sexta-feira, março 22, 2019

Se joga, Charlie

Um aspecto de “Se joga, Charlie”, série criada por Idris Elba, chamou minha atenção: não se discute (nem é mencionado) racismo. (Nestes tempos de baixa compreensão, desgraçadamente, preciso explicar que não discutir racismo não quer dizer que racismo não existe.)
Vamos em frente.
“Se joga, Charlie” enseja muitas oportunidades de se falar sobre racismo e homossexualismo, mas a opção da produção é apresentar negros e homossexuais vivendo. Papeando, e não discutindo pautas. Os personagens multirraciais convivem harmonicamente.
O homossexualismo é tratado rapidamente e relaciona-se, no caso, à cultura nigeriana. A única fala sobre homofobia é irônica, e ótima.
Talvez uma explicação seja a de que a produção é europeia e esses temas, por lá, já estejam sendo deixados para trás. Lembro-me que na década de 80 escrevi uma resenha sobre “Poluição e a morte do homem”, do filósofo e teólogo Francis Schaeffer. Era um tema estranho entre evangélicos. Levou muito tempo para o assunto ganhar importância. Fernando Gabeira, tratado pela esquerda como um deslumbrado quando voltou do exílio, declarou recentemente que quase venceu uma eleição majoritária por ter tratado, na ocasião, de segurança pública. Assunto que atingia a todos.
Em “Se joga, Charlie”, o que é tratado com muita naturalidade é o uso alucinado de drogas. Queimam, cheiram, bebem... Muito. Não há lição de moral no filme. Advertência só à criança de 11 anos. Um descuidado “Drogas, não, Gabs.”
Eu estranho. Vivo, e sempre vivi, em outro mundo. A droga que usei a vida toda foi comida. Estava aqui na época do movimento hippie, tive muitos amigos usuários de drogas. Saíamos do Jornal do Brasil, na década de 70, de madrugada, caminhando, cinco, seis colegas, cada um com um cigarro de maconha na mão. Menos eu. Dos 20 anos para cá parei com o cigarro, álcool. A comida perniciosa, não.
Não entendo a defesa das drogas (a série não faz isso, simplesmente naturaliza seu uso), mas, na idade em que estou, o que desentendo não me esforço mais pra entender.
Desculpem-me os paladinos da justiça, mas não tenho colhões para assistir a programas que precisam ter uma lição moral, social e ética a cada 15 minutos.
“Se joga, Charlie” é entretenimento ligeiro, agradável de se assistir. Poderia ter sido mais bem desenvolvido. Tem elenco ótimo. Piper Perabo é sempre muito boa de se olhar. Espero que haja uma segunda temporada. Se não houver, a primeira fechou satisfatoriamente, sem ganchos.

Pepetela

"Se o passado não tivesse asas", em minha opinião, é um Pepetela mais ou menos. Mas é um Pepetela.
Não há outro autor de quem eu tenha lido mais livros do que Pepetela. Este ano, "Se o passado..." é o segundo dele que leio.
Gosto de achar que tenho uma visão de mundo parecida com a dele. Alguma esperança, muito ceticismo. E, principalmente, olhar crítico.
Pepetela foi um homem de esquerda (hoje não sei se ainda é), mas não dá refresco a quem conduz Angola. Nunca deu.
Quem se interessar pela obra dele, comece por "Gloriosa família" ou Mayombe".
O próximo que lerei dele é o segundo da série Jaime Bunda. O primeiro tenho a edição impressa, o segundo lerei pelo Kindle.
Vale a pena conhecer Pepetela. É um escritor que se emaranhou pela história de seu país.