quinta-feira, maio 22, 2014

CHICO BUARQUE



Numa zapeada vi cena que passava no Globo News. Chico Buarque, todo sem jeito, corria com a bola em seu campinho de pelada. Os “marcadores” o olhavam passar sem combatê-lo. Só a bola o marcava.
Lembrei-me, imediatamente, de um jogo no Paramis (Parâmides?), campo de rachas na Praça Seca. A bola rolava o dia inteiro e, de vez em quando, alguns enfermeiros traziam uns internos de um manicômio das proximidades para bater uma bolinha. Sempre pediam para que passássemos a bola para eles e os deixássemos fazer gols.
Era um acordo sempre respeitado. Os doidos pegavam a bola e corriam para o gol como chicos buarques, sem serem incomodados.
Um dia, no gol, o lendário Tiquinho estava mais doido do que o normal. “Aqui ninguém vai fazer gol”. O primeiro aloprado a tentar o gol viu Botiquinho espalmar a pelota pra córner. Confusão, gritaria, segura daqui, segura dali e Tio Funéreo, o árbitro, encontrou solução. Marcou pênalti pela defesa arrojada demais do arqueiro. “Tiquinho, deixe o lunático fazer o gol, por favor, se não vai dar merda”.
O maluco tremia de ansiedade. Chutou o primeiro pênalti para fora. Funéreo mandou repetir. “O goleiro se mexeu”. O segundo, no ângulo, o turbinado Tiquinho pegou. A porrada comeu.
Chico Buarque precisa encontrar um Tiquinho.

quarta-feira, maio 21, 2014

OS ROLAS CANSADAS DE VOLTA


 Na Praça dos Rolas Cansadas, seccional Botafogo, discutia-se sobre o que jogar naquele fim de dia.
- Vamos de sueca, pro seu Tavares jogar – pediu Comandante, cheio de autoridade.
- Não tem gente pra jogar. O Arlindo está indo embora – avisou Geraldinho, o setentão, caçula da turma.
Seu Tavares aproveitou pra anunciar:
- Também vou embora. Estou aqui desde as 2 horas. A patroa já ligou. Hoje é dia de mercado.
Comandante não resistiu a uma sacanagem.
- Então, vá logo. Daqui a pouco a vovó vem te buscar. Deixe seu baralho, esqueci o meu na firma.
Seu Tavares emprestaria a mulher, companheira de uma vida, o Texas de plástico, não.
- Ou você pega o seu na firma ou compra um. O meu não empresto. O Adilson tem baralho.
Comandante suplicou. Adilson se comoveu.
- Quem vai ficar com o baralho? Decidam logo, se não perco a carona.
- Geraldinho.
- O Geraldinho chega às 5. Vou precisar do baralho às 3 – suspirou aliviado. Adilson não tinha um Texas, mas mesmo seu humilde Copag resistia em deixar longe dos olhos.
- Porra, tudo roda presa. Molequinho, vá na loja e compre um baralho pra mim. Fique com o troco. Enquanto isso, vamos jogar dominó para esquentar – rosnou Comandante.
Olhou em volta e percebeu que faltava um pra fechar a mesa. Um magrinho, desconhecido, lia jornal em um banco próximo.
- Novato, você joga dominó?
Novato era Dionísio. Estava passando pela praça, tentou entrar numa roda de buraco e foi barrado. A de damas era inexpugnável. Morava nas redondezas, sozinho. Não tinha amigos. Os que granjeara estavam mortos. A mulher também morrera. Filhos e netos apareciam poucas vezes. Sentia falta de companhia.
Largou o jornal, imediatamente, e aceitou o convite do Comandante. Jogou dominó com os netos algumas vezes. Não haveria dificuldade. Juntar duas bolinhas com duas bolinhas. Qualquer um poderia fazer isso.
Os atletas se posicionaram. Comandante se sentiu na obrigação de jogar com o novato.
Logo na primeira partida sentiu a merda que fizera. Perder não era agradável para ele.
- Novato, está desatento. Olhe meu jogo. Não descarregue sem se ligar.
Na segunda, a coisa piorou:
- Porra, cara, você me fechou.
Na terceira...
- Vai tomar no cu, novato, você só faz merda. Luis, entre no lugar deste babaca. Vaza, vaza... Cadê aquele molequinho com o baralho?
Geraldinho falou.
- Nunca tinha visto aquele molequinho. Acho que ele sumiu com seu dinheiro.
Luis falou, também.
- Comandante, tô fora do jogo. Sem saco.
Comandante trovejou.
- Molequinho feladaputa. Novato, volte pro jogo. Vai fazer dupla com Geraldinho.

Dionísio já estava com seu jornal embaixo do braço. Era melhor a humilhação acompanhado daquela turma à solidão de seu apartamento. Jogou com Geraldinho e ganhou várias rodadas do Comandante... Não era difícil juntar dois com dois. E, no final, valeu a pena ver Comandante, num ataque de fúria, jogar as pedras do dominó na cara do parceiro.

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

ADOLESCENTES ESPERTOS


Jasmine van den Bogaerde, hoje, mundialmente conhecida como Birdy, nasceu em 15 de maio de 1996. Aos 12 anos, ganhou um concurso de música. Antes de completar 15, lançou versão de “Skinny Love”, do grupo de folk moderninho Bon Iver. Chegou ao Top 20 na Grã-Bretanha. Completados os 15, soltou o manso petardo “Birdy”, um disco de covers (apenas uma música é de sua autoria). As interpretações de “Fire and rain”, de James Taylor, “Terrible Love”, do The National e “Shelter”, dos minimalistas sussurrantes The XX são as que mais me impressionam, mas há muitas músicas de primeira no álbum de estreia da menina. Birdy canta e se acompanha ao piano, sempre competentíssima.
No final de 2013, Birdy pôs na rua “Fire within”, disco de inéditas, e mostrou, pelo menos por enquanto, que é moça bonita, talentosa e promissora que não precisará apelar para se manter em evidência.

Ella Yelich-O’Connor, nas quebradas conhecida como Lorde, é de Auckland, na Nova Zelândia. Também nasceu ontem, em 7 de novembro de 1996. É filha de Sonja Yelich, premiada poeta neozelandesa (o que me diz muito pouco).
A música de Lorde tem uma levada diferente (muito diferente) da de Birdy. Às vezes, me lembra Lana Del Rey. Música eletrônica confortável, que não assusta ninguém. O que tem impressionado público e crítica, além da incontestável (força de expressão, sempre há quem conteste) capacidade artística, é o desapego da moça em relação ao sucesso. Até o momento em que estas linhas eram digitadas, a fofinha continuava vivendo no confortável subúrbio de Devonport, em Auckland, Nova Zelândia, a meio metro do fim do mundo.
“Pure Heroine”, seu primeiro disco (antes lançou um EP), vem causando furor. “Royals”, faixa do disco, ganhou prêmio de canção do ano, no Grammy 2014. Também com “Royals”, Lorde levou o Grammy de melhor apresentação pop solo. O linguão de Miley Cyrus deve estar doendo.
Lorde também foi descoberta, graças à Internet, aos 12 anos. É linda, madura, cheia de talento e pose. As músicas que canta, ela mesma compõe. A mãe-coruja declarou à revista Rolling Stone que a filha é “uma escritora melhor do que ela jamais será”.

Jake Edwin Kennedy, daqui pra frente, Jake Bugg, é de Nottingham, Inglaterra. É o veterano do grupo de três deste artigo. Aos 20 anos, lançou seu segundo disco, “Shangri-la” (não o ouvi, minha crença não me permite ouvir música virtual, só a que sai de sulcos de vinil ou produzidas pelo laser do cedepleier), mas o primeiro é brilhante, intitulado, simplesmente, “Jake Bugg”.
Além da diferença de gênero entre Bugg e as meninas superpoderosas lá do início, o garoto é fruto da classe média baixa inglesa, enquanto as moças têm boa situação financeira e pais artistas. O pai de Bugg é enfermeiro e a mãe vendedora. As preocupações do rapaz são outras. Assim que surgiu foi chamado de “Bob Dylan do East Midlands”. Bugg respondeu: “Bob Dylan é legal, você sabe, ele é ótimo, mas não é uma grande influência”. Em seu primeiro disco é, sim. Se ele chegar à metade da trilha percorrida por Dylan será ótimo negócio para a música do planeta.
Por que falei destes três garotos? Simples. Quando há interesse em desqualificar a música feita por adolescentes, atualmente, os exemplos são sempre os mesmos: Justin Bieber, Miley Cyrus, Selena Gomez etc. Todos com certo grau de talento, mas, infelizmente, divulgadores de música menor. Nada contra o ouvinte de canções de péssima qualidade (vivo na terra do funk pancadão e do pagofunk), segundo meus critérios e avaliação, mas é preciso atentar para jovens que fazem música em altíssimo nível.

Ouvidos abertos não fazem mal a ninguém e trazem grande prazer à vida.

ISOPORZINHO


Em passado remoto, íamos à praia e levávamos fartos farnéis sem constrangimento algum. Tenho fotos da requintadíssima Madame Ribeiro atracada a volumosa coxa de galinha no Recreio dos Bandeirantes.
Aí, a turma da modinha interveio. Essa cambada existe desde o princípio dos tempos e eu, desgraçadamente, já me alinhei com ela. Os da modinha adoram cagar regras e determinaram que levar alimentos para a praia era coisa de farofeiro.
Pronto, nós, babacas preocupados com a opinião alheia, paramos de levar lanchinhos ao lazer à beira-mar.
Os da modinha mais moderados admitiam que se levasse um pacotinho de biscoito. Bananas, jamais.
À praia, íamos e ficávamos o dia inteiro. Encarávamos coletivos superlotados, éramos despejados na praia às 8h e, na volta, às 17h, formávamos filas quilométricas para ganhar posição dentro do ônibus.
A modinha, setor subúrbio, preconizava: não era de bom tom ir ao mar com nada além de dinheiro e documentos. Calote no ônibus era bem visto. Encoxar uma menina, também (ser encoxada, dependia). Bolsa, de maneira alguma. Podia estar sendo usada para esconder comida.
O praiano suburbano ia à praia sem dinheiro e lá passava fome. Não dava para comprar sanduíches e refrigerantes. Quem podia fazer isso, principalmente rapazes, era cobiçadíssimo pelas it-girls da época (as cocotas). Os ditames dos da modinha eram rigorosos e os desobedientes viravam párias sociais (não mudou muito).
Corte temporal. Verão de 2014. Praias: misto quente a R$ 25,00; coco a R$ 7,00; saladinha verde a R$ 50,00; omelete de camarão a R$ 100,00; água a... depende da temperatura e cara do trouxa. O pessoal da modinha se assustou e decretou: praia, a partir de agora, só com isoporzinho.
Como a turma não gosta de perder a pose, uma porta-voz do movimento, eleitora do PSOL, querida do Freixo e integrante do Anonimous, esclareceu: “Não é só pelos preços absurdos que defendemos o isoporzinho, que nada tem a ver com o movimento farofeiro do passado, mas o não consumo de alimentos a preços escorchantes reduzirá a emissão de carbono na atmosfera, diminuirá o desflorestamento na Amazônia e, sem dúvida, terá impacto positivo na questão do aquecimento global. Antes de terminar, quero frisar que odeio a Rede Globo”.

Domingo, eu e os Ribeiro vamos ao mar. Madame prometeu levar picanha com batata corada.

sexta-feira, janeiro 03, 2014

FIM


Às 3 da manhã do sábado, terminei de ler NA PRAIA, de Ian McEwan. Boa leitura, mas arrastada. Levei muito mais tempo do que deveria para vencer as cento e poucas páginas do bom texto de McEwan. Estou longe de ser um leitor rápido, mas uma semana foi demais.
Antes de dormir, levei para o trono FIM, de Fernanda Torres. Ia só dar uma olhadinha, enquanto abria espaço no cérebro para as atividades intelectuais das horas que viriam.
O livro de Fernanda Torres saiu e foi elogiadíssimo por todo mundo. Jô Soares a entrevistou e instalou-a em um pedestal. Falei com a esposa: “É bom ter amigos, ser filho de gente importante, pertencer às rodas certas”. Gosto de Fernanda Torres como atriz. Ela parece ser figura de muito bom trato e está sempre antenada. De qualquer forma, resolvi que não compraria o livro dela. Não naquele momento. Ação entre amigos não vai me forçar a ir à livraria, pensei, despeitado.
Rosangela comprou. Há umas semanas peguei o livro para escanear a capa. Ia publicar a sinopse dele em uma revista. Escaneei-o e deixei-o em cima da mesa. Na madrugada de sábado, era o livro que estava à mão para me acompanhar no momento de meditação.
Comecei a lê-lo pelas 4h e só parei às 18h, com breves intervalos para papar. O livro é mesmo tudo o que dizem e mais um pouco. Fernanda Torres tem a manha.
A narrativa acompanha os momentos finais de cinco amigos. Amigos de muitos anos que se afastaram por causa de semelhanças e diferenças. Dito assim não parece grande coisa, mas aí vem a manha. A danada sabe contar uma história, constrói personagens verossímeis, o que não é simples. É engenhosa, faz o vai e volta que o Cadu não faz. Exibe erudição, simplicidade, maturidade... É livro de riso nervoso. Melancólico, muitas vezes. Um livraço, em minha opinião.


UMA CURIOSIDADE: Perto do meio do livro aparece no texto um número de telefone. Eram 7h quando o vi. Curioso, liguei. Uma mulher atendeu. Ia falar qualquer coisa, mas me dei conta do horário e travei. Fingi que tinha ligado pro número errado. A dona desse telefone deve andar enlouquecida com os curiosos que estão ligando pra ela.

MINHA SOGRA



Eu amo minha sogra, se não amasse...
Dia 30 fui convocado para ir ao supermercado com ela. Meio-dia, um sol do cacete, a pé. Pensei em recusar o convite, mas tenho juízo. Como dizer não a quem me alimenta? Fui.
D. Emília tem 75 anos e é elétrica. Faz tudo em altíssima velocidade. Impaciente, mal-humorada, altruísta, agressiva, gente boa, controladora. Um doce. Polidimensional. Fala muuuuito. Fala sem parar. Onipresente. Um dínamo. Por precaução, avisei:
- Não vou acompanhar seu ritmo. Sou lento.
Ela me disse que desaceleraria e eu não acreditei.
- Vá pelo corredor dos biscoitos. Pegue uns que a Rosangela gosta... Goiabinha, goiabinha, você não sabe do que sua mulher gosta?... Utahy, Utahy, o corredor dos biscoitos não é esse... O outro, o outro... Vou pegar o leite.
Vai, querida sogra, vai. Eu, serrano discreto, percebi que a essa altura era o centro das atenções do mercado. Mais tarde me transformaria em celebridade. D. Emília falava comigo a 5, 10, 20 metros de distância. Agora, estava a 20.
- Utahy, vá pra fila do queijo... Utahy, você não está me ouvindo?... Utahy, no queijo, no queijo...
Eu, fingindo que não era comigo. Os sorrisos à minha volta sabiam que era.
Comprei o queijo e procurei o azougue tagarela.
- Utahy, tá olhando pra ontem?... Ó eu aqui na fila da carne... Vem cá, rápido. Fique aqui. Vou pegar os frios e o peru... Compre 1kg de contrafilé... Preste atenção no malandro que vai cortar a carne... Utahy, foi essa carne que o vagabundo cortou?... Não levo... Moço, isso é carne que o senhor corte... Se aproveitando que ele não gosta de confusão... Esse molambo, não vou levar... Utahy, já pegou o pão?
Lágrimas de sangue brotam de meus olhos. Os seguidores, em volta, gargalham.
- Utahy, vai pra fila... Entre na menor... Não dê bobeira... Vou ver o material de limpeza... Vai, Utahy, que moleza... Foi essa fila que você escolheu? É a maior de todas... Me dá esse carrinho, vou procurar uma menor... Aproveite e pegue papel toalha... Eu esqueci.
E lá foi, bip bip. Quase passou por cima de dois com o carrinho. Foi xingada e se lixou. Segui na direção dela. Achou mesmo uma fila menor. Abriu os 30 segundos de sorriso do dia para tripudiar.
- Vocês não procuram, entram na primeira fila.
- D. Emília, essa fila em que a senhora está é para compras com 15 volumes, no máximo. Seu carrinho tem mais de 100. Não vão deixar passar.
- Eu passo. Meu Jesus vai na frente, abre meus caminhos. Quem ousará deter uma serva do Altíssimo? Ele está comigo.
Quem estava atrás dela na fila fez cara de que ia confrontar a serva. Eu, na dúvida, e por ter natureza avessa a confusão, resolvi ficar de longe. Sentei-me em umas cadeiras destinadas a idosos, fui cumprimentado pelos seguidores e esperei. Prestava atenção na movimentação da segurança. Um seguidor me alertou:
- A encrenqueira está te chamando. Ela já está no caixa.
- Utahy, cadê o papel-toalha?... Vai lá pegar... A fila espera, vai lá... Você é muito mole... Aproveita e pegue a bisnaguinha de gergelim...
Saímos do mercado sob aplausos. Os seguidores urravam.

Eu amo minha sogra, se não amasse...