Alfredo Medeiros chegara ao Bairro
há muitos anos. Aos 53, era casado com Lúcia, morena constantemente homenageada pela garotada do Bairro.
Não havia mulher mais gostosa do que ela. Não pra nós. Quarenta e poucos anos,
enlouquecia os espadas. Era atração turística.
Estava com Alfredo há 23 anos, casada há 21. Não sentia mais por ele
qualquer tipo de paixão. Movia-lhe o volúvel coração, muito de vez em quando,
carinho e respeito. Não tinha caído no mundo por causa das filhas. Para sacudir
a rotina, de tempos em tempos, se ligava em alguém. Namorava, saía, se
apaixonava, trepava, até que enjoava e voltava a viver seu papel de esposa.
Alfredo, corno manso, sabia das aventuras da mulher, mas se fazia de besta.
Alfredo conheceu Lúcia quando estava no esplendor da beleza. (Se
ela, no passado, conhecera o esplendor, em que estado vivia agora. Como aquela
deusa pudera ter sido mais bela?)
Alfredo, que nunca fora chegado a escolas de samba, atendeu o
convite de uns amigos e foi ao ensaio da agremiação do Bairro. Tinha ganhado
uma bolada no jogo do bicho e estava, qual um Romário, bancando a mesa dos
deitões. Lúcia chegou com um grupo. Não foi por dinheiro que ela se aproximou
dele. Ele logo disse que era motorista de ônibus e que a muita grana era só
aquela noite. Ela confessou depois a ele que, naquela noite, o que a
impressionara fora o pouco apego dele ao dinheiro. Alfredo convidou-a para irem
a um cinema, no dia seguinte. Ainda ouviu um moleque sacaneando sua rainha:
“Vai sair com o coroa?” Saíram aquela e muitas outras vezes. Um ano depois
estavam casados.
Quando Lúcia viu Alfredo pela primeira vez não se impressionou.
Estava com Manelzinho,
o fodão do Bairro. Era alucinada por ele. A homarada não entendia o segredo que
Manelzinho escondia. O velho humorista Zé Trindade diria: “Tem borogodó”. E
tinha mesmo. Já passara o taco nas mais cobiçadas buças do lugar. E parecia que
o comilão sabia que ia morrer cedo. Queria todas, ao mesmo tempo. Até que um
dia um marido pouco afeito a ornamentos o desencarnou à porrada. Mas isto é
outra história. O que nos interessa é que Lúcia estava de quatro pelo cara, mas
tinha dignidade. Cansou-se das chifradas. Sentou-se à mesa, começou o papo com
Alfredo e logo estava aceitando convite para ir ao cinema com o motorista.
Manelzinho era um livre trepador, estava pouco preocupado com
exclusividade, entendia que a qualquer momento teria a morena de volta.
Insistiu, cercou, atacou, mas nossa rainha resistiu. Não sem esforço, porque
louquinha para dar pro filho da puta ela estava, mas Alfredo era tão gente boa,
a tratava com tanta consideração. Não merecia que ela o sacaneasse. Não com o
galinha do Manelzinho. Foi fiel por cinco anos. Quando soube do assassinato de
Manelzinho, sentiu-se livre para experimentar outros cacetes. E experimentou.