sábado, junho 30, 2012

O cidadão



Ontem, no Recreio, entrei em um McDonalds e comprei uma torta de maçã para viagem. Atravessei a rua, entrei no BRT e extasiei-me no ônibus do futuro.
Desci no terminal Alvorada e embarquei no Del Castilho, via Linha Amarela. Sentei-me, abri o saco de papel e comi a torta de maçã. Não tinha onde descartar o lixo. Pensei em fazer o que já havia feito várias vezes: deixar o lixo por ali mesmo, mas... Rio + 20, crianças ecologicamente corretas, câmeras escondidas.
Desci em Del Castilho com o saco na mão (o de papel), procurei lixeiras e... Entrei no 943 (antigo 896) e, depois de curta mas acidentada viagem, desembarquei na Serra.
O lixo, comigo. Eu, cidadão.
Já dentro de casa, joguei o saquinho recreense na cesta de lixo da cozinha. Orgulhosão.
Rosangela chegou, bebeu um copo dágua, abriu o lixo e sacaneou: “Saquinho de McDonalds? E a dieta?”
Eu, cidadão. Cidadão babaca, mas cidadão.

segunda-feira, junho 18, 2012

EM BUSCA DA VERGONHA PERDIDA


Não sou saudosista, mas, aproximando-me da velhice, começo a sentir falta de algumas características que eram caras aos antigos.
Nelson Rodrigues dizia que havíamos perdido a capacidade de nos escandalizar. Hoje, perdemos a vergonha. Vergonha, só a de ter vergonha.
Nepotismo sempre houve no Brasil. No passado, entretanto, mesmo o político empregador de parentes mais descarado tinha um certo pudor. Evitava abrigar em seu gabinete, de uma tacada, mulher, filhos, cunhados, amante... Pego com a boca na botija, envergonhava-se, genuinamente. Não é assim em nossos dias. Flagrado, o sustentador da família à custa do nosso dinheirinho faz cara de ultrajado, arma biquinho de magoado e, candidamente, diz: “Não vejo problema em empregar meus queridos. Têm competência, são de confiança, devem ser punidos por serem meus parentes?”
A falta de vergonha, o despudor, o desejo desenfreado de ganhar dinheiro a qualquer custo criou uma geração sem noção de brio, ética, honestidade. Há bem pouco tempo foi presa uma mulher que participava de uma quadrilha que desviava dinheiro de remédios para pacientes terminais. A facínora morava em um apartamento avaliado em R$ 1 milhão. Sua aparência era a da titia simpática que faz torta de maçã pros sobrinhos.
Outro caso chamou minha atenção. Em repartição de um Detran qualquer todos roubavam. Todos, não. Havia um honesto. Filmou bandidos e bandidas, que faziam festa a cada real roubado dos contribuintes. De novo, os meliantes eram gente como a gente.
Fui chefiado por figuraça que tinha uma frase síntese, definidora da vida do “homem sagaz”, como ele gostava de dizer: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Bochecha ainda se preocupava em deixar pirão para os que viessem depois. Hoje, a frase serve a muitos com pequena, mas vital alteração: “Farinha pouca, só o meu pirão”.
Se não temos vergonha, fazemos qualquer coisa. No passado, por humildade (ou falsa humildade), evitava-se, ao se escrever textos relatando realizações pessoais, a primeira pessoa do singular. O autor usava a primeira do plural (eu, particularmente, não gosto do recurso), lembrava-se de pessoas que o ajudaram e, se evangélico, concluía com o clichê: “a Deus toda honra e toda glória”.
Eu organizava um jornal evangélico. Antes de enviá-lo para a gráfica submetia-o à apreciação do chefe. Nunca estava bom. Meu líder era pastor. Vaidosíssimo, como quase todos os ungidos. Resolvi fazer o jogo dele e preparei uma edição de 16 páginas com 13 fotos do humilde servo. Ele adorou e eu pedi para sair.
Todos, se normais, somos vaidosos, mas ninguém precisa ser um Cristiano Ronaldo a se olhar nos telões da vida a todo momento.
Um apóstolo lusitano, proprietário de uma igreja familiar, gosta de publicar no jornal de sua comunidade as graduações, pós-graduações e doutorados que obteve na vida. Se vivesse dez vidas o gajo não conseguiria tantos títulos. Vaidade.
Outro jornal evangélico publicou edição comemorativa do Dia do Pastor. Nas páginas do semanário, obreiros que se destacaram ao longo da história do grupo religioso. Entre eles, faceiro, o atual diretor do jornal. Não há mais constrangimento com o autoelogio. E alguns cínicos ainda retrucam: “Se eu não me elogiar, quem elogiará?”
Este tipo de atitude é normalíssimo, hoje. Não só entre evangélicos. Há pavões umbandistas (já estive lá, sei como é), católicos, ateus.
Autoelogio e marketing pessoal são a mesma coisa. Ninguém tem tempo de ver suas qualidades serem reconhecidas. É mais seguro fazer propaganda de si mesmo. Vender-se como produtos. Há muitos trouxas para comprar produtos fajutos.
Quem faz amigos desinteressadamente? Buscam-se relacionamentos que poderão ser úteis no futuro. Não sei onde vamos parar. Salvo engano meu (e me engano muito), seria bom se parássemos, refletíssemos e buscássemos a vergonha perdida. Nós que nos dizemos cristãos, pelo menos.

terça-feira, junho 12, 2012

QUE FATOS?



A leitura de jornais e revistas já não nos permite ter visão clara de um fato. “Contra fatos não há argumentos”, diziam os antigos. Que fatos? Peguemos como exemplo a história de Gilmar Mendes e Lula. Em VEJA, Lula é o vilão e Mendes, o mocinho. CARTA CAPITAL apresenta Mendes como o pilantra e Lula é o estadista sério. As duas apresentam argumentos para defender suas teses. Obviamente, qualquer fato (ou versão de fato) que surgir para contrariar as teses defendidas será escamoteado.
Eu, leitor, decidi. Não assino mais nenhuma revista semanal (a internet me fornece informação suficiente). Jornal, só compro na banca. No Rio de Janeiro, O Globo, por absoluta falta de opção.
Sempre gosto de tomar partido. Vou fazê-lo por simpatia.
Não vou com os cornos do José Dirceu. Sou contra ele.
Tenho ojeriza a Lula e Gilmar Mendes. Quero que os dois se fodam.
Entre o japonês e a loura, fico com a loura. Japoneses são irritantes.
Fatos não interessam a mais ninguém. São manipulados, segundo o interesse de quem os divulga. Noticiários, no passado, preocupavam-se em pelo menos parecer isentos. Hoje, jornais e revistas são extensos editoriais.

domingo, junho 10, 2012

HISTERIA & FLAGELO


Há muitos anos, o apresentador Nei Gonçalves Dias recebeu a então atriz infantil Natália Lage em seu programa de TV. Recordo-me que, em determinado momento, ele a pôs sentada sobre a perna e, naturalmente, lhe fez algumas perguntas. Natália tinha 10, 11 anos. Hoje, isso seria impensável.
Os tempos mudaram. Sempre fico em dúvida se para melhor ou pior. Não me aproximo de crianças. Converso com meninos e meninas quando eles tomam a iniciativa e sempre mantenho distância. Paranoia? Pode ser.
Depois das declarações de Xuxa ao Fantástico e a inevitável repercussão do que disse (“Fui abusada algumas vezes quando criança.”), mais do que dobrou o número de denúncias de casos de abuso sexual infantil o que é bom para lançar luz sobre homens e mulheres abusadores. Abusadores são próximos das crianças de que se aproveitam. Isso é fato comprovado por pesquisas sérias. (Revista VEJA: 97% dos casos o agressor convive com a criança; em 38% dos casos os pais são os abusadores, em 29%, os padrastos; 64% das vítimas são meninas; a maioria sofre abuso entre 6 e 10 anos; a violência persiste, em média, por 1 ano; 77% das crianças ficam severamente traumatizadas.)
O grande perigo que vejo é um gesto de carinho ser confundido com tentativa de abuso. Acredite, acontece. Crianças são, quase sempre, carinhosas. Aproximam-se, abraçam, beijam. Crianças latinas são assim. Quando acontece comigo procuro, delicadamente, afastar a criança. Não serei eu que vou destruir a espontaneidade da criança. Destruir os filhos é função dos pais.
O que o adulto deve fazer é evitar qualquer situação que o deixe à mercê de interpretações equivocadas. Estamos em momento de quase histeria. Eu mesmo já me peguei olhando com desconfiança para homens muito carinhosos com seus filhos. O abuso de crianças é um crime odioso, mas o medo de pais demonstrarem amor por seus filhos, temendo ser malcompreendidos, terá consequências desastrosas.
É inteligente adultos só se aproximarem de crianças sob a supervisão de seus pais. Os pais não devem se furtar de oferecerem a seus filhos muito carinho. São raríssimos os casos de a criança ser abusada por pai e mãe, simultaneamente. Basta, então, os pais prestarem bastante atenção em seus filhos e em seu cônjuge para perceberem qualquer situação estranha.
Um caso que tomei conhecimento pelo Profissão: repórter, da Globo: A criança, em uma festa, apresenta um rapaz à mãe. O rapaz, professor universitário, se aproxima da mulher e os dois se envolvem “romanticamente”. Ele vai viver com ela e a filha. A mulher confia tanto nele que deixa a filha, várias vezes, sozinha com o cara. A menina dorme na cama do professor. A mãe sabia e achava natural. Quando a filha contou à mãe o que estava acontecendo, a mulher se desesperou.
O abuso de crianças é um flagelo, mas reagir histericamente a esses abusos pode ser pior. É uma cena linda ver um pai cobrir de beijos sua filha querida. Uma cena que, no futuro, talvez não vejamos mais.

sexta-feira, junho 08, 2012

ÁRVORES QUE GRITAM

Na década de 90, eu frequentava nobres residências cariocas. Em visita ao Príncipe do Jardim América, fui apresentado a um grupo de rock chamado Screaming Trees. O nababo pediu à criadagem que me servisse um farto banquete, enquanto ouvíamos o grupo na potente aparelhagem de som, que talvez não tivesse equivalente no Brasil. Saí da mansão do milionário com duas fitas cassetes com a música do Screaming Trees gravada.
Lembro-me disso porque ouço, agora, uns 20 anos depois, o novo cd de Mark Lanegan, Blues Funeral. Lanegan era a voz do Screaming. Nesses anos que se passaram adquiri toda a discografia do Screaming, quatro solos de Lanegan, três Lanegan/Isobel Campbell e muitas colaborações de Lanegan com diversos artistas em vários discos diferentes.
Uma tarde agradabilíssima com o bom amigo da alta roda carioca me fez conhecer um dos cantores que mais aprecio.

O FALADOR



18ºC. Frio na Serra. Sensação térmica por volta dos 10ºC. Ventos afiados. Cheguei na padaria lanhado. Fila grande, televisão ligada. A apresentadora lembrava o começo da campanha de vacinação contra a gripe. Um vizinho, agitadíssimo, berrava:
- Esse negócio de vacinação é pros pilantras meterem a mão.
Dois ou três prestaram atenção. O falador viu que tinha plateia, prosseguiu:
- A gente fica resfriado uma, duas vezes por ano, no máximo. Conheço meia-dúzia que tomou a vacina e ficou gripado. Febrão, cama. Isso é roubo. Aliás, aqui no Brasil é tudo roubo.
Uma senhora resolveu discordar:
- Também não é assim. Me vacinei ano passado e não me gripei. E, francamente, há muita corrupção no Brasil, mas nem todo mundo é corrupto.
O cara ganhou força:
- D. Olga, a senhora é uma pessoa boa, inocente, religiosíssima... Essa vacina é, sim, jogada de políticos e todos os políticos saqueiam o país. Quem entra quer se dar bem.
D. Olga, a senhora não tão inocente, aproveitou a bola levantada e cortou:
- Gerson, você já saiu candidato a vereador três vezes.
O indignado bambeou, mas não caiu:
- A senhora me conhece há muitos anos. Não pode duvidar de minha honestidade.
D. Olga era firmeza:
- Você disse que os que querem entrar para a política são corruptos. Você quer entrar para a política. Você é corrupto.
Antes de o ex-futuro político dizer qualquer coisa, um gaiato mandou lá do fim da fila:
- Gerson, reivindique seu direito constitucional de ficar calado. A coisa tá pegando pra você.
Gerson dirigiu-se pro fim da fila, pensei que pra tomar satisfações com o engraçadinho, mas, que nada, pegou foi o rumo de casa, pensando que, certamente, em algumas ocasiões o melhor que se faz é não falar.