quarta-feira, dezembro 28, 2011

TEXTOS QUE LI E GOSTEI - A confissão, de Dino Buzzati



A CONFISSÃO
A srª Laurapaola estava de cama, indisposta, coisa simples, de três ou quatro dias, dissera o médico.
Havia já algum tempo vinha sofrendo desses desagradáveis malestares, mas os familiares quase não lhe davam atenção, insistindo que era maníaca; até o médico dizia que não havia motivo algum para se preocupar.
À tarde, enquanto estava cochilando, a empregada veio anunciar o padre Quarzo, do convento vizinho dos franciscanos menores, onde Laurapaola ia sempre confessar-se. Por que teria vindo?
Bom dia, minha filha – disse padre Quarzo entrando -, estava passando por aqui para ver meus focômelos, pobrezinhos, e pensei em fazer-lhe uma visitinha. E me disseram que a senhora... Mas isso é coisa que se faça? Vamos', vamos, coragem, quero vê-Ia com saúde e disposta como sempre. Uma pessoa moderna e ativa como a senhora! Mas... a propósito... nunca mais vi aquela velhinha simpática que me abria a porta.
- Nem me fale, padre - respondeu Laurapaola. - Era velha demais, não entendia mais nada, não fazia mais nada, direito; tive de mandá-Ia embora.
- E há quanto tempo estava com a senhora?
- Sei lá, quando nasci já andava pela casa. E creio que já estava aqui há vários anos.
- A senhora a mandou embora?
- Fazer o quê? Fui obrigada, meu caro padre. Esta casa não é um asilo de velhos...
- Compreendo, compreendo - respondeu o padre Quarzo.
- Mas conte-me, minha filha, o que fizemos neste verão?
Laurapaola começou então a falar do verão, a viagem à Espanha, as corridas, o casamento da jovem cunhada em Arezzo, depois o cruzeiro de navio até Chipre e a Anatólia.
- Um grupo simpático, imagino...
- Ah, sim, meu caro padre. Éramos oito, nem lhe conto, que dias, que alegria, que sol, nunca me diverti tanto.
Então seu marido conseguiu finalmente descansar um pouco, não foi?
- Ah, não. Meu marido não suporta o mar. E, além disso, tinha tanto trabalho, nem sei mais, congressos na França, na Suécia.
- E as crianças?
- Oh, os meus queridinhosl Ficaram no colégio, na Suíça, um verdadeiro paraíso, se o senhor visse: para eles, é como se estivessem de férias o ano inteiro.
Falava, falava, a nova casa de campo em Porto Ercole, as aulas de yoga (“Sabe, padre, a gente se sente transformada, até mesmo espiritualmente”), a próxima partida para Saas Fee, o último leilão de quadros, falava, falava, falava, seu rosto refletia a animação.
O padre Quarzo ouvia. Sentado, mantinha-se ereto como uma estátua. Não sorria mais.
- Minha filha - disse finalmente - já falou bastante, não quero que se canse - levantou-se, muito alto. - Agora vou lhe dar a absolvição.
- Como?
- Não quer, minha filha?
- Oh, não, padre ... Aliás, obrigada ... Mas não estou entendendo...
- ln nomine Patris et Filii... - começou padre Quarzo, com o rosto severo. E ela também juntou as mãos.
Foi assim que Laurapaola soube que deveria morrer

(As noites difíceis, Dino Buzzati, conto Solidões)

sábado, dezembro 24, 2011

TROUXAS



Os vídeos mostrando o “desespero” do povo norte-coreano diante da morte do querido líder e comandante supremo Kim Jong-il causaram comoção em bispos, apóstolos e semideuses evangélicos.
Se os ungidos cressem que um dia morrerão, adorariam ir para a eternidade sabendo que suas ovelhas ficariam por aqui dando cabeçadas na parede, sofrendo por terem perdido seu norte, os santos homens que sempre viveram no centro da vontade de Deus.
Kim Jong-il é o ideal de todo líder religioso. Foi amado porque tinha o poder de trucidar quem não o amasse. Os “ungidos” dizem que não podem ser tocados. Quem ousar fazê-lo está fumado com Deus. Lançam mão, também, do terrível Gafanhoto (nada a ver com o velho Kung Fu), do Devorador e de outros personagens bíblicos terríveis que são postos a serviço deles, os  Sugadores.
Há vários trouxas no mundo. Na paupérrima Coreia do Norte, criam que Kim Jong-il era líder zeloso. A favor dos bobões de lá, a falta de informação. Em nossa rica pátria uma quantidade maior ainda de tolos acredita que os “ungidos” têm alguma ligação com Deus.
Ouçam este trouxa aqui: não têm.

NOVOS TEMPOS

Ao ouvir mais uma vez o bom Femme fatale, de Britney Spears, lembrei-me de uma dupla que fez sucesso meteórico no final da década de 80 do século passado, o Milli Vanilli.
Eram dois negros pintosos, modelos, dançarinos razoáveis. Um produtor esperto tinha um bom grupo musical. O problema é que todos os integrantes eram feios. A grande ideia: o grupo toca e canta e os dois bonitões rebolam e fingem que cantam. Começaram na Europa, chegaram aos EUA e levaram um Grammy (depois tiveram de devolver).
A farsa foi logo descoberta. Muita gente sabia da falcatrua e os feiosos que cantavam acreditaram que poderiam fazer sucesso com as próprias caratonhas. Ninguém fez. Nem os bonitos que não cantavam nem os horrorosos que se achavam canários.
Britney Spears não é mais a delícia que foi. Cantar nunca cantou. Dançar? Mulher bonita se não for dessincronizada faz qualquer babaca babar (acho que se for também faz).
O tempo passou. Britney fez merda à vontade. Se vivesse no mundo em que vivemos estaria acabada. Mas não vive. A doida ainda gera muita grana. Suas tetas ainda produzem ótimo leite.
Ela é refém de programas de computador, que corrigem sua voz e imagem. Compare a Britney Spears das capas de CD com a de fotos feitas em shows (as duas fotos que estão aqui foram feitas na mesma época).
De Britney Spears o que a indústria fonográfica usa é a imagem da jovenzinha saborosa em uniforme escolar, a lembrança da menininha do Disney Club. Todo o resto quem faz são os feiões. Os feiões de hoje, no entanto, ganham tanto dinheiro que não se importam de não aparecer.
É dura a passagem do tempo e o que era ilícito deixa de ser. O Milli Vanilli começou a ser desmascarado quando, em um show, a fita cassete engasgou e se percebeu que durante as apresentações eles não cantavam. Britney Spears e muitos outros artistas usam playback descaradamente. Ninguém se importa.
Milly Vannily hoje se daria bem.







segunda-feira, dezembro 19, 2011

VIZINHO VIRTUAL




– Quem é esse cara?
– Ahn!!! Não entendi.
– Esse camarada... esse retratinho flutuando na tela de seu computador... Quem é?
– Jotão, isso aqui é um jogo. Ele é um vizinho de CityVille.
– Não vou com os cornos dele. Por que ele está sem camisa?
– Talvez por ser vaidoso, ter um corpão e querer se mostrar.
– Não dá pra tirar ele daí?
– De jeito nenhum. Ele me visita duas vezes por dia, joga sempre, contribui no meu perfil, se hospeda em meus hotéis.
– Porra, Verinha, tira esse cara daí.
– Alfredo, você exagera com seu ciúme. Não conheço o Arthur. Nunca interagimos. É um ótimo vizinho de jogo. Ele sempre entra em minha cidade e irriga as plantações. Só isso.
– Só isso?!? Você não percebe a mensagem que ele está enviando? Que inocência é essa?
– Nunca vi o cara. Jamais interagi com ele. Ele é casado, tem filhos, mora em Salvador, adora pagode e a mulher é juíza. Sei disso pelo Facebook.
– Pare com esse negócio de “interagir”. Parece que você está dizendo que nunca transou com ele. Dá pra tirar esse cara daí?
– Dá, mas não vou tirar. É um vizinho maravilhoso.
– Vera, eu...
– Você deveria se preocupar com os vizinhos de carne e osso. Muitos de seus amigos de copo vivem me secando.
– Verinha, por favor... Os de carne e osso eu controlo, mas esse cara, sem camisa, voando na tela de seu computador, te irrigando... Por favor... Eu começo a jogar CityVille, faço tudo o que ele faz... Interaja comigo.
– Então ta, mas vou sentir falta das irrigações do Arthur.

domingo, dezembro 18, 2011

VIDA QUE SEGUE




Hoje, aqui na Serra, um homem foi assassinado. Levou três tiros e seu corpo ensanguentado ainda enfeita a rua. Morreu porque devia 17 reais a um companheiro de mesa de bar.
Há alguns anos um fratricídio ganhou as páginas das folhas noticiosas da Serra. Até na planície houve comoção. A história é mais comum do que se imagina.
Um casal, ele português, ela brasileira, fez fortuna à custa de trabalho duro. Começaram juntos no balcão de uma padaria que depois compraram. A primeira de quatro. Os filhos, dois deitões e uma deitona, cresceram à sombra do barranco.
Os velhos enriqueceram, visitaram a terrinha algumas vezes (os filhos preferiam a terra do Pato Donald) e, por fim, aposentaram-se. Os negócios já não iam tão bem como no passado e os velhos sabiam que tinham feito bobagem na criação dos filhos: eram incompetentes, indolentes, inúteis, perversos. Venderam tudo que possuíam.
Pouco tempo depois, a velha morreu. O pai, cansado de ser sangrado pelos pimpolhos quarentões, resolveu dividir o que amealhara em toda a vida de trabalho. Reuniu os abutres e distribuiu a carniça. Despediu-se sem abraços, voltou para Portugal, esperançoso de jamais voltar a ver a prole.
Três anos se passaram. À beira da merda, os filhotes recebem a alvissareira notícia da morte do velho. Econômico, o velho ainda deixou dinheiro em uma conta bancária. Divide daqui, divide dali, um dos irmãos se sentiu lesado e assassinou o outro.
Mata-se por muito ou pouco dinheiro. A quantidade é irrelevante. O zé mané que morreu aqui na Serra por causa de 17 reais foi dessa para a pior porque devia e se negava a pagar. O matador está preso e lá ficará até o próximo indulto do dia das mães.
O fratricida fez o que fez porque entendeu que o irmão o lesara em alguns merréis. Não trabalhou por nenhum centavo das merrecas da contenda, mas se achou logrado. Matou, e daí? Está solto. Na prisão ficou menos de dois anos, Dinheiro não tem mais. Repassou pata os advogados.
A irmã não vive mal. Casou-se com um bom rapaz. Ele lhe dá uns cacetes de vez em quando, mas há dinheiro para gastar. O casal tem dois filhos jovens. Para azar dela, são em tudo semelhantes a ela e aos irmãos. É vida que segue. 

segunda-feira, dezembro 05, 2011



Fátima Bernardes deixa hoje a bancada do Jornal Nacional. Oficialmente, participará de um novo projeto jornalístico criado por ela mesma. Sairá, por isso, do noticiário de maior prestígio da Globo.
Não creio nesta versão. Em minha opinião, Fátima Bernardes sai, com toda pompa, por causa da idade.
A primeira TV fechada que assinei foi a TVA. Tinha acesso por ela à TV pública portuguesa, a RTP. Impressionavam-me as apresentadoras de telejornais idosas. Estranhei, no início. Nas madrugadas assistia noticiários da África portuguesa e, de novo, curtia o saudável amadorismo dos telejornais. Depois mudei para a SKY e à disposição havia o SIC, canal que replica a Globo.
Aqui é diferente. Homens podem apresentar telejornais até ficarem gagás. Mulheres, não.