quinta-feira, novembro 03, 2011

ESSES TRADUTORES


Leio Gomorra, de Roberto Saviano. O livro foi escrito em italiano e a tradutora, burrinha, insiste em verter a expressão “centro commerciale” para “centro comercial”. Será que a tapadinha não sabe que o correto, em Português, é “shopping center”.

TITE VIVE

Artur Xexéo lembrou em sua coluna em O Globo que ninguém mais é "diferente". "Diferenciado" é o vocábulo usado pelos "letrados". O jogador é diferenciado, o enredo é diferenciado, a atriz é diferenciada.
Fernando Calazans foi na onda de Xexéo e lembrou que o verbo continuar também caminha para a extinção. Jornais preferem escrever "Fulano segue líder" em vez de continua.
Observo que líderes religiosos adoram "experienciar" em lugar do vetusto e respeitável "experimentar". Quem experimenta é o infiel, crente experiencia. 
Pior é que quem usa essas bobagens acha que está abafando.

OS ROLAS CANSADAS



O pau comeu no 204 (não no sentido sexual). Foi briga, mesmo. Ou como preferimos por aqui: porradaria. Esta introdução é para afastar os pudicos, frescos, delicados, sensíveis, mimimis...
Sigamos. Em voz potente (porém, maviosa, sexy, acachorrada) para que ninguém perdesse detalhes do resumo da história, a apetitosa do 204 esbravejou com o marido.
- Não quero saber dela passando suas camisas.
Ela era a não menos saborosa vizinha do 302. As duas, 204 e 302, eram súcubos que minavam as forças dos machos da comunidade, assunto das mesas dos bares das redondezas, sonho impossível dos rolas cansadas.
No início do que seria um quebra-quebra espetacular, a acusada dormia. O maridão àquela hora já estava amarfanhado dentro de um ônibus, indo para o batente. O carrão do casal descansava no estacionamento. Carros modernos... não andam sem combustível.
O marido acusado não fez o que todo marido sábio faz quando acusado pela mulher enfurecida: quedar-se em silêncio. Retrucou e o fez também em voz tonitruante. Talvez para mostrar macheza, atributo ainda valorizado nas camadas mais ignaras da população.
A homarada ficou feliz. Uns quatro já acompanhavam o bate-boca. Como apareceram tão rapidamente é mistério. Explico a felicidade. Todos gostamos de ouvir os dois lados de um entrevero oral. Na pré-história, havia o telefone fixo. Ouvir a conversa alheia implicava riscos. O orelhudo tinha de dar uma disfarçada, parar como se nada quisesse nas proximidades de quem estava falando e sempre corria o risco de o falador perceber e olhar torto para o curioso. Um constrangimento. O celular chegou e todo mundo começou a ouvir a conversa alheia. Mas só um lado do papo. Era necessário construir mentalmente o diálogo dos linguarudos. Uma frustração. Estamos na era do Nextel, telefones com viva-voz. Participamos de toda a conversa. “Querida, diz pra mim, essa noite eu tava demais, né não?” “Achei não, Haroldo, você é sempre muito rapidinho. Me deixou chupando dedo, de novo.” Era disso que gostávamos. Curtir a vergonha alheia.
Voltemos ao maridão acusado.
- Você pensa que manda em mim? Pedi pra você passar minhas camisas. Se você não faz tem quem faça.
A vovozinha do 301, 86 anos, sacudida, internética, orgulhosa de ter email, mas defensora ferrenha das prendas domésticas sentiu necessidade de dizer baixinho, mas não tão baixinho que a 204 não ouvisse.
- Essas jovens de hoje são mesmo desleixadas, não cuidam de seus maridos. Depois se queixam quando são largadas. Beleza não dura para sempre.
O quitute do 204 estava dentro de seu apartamento. O marido do lado de fora. Nós a ouvíamos, não podíamos vê-la. A porta estava aberta. A fabulosa ouviu a vovozinha. Do jeito que estava, saiu. Calcinha, camiseta e uma língua... Tudo muito impressionante. O Meireles mandou um Lexotan pra dentro. Só como garantia. Emprestei um Atenolol para o Raimundo. Importante desacelerar o coração. Víamos Druuna em carne e osso.
- Velha linguaruda. Cuide de sua vida. Você tratou tão bem de seu marido que está viúva.
Mulheres muito atraentes não costumam ser inteligentes. Não precisam. Homens perto deste tipo de mulher se tornam mais imbecis do que normalmente são. D. Didi não entendeu a insinuação, seu marido morreu com 94 anos, atropelado, como aquela jumenta a acusava de não cuidar bem do precioso. Antes que respondesse foi retirada da área de conflito. Ninguém queria distrações.
Até porque, neste mesmo instante, entra em cena a deslumbrante do 302. De baby-doll (depois, no boteco, um jovem quarentão diria que não existe mais baby-doll), elegantérrima, perguntou:
- Que porra é essa? Acordei com este esporro.
Um esclarecimento. Os dois casais eram amigos. Tinham o mesmo gosto refinado: adoravam pagode. Quase todos os fins de semana saíam juntos. Em algumas noites jogavam cartas, bebiam muito e ouviam música em alto volume. Meireles garantia que faziam suíngue. Quando pensávamos nisso, babávamos.
- Acontece, sua periguete, que não gostei de você ter passado as camisas do meu marido. Do meu homem cuido eu.
Estávamos magnetizados. Ouvíamos o alarido, mas não desgrudávamos os olhos das duas mulheres. Uma em frente da outra. Raios saindo dos olhos. O balanço dos peitos, rostos crispados, bundas retesadas, cabelões em movimento sensual. Raimundo não aguentou e desmaiou. Ninguém prestou socorro. A qualquer momento o inevitável aconteceria. As duas iriam se embolar, rolar pelo chão. Que dia!
- Estou muito bem servida de homem. O seu não me interessa. Só fiz um favor.
A 204 resolveu pôr pra fora suspeitas antigas.
- Pensa que eu não saco você nos pagodes. Só quer dançar com ele. Seu marido fica lá, babacão, bebendo cerveja e batucando na mesa.
- Ele não dança mas comparece. Você não disse que o seu está frio com você? Se ele não dá no couro...
O marido ia chiar, a mulher foi mais rápida. O tapa na cara cortou lábios e frase da 302. Antes de qualquer reação, nós, os rolas cansadas (menos o Raimundo que depois lamentaria ter tomado o Atenolol), pulamos nas duas para desapartar a briga. Apalpamos, apertamos, alisamos, fomos mordidos e extasiados conseguimos separá-las.
Uma semana depois estão todos bem. Menos nós, os rolas cansadas. Na mesa do bar o mais triste é o Raimundo. Cada vez que nos ouve contar o momento de glória que vivemos, choraminga: “Por que tomei aquela merda? Sabe, às vezes me dá uma vontade doida de pedir a uma delas pra me encher de porrada”.