quinta-feira, abril 26, 2012

A GOSTOSA DO BAIRRO



Alfredo Medeiros chegara ao Bairro há muitos anos. Aos 53, era casado com Lúcia, morena constantemente homenageada pela garotada do Bairro. Não havia mulher mais gostosa do que ela. Não pra nós. Quarenta e poucos anos, enlouquecia os espadas. Era atração turística.
Estava com Alfredo há 23 anos, casada há 21. Não sentia mais por ele qualquer tipo de paixão. Movia-lhe o volúvel coração, muito de vez em quando, carinho e respeito. Não tinha caído no mundo por causa das filhas. Para sacudir a rotina, de tempos em tempos, se ligava em alguém. Namorava, saía, se apaixonava, trepava, até que enjoava e voltava a viver seu papel de esposa. Alfredo, corno manso, sabia das aventuras da mulher, mas se fazia de besta.
Alfredo conheceu Lúcia quando estava no esplendor da beleza. (Se ela, no passado, conhecera o esplendor, em que estado vivia agora. Como aquela deusa pudera ter sido mais bela?)
Alfredo, que nunca fora chegado a escolas de samba, atendeu o convite de uns amigos e foi ao ensaio da agremiação do Bairro. Tinha ganhado uma bolada no jogo do bicho e estava, qual um Romário, bancando a mesa dos deitões. Lúcia chegou com um grupo. Não foi por dinheiro que ela se aproximou dele. Ele logo disse que era motorista de ônibus e que a muita grana era só aquela noite. Ela confessou depois a ele que, naquela noite, o que a impressionara fora o pouco apego dele ao dinheiro. Alfredo convidou-a para irem a um cinema, no dia seguinte. Ainda ouviu um moleque sacaneando sua rainha: “Vai sair com o coroa?” Saíram aquela e muitas outras vezes. Um ano depois estavam casados.
Quando Lúcia viu Alfredo pela primeira vez não se impressionou. Estava com Manelzinho, o fodão do Bairro. Era alucinada por ele. A homarada não entendia o segredo que Manelzinho escondia. O velho humorista Zé Trindade diria: “Tem borogodó”. E tinha mesmo. Já passara o taco nas mais cobiçadas buças do lugar. E parecia que o comilão sabia que ia morrer cedo. Queria todas, ao mesmo tempo. Até que um dia um marido pouco afeito a ornamentos o desencarnou à porrada. Mas isto é outra história. O que nos interessa é que Lúcia estava de quatro pelo cara, mas tinha dignidade. Cansou-se das chifradas. Sentou-se à mesa, começou o papo com Alfredo e logo estava aceitando convite para ir ao cinema com o motorista.
Manelzinho era um livre trepador, estava pouco preocupado com exclusividade, entendia que a qualquer momento teria a morena de volta. Insistiu, cercou, atacou, mas nossa rainha resistiu. Não sem esforço, porque louquinha para dar pro filho da puta ela estava, mas Alfredo era tão gente boa, a tratava com tanta consideração. Não merecia que ela o sacaneasse. Não com o galinha do Manelzinho. Foi fiel por cinco anos. Quando soube do assassinato de Manelzinho, sentiu-se livre para experimentar outros cacetes. E experimentou.

terça-feira, abril 24, 2012

VOLANTE DE CONTENÇÃO




Aos 22 anos, tenho a sensação de ter vivido uma vida inteira. Uma vida que não queria para mim. Nasci aqui no Bairro, na Rua de Baixo. Desde moleque fui muito popular. Jogava pra cacete. Ainda jogo. Clássico, diziam os coroas que me viam no campinho, na rua. Era volante. Volante de contenção. Os expertos exigiam que fosse meia. Não fiquei no Botafogo por causa disso: o técnico queria que jogasse mais avançado. Sou volante de contenção, cabeça de área.
A beleza do futebol é o desarme. É tirar o pão da boca. É ver o babaca do atacante achar que vai meter na rede e você, na moral, roubar-lhe a bola. A diferença entre mim e os manés é que eu não só tirava a bola como dava seguimento à jogada.
O desarme é jogada de excelência quando seguido por uma ligação rápida com o ataque. Meu ídolo no futebol jamais chegou a um time grande, por diversos motivos, o mais grave deles: o alcoolismo. Laudelino entornava. Era um Clodoaldo mamado. Em um jogo no campo do Atlas, perto dos 40 anos, magérrimo, o vi fazer coisas pelo Polígono, seu time, que, puta que pariu! Minha mãe, que me dava a maior força, não entendia minha admiração: “Seu ídolo é um cachaceiro”. Bom, mãe não entende porra nenhuma de futebol.
Sempre tive princípios. Sonhei jogar pelo meu Botafogo a vida toda. O dinheiro que ganharia no clube seria mais do que suficiente. Volante, no Botafogo, e casado com Marivone. Não precisava de mais nada na vida. Tomei na bunda.
Meu casamento com Marivone acabou muito mais rapidamente do que pensei. Se fosse um cara mais flexível, aceitaria as desculpas dela. Ela teve razão em me cornear, mas homem não costuma aceitar essas paradas. Ainda mais que a vadia era a maior rata de igreja. Ela veio com aqueles papinhos de a carne é fraca, estava fragilizada, eu não dava atenção, só pensava em trabalhar. A gente estava num período difícil, mas sou cara das antigas. Essas coisas não se perdoam. Eu, não.
Conheci Marivone, eu com 15 e ela, 13 anos. Foi a primeira mulher que beijei. Nem digo comer, é beijar, mesmo. Caraio, tinha uma pá de mina querendo me dar e eu nunca tive momento de fraqueza, crise. Acho que é por isso que não perdoo. Volante de contenção é foda.
Aos 16, transamos. Tudo cercado do maior cuidado. Foi a época que deixei o Botafogo. Só pensava em Marivone. Sentia um ciúme louco dela. E os caras cercavam sem piedade. Ela era linda. Era, não: é.
O técnico sempre me dizendo: “Você é habilidoso demais pra jogar aí atrás”. Um porrão de empresários na minha cola. Minha mãe embarreirando. Treino físico. Corre pra cá, corre pra lá. Adorava futebol, mas resolvi que não queria ser profissional. Burrada de moleque. Naquela época eu queria Marivone, que também me queria.
O pai dela me arranjou um bico na empresa em que ele trabalhava. Aos 19, era motorista de ônibus. Marivone deu a ideia: “Vamos casar, depois as coisas melhoram”. Casamos, mas nada melhorou.