sábado, agosto 29, 2015

A INDECÊNCIA


- Jurema, querida, como vai?
- Ótima. Vamos tomar uma cerveja. Este calor tá de matar.
- A Cátia casou?
- Marina, numa boa, não quero falar nisso. A Cátia me contrariou demais com esse casamento.
- Por quê? Eu conheço o menino. É trabalhador, estudioso, ótimo filho.
- Advogado. Está com quase 30 anos e ainda não chegou a lugar algum. E nem vai chegar. Não tem ambição. Minha filha mais bonita, 22 anos. Eu estava com dois carinhas engatilhados pra ela.
- Você deu a maior força pra Carla e não deu em nada.
- Como não. A Carla está com 29 anos. Do casamento, levou dois apartamentos, dois filhos e uma pensão de R$ 20 mil. Mora na Barra, tem carro do ano, o que você queria? A Carla é a mais velha, eu não tinha experiência. E, sinceramente, minha filha nem é tão bonita...
- Jurema, beleza não é tudo.
- O ex-marido era um idiota. Por acaso, um excelente jogador de futebol. A Carla começou a namorar com ele aos 18 anos. Garoto daqui. Feinho, burrinho, mas bom de bola.
- Você não interferiu no romance deles.
- Claro que sim. Vi o potencial dele. Estimulei-o. Ele quis desistir. Queria ser DJ. Carla quis terminar. Se encantou com um bonitinho da escola. Eu disse, deixe de ser burra, esse cara vai longe. Talentoso, sem família para sugá-lo. Nós o sugaríamos.
- Ele está meio sumido.
- Começou no Vasco, foi pro Benfica, Sevilha. Quando voltou pro Vasco ele e a menina já estavam em crise. Disse pra ela, sai fora. Você já está com a vida feita. Agora, está no futebol grego. Baladeiro, cheirador. Começou com isso em Portugal.
- A Camila ainda está casada?
- Essa é a mais esperta. Conheceu o marido por intermédio do Thiago Emmanuel, o marido da Carla. Deu uma direção na vida dele. O Diogo Ricardo jogava no Madureira. Um volante durão. Também fui eu que incentivei. Em vez de namorar esses bundões, fica com ele. Veja onde ele vai. Segura um ano. Ela me ouviu. Namorou, fez jogo duro. Ele era louco por ela. Ainda é. Passou pelo Flamengo, ficou um tempo no Grêmio. Lá, eles veneram volantes. Está até hoje no Galatasaray. É ídolo. Camila gerencia a carreira dele. São felizes. Ele é apaixonado por ela. Ela adora dinheiro. É a filha que mais se parece comigo.
- E a menorzinha, a Catarina? Já fez 15?
- Vai fazer 13. A vida dela eu quero planejar melhor. Carla e Camila se deram bem, eu interferi, orientei, ajudei, mas acabou ficando por conta do acaso. O resultado será o futuro fracasso do casamento da Cátia.
- Mas ela ama o marido.
- E ele a ama. Basta um amar e o outro cuidar da caixa registradora. Amor não faz casamento feliz, no máximo, mantém duas pessoas juntas por falta de opção. Dinheiro, sim, une. E é afrodisíaco. Casal com dinheiro está sempre com tesão, mesmo que não seja um pelo outro.
- O acaso aparece. Não há como evitar.
- Concordo, mas podemos minimizá-lo. Quero minha caçula em uma vida feliz. Vida feliz para mim é vida confortável. Boa casa, bons carros, dinheiro à disposição e filhos para garantirem uma boa pensão se o casamento desmoronar.
- Ela só tem 13 anos, Jurema.
- Está em plena tsunami hormonal. Vou me abrir com você. Somos amigas. Tenho frequentado escolinhas de futebol. Olho a garotada jogando. Estou monitorando três meninos. Bons de bola, sem famílias ávidas... Futurosos. Catarina vai fazer umas correções físicas em Miami. Camila está investindo nela. Contratou Ernesto Gonzalez, o cara que fabrica as misses na Venezuela. Ele garante que umas poucas intervenções a transformarão em uma deusa aos 16 anos.
- Jurema, isso é indecente, me desculpe.
- Indecente é viver na merda como você. Essas três cervejas, esses sanduíches que comemos, quem vai pagar?
- ...
- É isso aí. Indecente é nunca ter dinheiro para pagar as despesas no boteco da esquina.