segunda-feira, junho 18, 2012

EM BUSCA DA VERGONHA PERDIDA


Não sou saudosista, mas, aproximando-me da velhice, começo a sentir falta de algumas características que eram caras aos antigos.
Nelson Rodrigues dizia que havíamos perdido a capacidade de nos escandalizar. Hoje, perdemos a vergonha. Vergonha, só a de ter vergonha.
Nepotismo sempre houve no Brasil. No passado, entretanto, mesmo o político empregador de parentes mais descarado tinha um certo pudor. Evitava abrigar em seu gabinete, de uma tacada, mulher, filhos, cunhados, amante... Pego com a boca na botija, envergonhava-se, genuinamente. Não é assim em nossos dias. Flagrado, o sustentador da família à custa do nosso dinheirinho faz cara de ultrajado, arma biquinho de magoado e, candidamente, diz: “Não vejo problema em empregar meus queridos. Têm competência, são de confiança, devem ser punidos por serem meus parentes?”
A falta de vergonha, o despudor, o desejo desenfreado de ganhar dinheiro a qualquer custo criou uma geração sem noção de brio, ética, honestidade. Há bem pouco tempo foi presa uma mulher que participava de uma quadrilha que desviava dinheiro de remédios para pacientes terminais. A facínora morava em um apartamento avaliado em R$ 1 milhão. Sua aparência era a da titia simpática que faz torta de maçã pros sobrinhos.
Outro caso chamou minha atenção. Em repartição de um Detran qualquer todos roubavam. Todos, não. Havia um honesto. Filmou bandidos e bandidas, que faziam festa a cada real roubado dos contribuintes. De novo, os meliantes eram gente como a gente.
Fui chefiado por figuraça que tinha uma frase síntese, definidora da vida do “homem sagaz”, como ele gostava de dizer: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Bochecha ainda se preocupava em deixar pirão para os que viessem depois. Hoje, a frase serve a muitos com pequena, mas vital alteração: “Farinha pouca, só o meu pirão”.
Se não temos vergonha, fazemos qualquer coisa. No passado, por humildade (ou falsa humildade), evitava-se, ao se escrever textos relatando realizações pessoais, a primeira pessoa do singular. O autor usava a primeira do plural (eu, particularmente, não gosto do recurso), lembrava-se de pessoas que o ajudaram e, se evangélico, concluía com o clichê: “a Deus toda honra e toda glória”.
Eu organizava um jornal evangélico. Antes de enviá-lo para a gráfica submetia-o à apreciação do chefe. Nunca estava bom. Meu líder era pastor. Vaidosíssimo, como quase todos os ungidos. Resolvi fazer o jogo dele e preparei uma edição de 16 páginas com 13 fotos do humilde servo. Ele adorou e eu pedi para sair.
Todos, se normais, somos vaidosos, mas ninguém precisa ser um Cristiano Ronaldo a se olhar nos telões da vida a todo momento.
Um apóstolo lusitano, proprietário de uma igreja familiar, gosta de publicar no jornal de sua comunidade as graduações, pós-graduações e doutorados que obteve na vida. Se vivesse dez vidas o gajo não conseguiria tantos títulos. Vaidade.
Outro jornal evangélico publicou edição comemorativa do Dia do Pastor. Nas páginas do semanário, obreiros que se destacaram ao longo da história do grupo religioso. Entre eles, faceiro, o atual diretor do jornal. Não há mais constrangimento com o autoelogio. E alguns cínicos ainda retrucam: “Se eu não me elogiar, quem elogiará?”
Este tipo de atitude é normalíssimo, hoje. Não só entre evangélicos. Há pavões umbandistas (já estive lá, sei como é), católicos, ateus.
Autoelogio e marketing pessoal são a mesma coisa. Ninguém tem tempo de ver suas qualidades serem reconhecidas. É mais seguro fazer propaganda de si mesmo. Vender-se como produtos. Há muitos trouxas para comprar produtos fajutos.
Quem faz amigos desinteressadamente? Buscam-se relacionamentos que poderão ser úteis no futuro. Não sei onde vamos parar. Salvo engano meu (e me engano muito), seria bom se parássemos, refletíssemos e buscássemos a vergonha perdida. Nós que nos dizemos cristãos, pelo menos.

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