sexta-feira, junho 19, 2015

PAREDÃO


 Dez minutos antes estava na farmácia comprando remédio para prisão de ventre. Do meu lado, uma moça bonita. Não sabia que dali a instantes estaríamos deitados lado a lado, nos olhando com emoção intensa.
Sou homem casado, seriíssimo e não poria no papel algo que me comprometesse, por isso explico.
Tenho passado um tempo na Praça Seca, enquanto intermináveis obras em meu apartamento são feitas. Domingo, 30 de maio, 18h, precisei sair da Rua Florianópolis e ir à Rua Barão, uma paralela, para comprar remédio e pão. O remédio, comprei.
A moça bonita caminhava na minha frente. A fim de evitar as concupiscências da carne, eu olhava para o outro lado da rua. Como um egípcio, andava de perfil. De repente, o céu desabou. Chuva que nada. Tiros, tiros, tiros.
Eu que por causa do peso, da idade, da hérnia de disco, das varizes (chega!) há anos não me sento no chão, atirei-me ao solo com insuspeitada velocidade. Do meu ladinho, entre mim e a parede, a moça bonita se alojou.
- Moço, fica aqui, por favor!
Fiquei, em nenhum momento iludido a imaginar saliências. Sei que 140kg distribuídos em 1m80 formam boa parede de proteção. A moça era pragmática. Ela precisava de um paredão.
Mais tarde, saberia, em casa, que se tratava de uma operação do BOPE. Eles chegaram, foram recebidos a bala e reagiram à altura. Por milagre, ninguém morreu, mas, obviamente, ali no chão, eu não sabia que sobreviveria.
- Moça, você tem ideia do que está acontecendo?
- Meu nome é Magnólia. Desculpe-me, não gosto que me chamem de moça. O senhor não sabe que a Barão é dominada por uma facção criminosa. A segunda paralela, a Dr. Bernardino, por outra e a terceira, a Capitão Machado, outra.
- Não, não sabia.
- As facções brigam entre si, a polícia vem e o tiro come solto. Acontece toda hora.
E os tiros continuavam. Muitos. Calibres diversos. Fuzil, metralhadora, bazuca, granada, sabre de luz. Só podia pensar que tinha gastado dinheiro à toa comprando remédio para prisão de ventre. Levantei a cabeça e não vi ninguém na rua.
- Você já passou por isso? O que a gente faz?
- Tio, nós estamos entre a Japurá e a Marangá. Acho que o mais seguro é voltarmos para a Japurá, quando derem um refresco. O senhor me desculpe, mas quando for a hora, vou correr. Não vai dar pra ficar esperando.
Uma ingrata. Pensei em dizer que não gosto de ser chamado de tio. Deixei pra lá. Ela estava ali malocadinha atrás de mim e nem pensava em ajudar o velho a levantar. Ela sussurrou, em meu ouvido:
- É agora, vamos.
E foi mesmo, em alta velocidade.
Eu não, me levantei com todo cuidado, calmamente. Pior que tiro é travar minha coluna, por causa da hérnia. Caminhei, dobrei a rua à esquerda e voltei a ouvir o tiroteio. Senti-me em uma cidade iraquiana sendo atacada pelos selvagens do Estado Islâmico.

Está difícil viver no Rio de Janeiro.