segunda-feira, setembro 03, 2018

HOLOGRAMAS



Na década de 70 do século passado nenhum grupo vendeu mais discos, globalmente, do que o ABBA. Os suecos ganharam o mundo a partir de 1974. Em 1982, encerraram a carreira. Desentendimentos internos foram a causa da separação do grupo.
Em 2008, Mamma mia chegou aos cinemas. Adaptação de uma peça teatral. O filme, um musical, fez grande sucesso e ganhou uma continuação, agora, em 2018. A trilha sonora é toda composta de antigos sucessos do ABBA.
2018 chegou e como dinheiro não faz mal a ninguém, o ABBA voltou. 35 anos depois de se aposentarem, retornaram. Há promessa de duas músicas inéditas e uma turnê virtual em 2019. A empresária do grupo explica que toda a turnê será apresentada por hologramas: “Devemos nos lembrar deles como eram nos anos 70 e escutar como eles cantam hoje em dia.”
Benny Anderson, um dos integrantes do ABBA, falou sobre o assunto: “É perfeito! Podemos estar no palco enquanto estarei em casa, passeando com os cães. Se isso realmente funcionar, haverá muitos artistas querendo fazer o mesmo, até muitos artistas jovens e que estão atualmente em turnê”.
O primeiro grupo holográfico da música, no entanto, não será o ABBA. A primazia cabe ao Milli Vanilli.
No final dos anos 80, dois negões europeus fashion estouraram nas paradas. Chegaram aos EUA, ganharam um Grammy como revelações e logo depois foram desmascarados. Os dois Milli Vannili eram bonitões, requebravam bem e se vestiam de acordo com a moda da época. Por trás dos Milli formosos, que fingiam cantar, havia, claro, os Milli que cantavam de verdade. Estes tinham um grave defeito: eram feios.
A verdade veio à tona, os feios tomaram a direção do grupo e jamais emplacaram um sucesso. Os hologramas venceram.
O ABBA quer esconder sua velhice.
Os Milli disfarçaram a feiura dos verdadeiros artistas.
Assustador é achar natural hologramas se apresentarem no lugar de pessoas reais.
Em 1998, Damon Albarn e Jamie Hewlett criaram o Gorillaz. Albarn tem sólida carreira à frente do Blur. Hewlett é prestigiado criador de quadrinhos. Pelo Gorillaz já passaram diversos músicos e cantores.
O grupo tem história virtual rica e intensa. No último disco, um dos componentes virtuais foi substituído. Cometeu um crime e foi preso.
O Gorillaz não são hologramas. São parte de um projeto artístico muito criativo. Os que dão vida ao grupo, os artistas do mundo real, estão por aí fazendo música e arte em outros lugares.
O ABBA se repete e suga o som que produziram no passado. Não querem ter o trabalho nem de subir ao palco para cantarem.
O Milli Vanilli foi uma fraude. Eram hologramas de si mesmos.
O Gorillaz é um projeto sincero, criado por artistas de verdade.
ABBA e Mlli Vanilli escamoteiam a verdade. O ABBA de hoje, o Milli de sempre. O Gorillaz “inventa” a verdade.
Torço para a turnê do ABBA ser um fracasso. Mas isso pode ser reacionarismo deste velho.

sábado, maio 19, 2018

CARA DURA



Uma revelação bombástica para alguns dos meus 200 parceiros feicebuquianos: evangélicos não encaram o mundo de forma igual. Somos diferentes entre nós e muitas vezes sinto o desejo de mandar se foder quem põe no mesmo saco todos os evangélicos. Só um exemplo: sou evangélico, mas garanto que não é bem visto entre meus irmãos de fé mandar alguém se foder. Eu mando, habitualmente.
Assisti ao papo furado na GloboNews sobre o casamento da fofíssima Meghan Markle com o príncipe vermelho. O sermão do episcopal afrodescendente norte-americano, convidado por Meghan, foi muito elogiado pelo grupo que comentava os diversos aspectos da cerimônia, principalmente pela menção a Martin Luther King. Um dos comentaristas fez um reparo, exatamente o reverendo episcopal convidado para falar sobre liturgia. Ele disse que, a não ser pela menção a King, todo o sermão era reprodução de um que ele ouvira há semanas. Um plágio, portanto. Risos sem graça da turma e outro assunto entrou em pauta.
Há anos perdi todo o respeito por um pastor. Depois de ouvi-lo pregar um sermão sob o tema “Cansados de fazer o bem” e ficar muito impressionado, me decepcionei ao encontrar o sermão, na íntegra, em livro de Martyn Lloyd-Jones, morto em 1981. Lloyd-Jones foi teólogo protestante, calvinista, de origem galesa e por quase 30 anos foi ministro da Capela de Westminster, em Londres.
Pregar o sermão alheio sem mencionar o outro era vergonhoso. Havia até os pastores que não achavam muito correto repetir os próprios sermões em ocasiões diferentes.
O pastor Hélcio Lessa, já aposentado na época, pregou na IB Itacuruçá baseado no texto de Romanos 12.2: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito.” Entre suas ouvintes, uma muito atenta: minha querida esposa, Rosangela.
Dois anos depois, o pr. Lessa estava na pequena PIB do Recreio (hoje, enorme). Pregou o mesmo sermão de dois anos antes. Na volta para casa, voltamos na mesma carona, com o pr. Wander. Rosangela, sem maldade, virou-se para o pr. Lessa e elogiou o sermão: “Muito bom o sermão, pastor, mas eu gostei mais de quando o senhor o pregou em Itacuruçá”. Imediatamente, Rosangela percebeu a mancada, mas aí...
O pr. Helcio Lessa tinha humor ácido e devolveu: “Moça, o mundo é mesmo pequeno. Como eu iria imaginar que a mesma pessoa que me viu pregar numa catedral estaria, hoje, dois anos depois, nessa igrejinha de fim de mundo?” Todos rimos, menos o Wander, que sentiu a agulhada.
De qualquer forma, ele ficou constrangido por ter cometido autoplágio. Hoje, um pregador lança mão do sermão de outro e o usa em cerimônia de alcance mundial. Se for verdade, no meu mundo isso é um escândalo.