segunda-feira, janeiro 24, 2011

DEMOCRACIA



A primeira experiência democrática dentro do Movimento foi um fiasco.
– Vocês podem eleger o próximo líder. Eu, enquanto estiver vivo, governo.
Nariz aceitou a conversa de democracia porque percebeu fraqueza no grupo, descontentamento. Não dava pra ficar matando os descontentes. Treinar mão-de-obra, fazer curso 5S, comprar livrinhos pra distribuir também era muito trabalhoso e dispendioso.
– Mas, aí, nesta reunião aqui, estamos abertos para ouvir queixas, sugestões. Todos os gerentes estão presentes, soldados, fogueteiros... Esta é uma fase de transição. Os que estiverem com a situação regularizada na secretaria do Movimento poderão pleitear qualquer posição no organograma de nossa instituição. Se tiver voto, assume. Em um primeiro momento, somente eu, os membros do Conselho e os gerentes cumpriremos o mandato até que o pútrido braço da morte nos leve. As eleições serão realizadas a cada três meses, por causa da altíssima rotatividade de nossos membros que são enjaulados ou morrem com frequência desestabilizadora. Alguém quer dizer alguma coisa?
– Eu gostaria de encaminhar algumas sugestões para o Conselho. Sugestões baseadas em reivindicações, principalmente, de alguns soldados e fogueteiros.
– Ah, Garganta, só poderia ser você o primeiro a falar. Fale à vontade, mas cuidado para não ferir os sentimentos de ninguém. Lembre-se, são os primeiros passos de nossa democracia.
Garganta esperou Nariz coçar o nariz. Aliás, era Nariz por causa deste cacoete.
– Nariz, gostaria de sugerir que fosse melhorada a qualidade dos armamentos dos soldados. Tem soldado com .38. A quase invasão da semana passada deu-se por causa disso. Está faltando planejamento estratégico. Os fogueteiros estão dispersos. Sugiro um choque de disciplina. Pesa contra nós, também, o fato de não termos ajudado nossos parceiros de comunidade adjacente em momento que precisaram de nós...
Garganta é falador, mas Nariz quando coçava o nariz sofregamente coisa boa não vinha.
– É por isso que relutei quando me falaram nessa porra de democracia. É só dar liberdade que já vem esculacho. Sou um cara sério. E você, Garganta, diz que não ajudei os parceiros, deixei a soldadesca sem equipamento e treinei mal os fogueteiros. Aê, acabou essa merda de democracia, voltou a valer a lei do mais forte. Leva esse puto do Garganta pro microondas. E que ninguém me fale mais em democracia por aqui. Só se for democracia a favor.

sábado, janeiro 15, 2011

PAPO RETO

A morte de Papo Reto me abalou.
Afogou-se nas enchentes. Logo ele, um peixe.
Papo Reto era um perdedor. Ou como manda a norma culta: um loser.
Eu não conheci melhor estofador, mas tinha o grave defeito de não enrolar cliente.
– O sofá é esse. Quanto o senhor cobra e em quanto tempo entrega?
– Compre um novo. Não vale a pena mexer nisso. Na loja a senhora compra novo, do mesmo nível, por preço mais baixo do que o do meu serviço. Mas ponha mais um dinheirinho, estique as prestações e compre coisa melhor, se não, ano que vem, a senhora vai procurar outro estofador.
Sempre ouvia impropérios depois dos diagnósticos. Não enganou ninguém, morreu na merda.
A mulher o deixou depois de três anos de casamento.
– Adorava Papo Reto, mas a sinceridade, a ausência de ambição, o pouco traquejo social. Acho que você é o único cara que sempre gostou dele.
É verdade. Gostava demais de Papo Reto.
Ele trabalhou por uns meses em uma empresa de contabilidade. Manutenia o escritório. Um faz-tudo. Não precisava lidar com pessoas estranhas.
O escritório ficou um brinco. Papo Reto era habilidoso e esmerava-se nas tarefas. A qualidade de seu serviço foi sendo percebida aos poucos. A bunda que se sentava em uma cadeira que já não tinha regulagem de altura, um dia percebia que a cadeira voltara a funcionar. Nos dias de hoje, bunda e cérebro produzem a mesma coisa, mas, mesmo assim, a dona dos dois sabia que Papo Reto andara por ali. Mesas bambas desbambearam, telefones funcionaram, ar-refrigerado refrigerava. Até um computador Papo Reto ressuscitou. O salário miudinho era compensado pela admiração silenciosa dos colegas.
Um final de tarde, o chefe que queria passar nas armas uma funcionária, chamou Papo Reto.
– Dê uma chegadinha na floricultura e pegue uma encomenda para mim. Já está separada.
– Não posso. Está quase no horário de minha saída e estou consertando um vazamento na cozinha. Há outros funcionários que podem fazer isso.
– Ou você vai buscar estas flores ou está na rua?
– Pra comer a lourinha não precisa flores. Ela se contenta em ser a primeira-comida do escritório. O pior é que até gostei de ter trabalhado aqui.
Papo Reto foi morar num cantão de Teresópolis há uns cinco anos.
– Quando chove muito o rio enche. Saio de casa, sento lá do alto pra ver. Coisa linda, Gordo. O rio que é calminho e desce na maciota, se transforma. A gente se entende. Às vezes, também me encho de fúria, mas tenho de me segurar, se não é cana. Mas, aí, é o lugar mais perto do céu que pode haver. Vejo gente umas duas vezes por mês. Quer coisa melhor? Sou eu, os cachorros e os gatos. Quando venho por aqui fico doido pra voltar.
Foi meu último papo com Papo Reto. Eu, ele e Tradição na Laranja Americana, no centro da cidade, há uns dois anos.
Era bom saber que Papo Reto estava por aqui. Ele se foi e deixou uma porção de papos sinuosos por aí. Estes, claro, estão muito bem, vivendo de garganta.

Resolução

Sempre tomamos resoluções em começo de ano.
Decidi apenas uma coisa: manter longe de mim, tanto quanto possível, pessoas desagradáveis.
As desagradáveis que já conheço, nem cumprimento mais.
Se passar por você e não cumprimentá-lo, tenha certeza de que não foi por acaso 

segunda-feira, janeiro 10, 2011

COISA BONITA DE SE VER - Elsa Martinelli

Irrelevância

Os religiosos já começaram a chiar porque Dilma retirou o crucifixo da parede e a Bíblia de cima da mesa?
Chiarão.
Agora, quem conta essas coisas para a imprensa?

Mau

Conheci um cara mau.
Convivi com ele até os 10 anos.
Severino, o Bill.
Uma vez vi-o arremessar um gatinho de poucos dias contra a parede.
Ele me olhou, riu e não entendeu porque nunca mais falei com ele.

Bom passado

Como era bom ouvir o Guns n Roses.
Recomendo o Greatest Hits.

domingo, janeiro 09, 2011

Facinha

Na minha frente, no ônibus, dois adolescentes conversavam.
– Vô nela. Sem problema?
– Se ela tiver a fim...
– Né isso. Você vai se chatear?
– Que papo estranho. Vai nela. Se ela quiser...
– Tô a fim de namorar, não. Só dar uma pegada.
– Aí é sacanagem. Você sabe que tô numa de ficar um tempo com ela.
– Melhor pra você. Dou uma pegada e ela fica liberada.
– Aí, ó, você tá dizendo que a mina é facinha. Cê vai chegar e pegar.
– Ela me dá mole. Só não peguei por nossa amizade.
– Aí, ó, por isso não. A gente não tem mais amizade. Pode pegar, à vera.
O garoto levantou, deu sinal de parada e desceu.
– Ô babaca, você tá duro. Eu paguei sua passagem.
– Foda-se, prefiro ir a pé. Facinha ela não é mesmo.

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Pobreza extrema














Dilma Rousseff afirmou em seu discurso de posse que ao final de seu primeiro período de governo, em 2014, terá erradicado do Brasil a pobreza extrema. Se tiver êxito será a maior presidente da história brasileira. Maior, inclusive, do que o falastrão que a antecedeu.
A pobreza extrema é o horror em estado bruto. Assisti parte de um programa no canal por assinatura Futura sobre a prática do casamento infantil na Etiópia. Famílias que não conseguem sustentar suas filhas, as entregam a partir de 8 anos de idade para homens que com elas se casam. “Quanto mais novas melhores. Ainda não aprenderam as espertezas da vida”, disse um senhor de aparência distinta com sua prenda nas mãos.
No Brasil, por causa da miséria, muitas meninas caem na prostituição, muitas delas agenciadas pela família.
Se Dilma mantiver a palavra, e tudo não tiver sido discurso demagógico, em 2014, se ainda caminhar pela Terra, voto nela. Faço mais: irei às ruas por ela e não vou pedir tetinha para sugar.