sábado, janeiro 28, 2012

MULHER & FILHOS




- É seu filho, do outro lado da rua?
- É. Tá grandão, né.
- Acho que não te viu.
- Fingiu que não viu.
- É a idade.
- Somos estranhos um ao outro. Ele não gosta de mim. Acho que não gosto dele.
- Seu filho, cara. É antinatural.
- Você tem três?
- Amo todos eles. Dou minha vida por meus filhos.
- Seu mais velho tem uns dez?
- Onze, nove e oito. Sou muito parceiro dos meus garotos.
- Sempre fui mais chegado a minha menina. Com o garoto, até ali pelos 12 era legal. Depois, sei lá.
- E com sua filha, você se dá bem?
- Não mais.
- Então, o problema é você.
- Mano, a vida é complicada. Não tem sentido, lógica. Bom provedor, sempre fui. A mulher é dondoca. Queria casar. Casamos. O que ela quis, dei. Sempre atendi a família. Fiz cursos para pais, frequentei terapia de casais quando vivemos uma crise. Trabalhava muito, mas chegava cedo em casa. Procurava acompanhar a vida estudantil das crianças. Às vezes, ficávamos até tarde papeando. Víamos TV juntos, íamos a cinema no fim de semana, jantávamos fora. Amava a mulher, os filhos. Sempre valorizei-a. Nunca a corneei. Dividi tarefas, cuidei da casa sempre que ela precisou. Até a igreja ia com ela. “É importante, querido, que os meninos temam a Deus”, ela dizia.
- Um bom marido?
- Mano, acho que fui. Marido de manual.
- Porra, o que aconteceu?
- Não tenho a menor ideia. De repente, meus filhos não conversavam mais comigo, recusavam-se a sair nos fins de semana. Tudo o que eu dizia era bobagem. “Pai, isso não tem nada a ver”, retrucavam sempre, com ar de desprezo. Mais pra frente nem se davam ao trabalho de me responder. A mulher se bandeou pro lado deles. Não queria mais sair, diálogo quase zero, sexo automático.
- Cara, me desculpe, mas deve estar faltando elemento neste seu relato. Algo desencadeou a série de situações que você me relatou.
- Deve ter acontecido. Jamais descobri o que foi. Busquei o diálogo, procurei ajuda profissional, recebi indiferença de volta.
- O que você vai fazer?
- Já fiz. Há dois anos. Desisti. Aos 42, larguei tudo. Reuni a família e informei que ia embora. A mulher ameaçou espernear. Tranquilizei-a. Avisei que sairia com a roupa do corpo e daria a ela uma boa pensão. Tive a impressão de ver tristeza no rosto da menina. Mas foi só impressão. Sustento os três e não quero saber deles nunca mais.
- Por isso seu filho passou batido.
- Vivo outra vida. Casei, serei pai, novamente.
- É não errar de novo.
- Não errei. Não mais do que erram todos os pais. A nova mulher tem temperamento diferente. Estuda, trabalha, sabe do mundo. A criança, criarei como fiz com os outros. Vou curti-la até os 11, 12... Depois, é loteria.