No
Metrô, bela morena conversava com a coleguinha. Eu, velhote gordo, 140kg, 1m80,
a um palmo de distância, aparentemente invisível, ouvia.
-
Fiquei muito constrangida. Saí do banho, nua, peguei a calcinha e o sutiã que
tinha deixado na sala e, quando olhei pela janela, o velho estava lá, me
devorando da janela do apartamento dele. A mulher apareceu por trás do cara, me sacou e o puxou pra dentro.
A
baixinha:
-
Neide, a janela do seu apê dá direto na do cara. Você estava era querendo mostrar seus
peitos.
-
Esse casal é novo lá. Pensei que os dois fossem cegos. A mulher usa um tampão
no olho. Lembra que o pessoal da igreja foi naquele prédio orar por uns cegos?
Pensei que fossem eles. Estou passada.
- A
mulher pirata já te enquadrou?
-
Não encontro com ela, graças a Deus. A janela deles desde esse dia ficou
fechada. Acho que ela proibiu o velho de olhar a paisagem.
-
Numa dessas, você morre.
- O
pior, minha irmã contou essa história pro Valdir. Ele ficou puto. Comigo e com
o velho.
-
Sua irmã é traíra. O Valdir é meio doido.
-
Às vezes, penso em terminar. Noutro dia ele me seguiu aqui no Metrô. Não vi,
claro. Recebi uma mensagem e... Peraí, vou te mostrar.
Mostrou
pra amiga e pra mim, o gordo invisível.
- Ivete, dá
uma olhada aqui. “Quem era o bonitão para quem você estava olhando? Estou te
vendo.”
-
Tenso.
-
Olhei pra todo lado e não vi o Valdir. Mandei uma mensagem pra ele. “Deixa de
ser bobo. Não tem ninguém bonito neste vagão.” Ele respondeu na bucha: “Então,
você procurou”. Quando nos encontramos, mais tarde, cheguei a terminar, mas
ele chorou...
-
Amiga, esses é que são perigosos.
Chegamos
à estação Nova América. Mais duas estações e teria de tirar o manto da invisibilidade
e descer. Nada disso, só sairia do Metrô depois de ouvir o fim da história.
-
Você sabe que ele não suporta que eu ande de óculos escuros. “Não sei pra onde
você está olhando.” Ele põe o rosto pertinho do meu e fica olhando meus olhos
através da lente para ver se estou olhando só para ele.
-
Neide...
-
Ele é trabalhador, bonitão, carinhoso... Só é ciumento.
- E
aquele amigo seu que ele encheu de porrada.
-
Não foi assim. Fui um pouco responsável. Conheço o Bobó desde criança. A gente estava
voltando da praia. Um grupo do conjunto. O Bobó puxou minha saída de praia e eu
fiquei só de biquíni. O Valdir estava me esperando, ele não sabia que eu iria à
praia e eu que ele estaria me aguardando. Partiu pra cima do Bobó... Só que o Bobó é o macho superalfa do
conjunto. Todos o respeitam. Acho que o Valdir pensou que as 10 aulas de caratê que fez iriam ajudá-lo. Tive de levá-lo para o hospital todo esbordoado. Só não morreu porque eu me
embolei com o Bobó.
O
Metrô, implacável, “Senhores passageiros, Estação Engenho da Rainha,
desembarque pela esquerda”. Resolvi descer. Sou um gordo bem apanhado e, quem sabe?, o Valdir não estava por ali, observando. Comigo as dez aulas seriam mais do que suficientes.
Antes de descer, no entanto, olhei bem para o belo
rosto à minha frente, de uma jovem escultural de vinte e poucos anos. Tenho certeza, desgraçadamente, que verei este rosto,
mais à frente, estampando manchetes das páginas policiais.