tive esse prazer há 40 anos porque o filme teve a cena final cortada pela Ditadura Militar, da qual alguns babacas sentem saudade.
Minha memória pode não ser boa para muita coisa, mas descobri que sacanagem ela armazena muito bem.

Alessandro Momo morreu um ou dois anos depois de Peccato veniale. Anteriormente, fizera Malizia, também com Laura Antonelli. Partiu feliz.




PAI DOS BURROS




Ao apresentar Pai dos Burros – Dicionário de Lugares-Comuns e frases feitas, de Humberto Werneck, a revista Época e o jornal Folha de S. Paulo usaram o mesmo recurso: o texto da apresentação é coalhado de clichês.
Involuntariamente, a obra conjunta ilustra bem o que é clichê: falta de criatividade.

segunda-feira, agosto 24, 2009

Perereca, Deputado e dr. Cascatinha

Não sei se por haver tanta gente morando nas ruas, ficaram invisíveis alguns tipos folclóricos que sempre povoaram os bairros cariocas.
Na década de 60, morava no Grajaú, e por lá flanava a desbocada Perereca. Velha, alcoólatra, molambenta e constantemente provocada pela molecada. “Pudim de cachaça!”, gritava a criançada. “É a puta que os pariu, bando de veados”, esbravejava a cachaceira. Jamais soubemos de onde ela veio nem para onde foi.
Na Praça Seca, o Deputado discursava horas seguidas. O que dizia era ininteligível. Negro, magro e sempre de botas desancava o governo militar com vigor. Durante toda a década de 70 o vi na Praça, fazendo discursos incendiando alguém.
A última dessas figuras bizarras que conheci foi Demetrio, o dr. Cascatinha. Diferentemente de Perereca e do Deputado, Cascatinha gostava de conversar. Negro, estatura média, trajava sempre ternos gastos pelo uso. “Fui diretor de multinacional, hoje, vivo na rua por opção. Ganhei tanto dinheiro que resolvi experimentar como é a vida dos que nada têm”, dizia Demetrio. Mentia tanto que virou Cascatinha.
“Fui perseguido pela ditadura. Joguei muitos coquetéis molotófis em tanques do Exército”. Não resistíamos: “Demetrio, coquetel molotófi é feito com bala Toffee?” Ele, ar apalermado, já estava tratando de outro assunto: “Pouca gente sabe, mas a Fiat só emplacou no Brasil graças a mim. Os mais velhos lembram que havia um problema no motor do Fiat 147. Me chamaram pra resolver. Eu resolvi.”
Essas figuras fazem falta nas ruas do Rio. Eu me sentava, na Praça Seca, para ouvir o Deputado falar. Quem era aquele homem? Por que tanto ódio do regime militar? Loucura é descontrole fascinante.
Demetrio, que me disse uma vez ter outro nome, quando incorporava o dr. Cascatinha, nos divertia: “Recebi uma carta de George Bush”, falava, mostrava um envelope todo amassado e fazia suspense, esperando que perguntássemos qualquer coisa. “Mas o que o presidente dos Estados Unidos quer com você?”, o satisfazíamos. “Ele sabe que sou muito chegado ao primeiro-ministro Tony Blair. Conheci Tony em uma temporada que passei em Londres, aperfeiçoando meu Inglês e corrigindo os rumos de uma empresa que dirigia. O fato é que George quer que eu use minha influência para convencer Tony a apoiá-lo na invasão ao Iraque”. Nessas horas, juro, se o que Cascatinha dizia não fosse tão absurdo, eu acreditaria. Ele era um mentiroso convincente e, repentinamente, passei a olhá-lo de forma diferente.
Muitos dos que o ouviam, diziam: “Vai ver tem um fundo de verdade no que ele diz”.
Perereca e o Deputado morreram.
O dr. Cascatinha está por aí, contando suas lorotas. Espantoso é que há os que acreditam em suas histórias.

terça-feira, agosto 18, 2009

MISTÉRIO

Sonho é mistério.
Aos 20 anos parei de fumar.
Passei a ter um sonho recorrente: estava sempre fumando sobre o viaduto de Madureira ou uma passarela da Av. Brasil. Acordava duas vezes irado: por ter voltado a fumar e pelos péssimos locais escolhidos para a transgressão. Além da ira, me vinha um sentimento de impotência. Sucumbira ao cigarro.
Despertava, percebia que havia apenas sonhado. Vinha o alívio.
Há 35 anos parei de fumar.
Três dias atrás sonhei que estava fumando dentro de um bar em São Paulo e, por causa disso, entrava em uma briga com os homens da lei. O mau gosto pelos locais onde fumo em meus sonhos continua. São Paulo, arghhhh!!!! Mas não acordei emputecido nem com sentimento de culpa. Senti-me uma espécie de guerreiro de uma minoria oprimida.
Estranho.

sábado, agosto 15, 2009

COISA BONITA DE SE VER - Marilyn Monroe


SOMBRA

Cansamos de avisar a Lindinha, com risco de nossas vidas, que o Jeremias era rabo de foguete. Para mim ela dizia, fiada no parentesco: “Tio, você vê perigo em tudo”.
A molecada a chamava no canto e, no maior cagaço, alertava, “Lindinha, o cara mata”. No dia que Lindinha ameaçou perguntar ao Jeremias se era verdade o que dizíamos, deixamos rolar.
Nem com meu irmão comentei. Talvez ele se metesse, apesar de a covardia ser comum diante de um matador.
Bom, o romance rolou. Por uns tempos até eu ganhei prestígio. Era o tio da mulher do matador. Aos domingos, quando dava, Jeremias almoçava na casa de meu irmão. Aproveitei meu prestígio temporário e saí fora da comunidade. Falei pra mulher, “Tá na hora de ajeitarmos aquele cafofo em Maricá”.
Amor bandido dá certo quando a mulher aceita chifres. Lindinha, vi crescer. Voluntariosa, cheia de personalidade. Achava que era inteligente, mas se caiu na lábia do Jeremias...
Meu irmão ligou pra mim me perguntando se podia acolher Lindinha. Ela não queria saber mais do Jeremias e ele prometera matá-la se fosse abandonado. “Meu mano, tem gente daí que sabe que estou aqui. É bom vocês saírem daí. Vão pra casa dos primos, em Natal”.
Em Natal, Lindinha até voltou a estudar.
O Jeremias tocou o terror lá em casa, mas consegui convencê-lo que tinha rompido com meu irmão. “Se temos parentes em outras cidades? Não, não temos”.
Antes de ir embora, o animal ainda rosnou: “O dia que encontrar sua sobrinha, mato”.
Fui a uma cidade próxima para telefonar e avisar meu irmão sobre a ameaça. O medo...
O mano ficou um ano em Natal e de lá saiu com a família sem dizer a ninguém para onde ia.
Jeremias foi preso, puxou uns oito anos de cana e quando saiu apareceu lá em casa. Humilde, me pediu desculpas por tudo que havia feito minha família passar, agora era crente e só tinha amor no coração. O desejo maior era pedir perdão a Lindinha. Expliquei que não tinha contato com a família, que desaparecera no mundo. Se um dia voltasse a ver meus familiares, daria o recado. Ele me rezou, leu a Bíblia, chorou. Sei lá, fiquei achando que o cara tinha virado crente, mesmo.
Duas semanas depois abri o jornal e dei de cara com uma foto de Jeremias, morto. A mulher que o matara: Lindinha. “Minha família rodou o país fugindo desse desgraçado, essa sombra. Resolvi que era melhor acabar com ele. Ele me viu e sorriu. Dei-lhe três tiros na cara”.

Maracutaia

Assisti no Jornal da Globo e não guardei detalhes, mas a história é a seguinte: “Um belo dia, caiu na conta de um aposentado uma montoeira de grana. O suficiente para comprar o passe de Kaká e, com o troco, uma dúzia de Ferraris. O aposentado foi ao Banco do Brasil (só podia ser) e disse que o dinheiro não era dele.”
Mais de 10 anos se passaram e a grana ainda está lá. O aposentado já foi jogar buraco no céu dos idosos e a família, aflita, tenta meter a mão na bufunfa.
Ficarei alerta. Se um dia der uma sorte dessas, vou chupar o dindim aos pouquinhos. Está claro que esse pepê veio de uma maracutaia qualquer.

quarta-feira, agosto 12, 2009

LEGAIS

Humberto Cardoso, 74, e sua esposa foram assassinados dentro de casa, em Camboinhas, Niterói.
A morte do casal estava previamente decidida por seus algozes.
O caseiro, 22, disse que assim seria porque, uma vez reconhecido como integrante da quadrilha, seria denunciado.
Sobre o casal, revelou, candidamente, o caseiro assassino: "Os dois eram muito legais".
Se não fossem...

terça-feira, agosto 11, 2009

Renovação no Senado

Vanderlei Luxemburgo no Senado.
É, currículo ele tem.

TROGLODITA

A palavra está na modinha. Usá-la-ei.
Tenho uma cisma que entendo ser geracional. Ó, bacana. Geracional. Mas, vamulá.
Não leio jornal eletrônico. Quando muito, dou uma olhadinha rápida neles e nos sítios de notícia.
Muito raramente, baixo músicas pro tocador de mp3. Dos meus CDs passo pros mão-na-roda.
Livro eletrônico (e-book em nosso idioma pátrio), sei não... Sou troglodita, mas reconheço que seria um conforto ter minhas centenas de livros em um Kindle, por exemplo.
Já pensei, mais de uma vez, em, no futuro, comprar um, quando a Amazon puser textos em português à disposição no Kindle (confesso, sou monoglota e não monogloto em inglês0.
Mas, maldição!, essa minha mania de ler jornal de papel todo santo dia me fez dar de cara com uma nota na Folha de S.Paulo. Dizia lá que problemas autorais com 1984, de Geoge Orwell, fizeram com que a Amazon, zelosa mamãe do Kindle, retirasse a obra dos aparelhos de seus clientes. Não comunicou a ninguém. Deu uma compensação e tirou o livro de quem já o havia baixado para seus Kindles. Eu, besta quadrada assumida, nem sabia ser isso possível, mas é. Os livros que a Amazon transfere para o Kindle não são de quem os compra e podem ser trocados a qualquer momento.
Nem todo livro que compro, leio. Alguns, não leio jamais. Outros, depois de comer poeira por vários anos, sabe-se lá por que, despertam minha curiosidade. Tiro-o da estante, dou uma geral e leio. Isso já ocorreu dezenas de vezes.
O Kindle, depois desse incidente, jamais será comprado por mim. Sigo com meus bons livros de papel, que, sendo bem cuidados, duram uma existência.
Aqui na terrinha, uma coisa sei que não acontecerá com eles: serem roubados. Já com o moderninho Kindle, pode ser que um belo dia a Amazon cisme de trocar seu exemplar de Marca humana por Veronika deve morrer. E você vai reclamar com quem?

sábado, agosto 01, 2009

COISA BONITA DE SE VER - SYLVA KOSCINA



Ah! minha garotice.

DA POBREZA

Claro que gostaria de ter mais dinheiro.
Mais saúde, também, obviamente.
Se fosse um pouquinho melhor do que sou, seria legal.
Já fui religioso. Não lamento essa minha fase, mas, graças a Deus (sim, sigo crendo em Deus), me livrei dela, deixei-a para trás.
Uma vez fui posto por uma cara amiga diante de uma questão, pelo menos para ela, crucial: “Gordo, você consegue ser feliz sendo pobre, morando onde mora?”
Quem consegue ser feliz? Quem consegue ser feliz só porque está com dinheiro no bolso? Sim, sei, com o papo cheio é mais fácil empanturrar-se com as delícias que a vida nos vende. Mas, e daí?
Nunca fui de muitas elucubrações. Por ser ignorante, sou pragmático. Relaciono-me com pessoas que têm dinheiro fruto de trabalho e outras que têm muito mais, ganho de forma fraudulenta. Ainda não esbarrei com o homem ou a mulher feliz.
Honestos e desonestos, mesmo endinheirados, buscam a felicidade.
A felicidade está sempre logo ali. É inalcançável. Alguém disse que vivemos momentos felizes. Creio nisso. Não adianta buscar a felicidade em amor, dinheiro, igreja... Em breves momentos, somos felizes. Por quê? Sei lá.
Eu, particularmente, quando estou rodeado de amigos, conversando, rindo, sinto-me imensamente feliz. Entrego os motivos dessa felicidade frugal: 1) Meus amigos são, realmente, meus amigos. Não há interesses escusos na aproximação; 2) Trocar impressões com pessoas de quem gostamos (eu me recuso a dividir a mesa com gente que não tolero), falar sobre projetos, rir de situações pitorescas é experiência indescritível; 3) Poder olhar dentro dos olhos de quem você sabe que o ama e é amado por você... É bom demais.
Ao longo da vida colhi alegrias e decepções. Eu e a torcida rubro-negra.
Às vezes, sou vencido pelo mau humor ao constatar que tantos pilantras se dão bem em prejuízo de pessoas capazes e honestas. O mau humor que sinto não decorre de o pilantra estar mamando em tetas que jorram leite em profusão. Minha ira é porque sabemos, eu e você, que aquele leite poderia estar forrando milhares e milhares de barrigas famintas. Então, não dá para ser feliz.
Dá para prolongar os momentos agradáveis que a vida nos proporciona e aí, sinceramente, alegro-me por não ser um ignorante. Extraio imenso prazer na leitura de um bom livro, deleito-me ouvindo o que entendo ser boa música, curto demais um bom filme.
Bem, sou casado com a mulher que amo, tenho bons amigos, os prazeres que aprecio me são acessíveis, jamais prejudiquei ninguém para “melhorar” na vida, não sou hipócrita e vivo do meu trabalho. Logo, acho que posso dizer que sou feliz.
Ou, talvez, seja apenas um babaca.