terça-feira, março 22, 2016

CRAQUE DO FUTURO


Borges precisava tratar de um assunto sério e sigiloso com o amigão de todas as horas, Inácio. Ambos envolvidos no rendoso negócio do futebol, eram bons amigos, mas dinheiro, sacumé.
O diretor do clube o chamou:
– Borges, está tudo certo com o Conselho. Não pode vazar.
– E o Conselho? Você confia em todo mundo?
– Não falei com todo mundo. Só com aqueles que tenho no bolso.
Borges, autorizado, conversou com seu atleta.
– Fica mais um ano por aqui. Em dezembro a gente vê sua saída prum time de responsa. As conversas com o Paris Saint-Germain estão alinhavadas.
O garoto confiava nele.
– Só pode vazar depois de tudo acertado. Não quero ficar com o pau na mão.
A conversa de Lula com Dilma estava no noticiário. Grampo, escuta telefônica... Legal, ilegal... Borges assistia ao Fantástico e suas câmeras escondidas.
– Inácio, vamos almoçar? Lembrar os velhos tempos. Sabe que a Soninha está chegando de Portugal? Daqui a meia hora mando um táxi pra te pegar.
No táxi, Inácio se preocupou com a viagem longa.
– Onde vamos? Pegou a ponte.
– Maricá. Tem um restaurante fuderoso, lá.
Inácio apreciou a paisagem. Outono com solzão de verão. Em Maricá seguiram para uma praia erma. No carro, não trataram do assunto que conversariam. O carro parou na beira da praia. Em volta, ninguém.
– Borges, tô assustado.
– Vai ficar mais. Tire toda a sua roupa. Se quiser, fique de cueca. Vamos pro mar.
– Você resolve. Conversamos no mar ou retornamos.
– Vamos lá.
A água estava agradável. Borges chegou a dar uns mergulhos antes de ir direto ao ponto.
– Desculpe-me pelo local. Confio em você, mas está tudo confuso. Esse papo não pode vazar. Se vazar, eu nego. Aí não quero ouvir gravações feitas na encolha. É meu meio de vida. O importante: o Jeferson Eduardo de Aragão Barbosa aceitou a proposta do Flamengo. A diretoria vai dar uma esperneada, fingir que resiste para não contrariar muito à torcida, mas concordará.
– Um registro: babaquice esse negócio de nu na praia. Não sou político, porra. O menino é uma joia, você sabe.
– Sem nhenhenhem. A culpa vai cair nas costas do presidente anterior que estabeleceu multa rescisória baixa. O atual dirá que estava vendo isso quando foi traído pelo clube co-irmão. Vai ameaçar entrar na Justiça e aquela bobeirada toda.
– Não acreditei que o Vasco venderia. As exigências são aquelas?
– O Flamengo vendendo, o "Vasco" leva por fora, o garoto, eu e você.
– E o nome?
– Ele faz questão do nome inteiro. Até as rádios estão atendendo o pedido dele.
– "Jeferson Eduardo de Aragão Barbosa recebeu a bola, deslocou-se pela lateral, passou para Nenê que, de primeira, devolveu. Jeferson Eduardo de Aragão Barbosa recebeu na frente, driblou o zagueiro e... Gol, goool de Jeferson Eduardo de Aragão Barbosa." Os caras sacaneiam.
– Ele não vai se não usarem o nome todo. Na camisa, inclusive.
– Eduardo de Aragão, que tal?
– Tem muito jogador com dois nomes: Thiago Silva, Thiago Motta, Renato Augusto, Eduardo Augusto. Ele é diferenciado. Palavras dele.
– Borges, muita gente acha que empresário de jogador ganha muito. Mas é dinheiro merecido. Aturar esses malas...

– Inácio, há profissões piores... e malas maiores. 

segunda-feira, março 14, 2016

A QUALQUER PREÇO

A pobreza. A maioria é pobre do nascimento à morte. Uns se conformam, não têm forças para vencê-la. Outros a vencem por reunirem dois atributos: vontade e falta de caráter.
Douglas nasceu pobre. Filho de viúva, três irmãs mais velhas, distraía-se estudando. Sabia que não seria pobre a vida toda.
Bonitão, aprendeu a conhecer as mulheres observando as irmãs. A mãe, não. A mãe era da antiga. O pai morreu, morreram todos os homens. Já as irmãs, eram do balacobaco. Gostavam tanto de sacanagem que logo arrumaram filhos, perderam o viço e seguiram na merda.
Douglas casou-se com uma jovem classe média. O sogrão o ajudou. Colocou para trabalhar na empresa da família, uma construtora. Só exigiu que ele estudasse. Ele se jogou em uma faculdade particular, virou administrador e abriu o próprio negócio.
Um dia, tomando uma cerva com os amigos, teve uma iluminação. "Esta mulher com quem estou nada mais tem a me oferecer. Não temos filhos. Ambos somos jovens e belos. Podemos reconstruir nossas vidas. Preciso ter mais dinheiro do que tenho hoje".
Adalgisa nasceu rica. Filha de advogado abonado. Morou, no final da adolescência, em Portland, no Oregon, EUA. Ela adorava. Cidade de clima frio.
Aos 20 precisou voltar para o Brasil. O pai tinha planos para ela. Deixou um amor na outra América, mas, obediente, voltou.
Em um batizado, conheceu Douglas. Pena que era casado. Gostou dele. Foram apresentados, conversaram.
Douglas, dois meses depois, ligou pra ela. Encontraram-se. Ele lhe disse que o casamento dele acabou no momento que a conhecera. Já estava separado da mulher. Se ela desse uma chance a ele... Ela deu.
Quando Douglas chegou no batizado da filhinha da prima da mulher, estava irritado. Programa de família. Conversa vai, conversa vem e um linguarudo apontou Adalgisa. "Aquela moreninha linda lá no canto é filha do dr. Tubarão". Douglas olhou e quis confirmar: "Dr. Tubarão, o advogado? O dr. Anacleto Tubarão?" A língua garantiu. "Adalgisa Tubarão. Linda, riquíssima e quase santa. Religiosíssima." Douglas teve outra iluminação.
Douglas conquistava sogros com facilidade. "Quero netos", exigiu o dr. Tubarão. Douglas e Adalgisa deram dois para o velho. E Douglas pensou que a vida era boa com ele. Muito dinheiro, uma mulher belíssima e inocente, filhos... Sua empresa não ia lá das pernas, mas o sogro, mesmo descontada a pensão da ex-mulher, defecava dinheiro.
O velho, que nem era tão velho assim, 58 anos, teve um piripaque e morreu. A vida é cheia de surpresas, dizia o filósofo. Depois da porradaria entre os sócios, a viúva e filhos que apareceram, sobrou bastante dinheiro. Menos, no entanto, do que todos esperavam. Descobriu-se que o tubarão era mesmo matador. E matava sem camisinha.
Adalgisa ficou com o dúplex na Barra, dois carros, participação no escritório de advocacia, um sítio em Petrópolis e a casa em Portland. Com o desmonte de sua empresa, Douglas, ano após ano via seu patrimônio pessoal despencar. Teve ótima ideia para um negócio. Conversou com a mulher. "Venda o sítio, me empreste um dinheiro e logo multiplico esse capital". Adalgisa foi irredutível: "Não me desfaço de patrimônio. Papai deixou pra mim". A discussão esquentou, Douglas descontrolou-se, agrediu a mulher e ela deu parte dele na delegacia. Uns dias depois, Adalgisa pegou as crianças e partiu para Portland. "Vou dar um tempo", ela disse. E foi.
Douglas ainda estava pasmo com a reviravolta em sua vida. Tudo se encaminhava tão bem.
Um dia Adalgisa ligou e disse que estava voltando ao Brasil. Queria conversar. Madura, bonita, firme, anunciou: "Vou me divorciar. Assim que o divórcio sair me casarei com Terence, meu amor americano".
Douglas, estupefato: "Que amor americano?"
Adalgisa, serena: "Namorei Terence na adolescência. Meu pai atrapalhou. Retomamos de onde paramos."
"Mas, e as crianças? Temos dois filhos. Tenho direitos", indignou-se Douglas.
"Bom saber que você se preocupa com eles. Vou deixá-los para você. O apartamento, o sítio e os carros, também. Terence faz questão que comecemos do zero", explicou Adalgisa.
Douglas percebeu a iluminação. As crianças eram pré-adolescentes. Se viravam bem sozinhas. Venderia o dúplex, os carros, o sítio, tentaria arrancar mais algum dinheiro da mulher e se manteria mais longe de onde veio: a pobreza.
Aos quarenta e poucos, apesar dos filhos, conseguiria se erguer, nem que fosse se casando com uma mulher mais velha e com dinheiro. Até já tinha uma em vista. A imagem de pai abandonado com filhos o ajudaria.

Não voltaria a ser pobre. Não, por enquanto.