terça-feira, março 27, 2012

CHICO ANYSIO




Chico Anysio foi um gênio.
Aqui de longe, vejo um vacilo na carreira dele. Em determinado momento, ele poderia ter dado um pé no rabo da Globo e partido em busca de novos rumos. Ficou por lá, mesmo esperneando, e o guardaram em uma geladeira tríplex. Deve ter sido duro para ele ter seu humor chamado de velho em contraposição ao “jovem” humor da turma do Casseta. (Alguém, siceramente, acha graça no pessoal do Casseta & Planeta?) Mas ele teve escolha.
Depois de morto, a Globo faz a presepada de sempre: homenagens, homenagens, homenagens. Trata bem dois defuntos (Renato Aragão e Xuxa) e largou de mão um extraclasse que só morreu por esses dias.
E, por favor, não digam que Chico Anysio foi o Chaplin brasileiro. Colonizados, Chico foi muito maior.
Azar dele se comunicar em Português. 

segunda-feira, março 26, 2012

BOM HOMEM


- Jamais esperaria ver você por aqui.
- Por que não? Nunca fomos melhores amigos, mas nos relacionávamos amistosamente.
- Já estou preso há três anos. Nunca recebi visitas. Nem amigos, nem parentes... Ninguém.
- Portinho, o que você fez causou horror no bairro. Ninguém ganha popularidade estuprando uma menina de 14 anos. Ao sair daqui, nem sonhe em aparecer por lá. Tem gente que quer e vai te matar, se tiver chance.
- Aqui dentro também estou jurado. Gente que matou três, quatro; ladrões cruéis; parricidas e matricidas... Todos me querem. Sou a escória. Eu também me acho um merda, mas não me deixo matar.
- Por que você fez o que fez?
- Sei lá. Às vezes, acho que foi doideira. Achei que ela queria dar pra mim. O jeito que  me olhava. Toda hora ia lá em casa. Em vez de falar com a Zildinha, ficava de papo furado comigo. Os namoradinhos, a escola... Porra, e eu com isso? Aqueles olhos. Maior coxão. Corpaço de mulher. Eu evitava ficar perto dela.
- Era amiga de sua filha. Não tem pai, viu em você a figura paterna. O que você fez foi monstruoso.
- Pode até ser, mas eu estava com a maior tara nela. E pensei que ela quisesse jogo. Lembra que nos papos no boteco os caras diziam que tem uma porção de menina que gosta de homens mais velhos... Experiência, sacumé.
- Sua família teve de sair do bairro, tá sabendo? Começou uma conversa de que você violentava sua filha, com a conivência da Glorinha.
- Elas não querem saber de mim com razão. Nunca toquei em minha filha. Glorinha me escalpelaria se eu fizesse isso. Sabe o que mais? Casei com a Glorinha com 22 anos, tenho 44, jamais a traí. A vida inteira me mantive íntegro. Minutos de desvario me desgraçaram e à minha família.
- Portinho, todo mundo tinha a maior consideração por você. A Glorinha é uma mulher bonita, amorosa, todo mundo via. Por que você fez essa merda?
- Amílcar, de repente, cri que aquela menina queria alguma coisa comigo. Impossível uma menina querer transar com um cara mais velho? Uma vez estávamos no boteco: eu, você e o Barros. Você, Amílcar, me disse que em uma ocasião estava tomando umas cervejas no Bambu, na Av. Brasil. Uma menina se aproximou e te ofereceu um programa. Lembra que você falou: "Portinho, o bar estava cheio de garotos e ela veio se oferecer pra mim". Quantos anos tinha a menina, Amílcar? Você me disse, uns 13, 14. E ela escolheu você.
- Portinho, era uma prostituta.
- Cara, não estou me justificando. Vocês saíram do bar e foram para a casa dela. Refresque a memória. Recorda seu constrangimento de passar pela sala da casa dela, com pai, mãe e cachorro vendo televisão? Você foi trepar com a filha deles no quarto ao lado, parede fina de madeira. Você e o Barros gargalharam com a história. O Barros mesmo só pegava menininha.
- Portinho, prostitutas.
- O Barros comia a sobrinha de 16 anos. A mulher dele nunca soube.
- Portinho, foi consensual. A menina nem virgem era mais.
- Eu achei que a menina me queria. Endoidei.
- Portinho, estou me arrependendo de ter vindo.
- Eu, você e Barros somos três filhos da puta. Irônico é que eu, o único que admite, estou enjaulado.
- Você forçou a menina.
- Então, usei o método errado?
- Eu paguei, o Barros seduziu, você estuprou. Não percebe a diferença?
- Não, Amílcar. Somos homens feitos. Elas são meninas. Não quero duvidar da lógica de seu raciocínio. No fundo, sempre sonhei em ser como você e o Barros: estúpido, alienado, egoísta, escroto. Vocês vivem a vida. Fazem merda em cima de merda e ainda têm coragem de meter o dedo na cara dos outros. Mesmo invejando a falta de escrúpulos de vocês, me batia um orgulho de jamais, conscientemente, ter prejudicado alguém. Aí aparece essa menina, eu faço essa merda e descubro que sempre vai me faltar alguma coisa para ser como vocês.

sábado, março 10, 2012

MOEBIUS


A ESPOSA SUBMISSA


No consultório médico lotado, a mãe pede à filha.
- Ligue pro seu pai, pergunte onde ele está trabalhando, hoje.
- Pai, em que escritório o senhor está? Na Rio Branco?
- ...
- A mãe que perguntou. Vou passar o telefone pra ela.
- Oi, amor. Não, querido, não estou pedindo a Natália pra ligar pra você pra te vigiar.
- ...
- Eu estou aqui pertinho, no consultório da drª Lélia. De repente, poderíamos voltar com você.
- ...
- Tudo bem, querido, vou desligar. Não, não faço mais isso, mas não foi pra te vigiar.
Nós, os outros 30 pacientes da célebre oftalmologista, comprimidos na sala, fingimos que não percebemos a esculachada tomada pela madame. Ela, constrangida, se levantou, pegou a filha pela mão e foi embora.

Cariocas falam demais


Carioca fala no celular, em público, como se estivesse em casa, sozinho.
Ônibus cheio, figuraça em pé:
– Mô, to com maior saudade... Liguei pra você mais cedo... Ah, na hora que você ligou de volta não dava pra atender... Fiquei fazendo hora aqui pela Tijuca, só pra te ligar... Quero você, agora... Vou descer do ônibus... Seu marido já foi pra pelada?... Me espere nua.
Eu e os outros passageiros ficamos sem saber qual das peladas foi mais animada.

(Recolhido dentro do 636, em abril de 2002)