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É. Tá grandão, né.
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Acho que não te viu.
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Fingiu que não viu.
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É a idade.
- Somos estranhos um ao outro. Ele não gosta de mim. Acho que não gosto
dele.
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Seu filho, cara. É antinatural.
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Você tem três?
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Amo todos eles. Dou minha vida por meus filhos.
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Seu mais velho tem uns dez?
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Onze, nove e oito. Sou muito parceiro dos meus garotos.
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Sempre fui mais chegado a minha menina. Com o garoto, até ali pelos 12 era
legal. Depois, sei lá.
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E com sua filha, você se dá bem?
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Não mais.
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Então, o problema é você.
-
Mano, a vida é complicada. Não tem sentido, lógica. Bom provedor, sempre fui. A
mulher é dondoca. Queria casar. Casamos. O que ela quis, dei. Sempre atendi a
família. Fiz cursos para pais, frequentei terapia de casais quando vivemos uma crise.
Trabalhava muito, mas chegava cedo em casa. Procurava acompanhar a vida
estudantil das crianças. Às vezes, ficávamos até tarde papeando. Víamos TV juntos,
íamos a cinema no fim de semana, jantávamos fora. Amava a mulher, os filhos.
Sempre valorizei-a. Nunca a corneei. Dividi tarefas, cuidei da casa sempre que ela precisou. Até
a igreja ia com ela. “É importante, querido, que os meninos temam a Deus”, ela
dizia.
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Um bom marido?
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Mano, acho que fui. Marido de manual.
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Porra, o que aconteceu?
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Não tenho a menor ideia. De repente, meus filhos não conversavam mais comigo,
recusavam-se a sair nos fins de semana. Tudo o que eu dizia era bobagem. “Pai,
isso não tem nada a ver”, retrucavam sempre, com ar de desprezo. Mais pra
frente nem se davam ao trabalho de me responder. A mulher se bandeou pro lado
deles. Não queria mais sair, diálogo quase zero, sexo automático.
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Cara, me desculpe, mas deve estar faltando elemento neste seu relato. Algo
desencadeou a série de situações que você me relatou.
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Deve ter acontecido. Jamais descobri o que foi. Busquei o diálogo, procurei
ajuda profissional, recebi indiferença de volta.
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O que você vai fazer?
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Já fiz. Há dois anos. Desisti. Aos 42, larguei tudo. Reuni a família e informei
que ia embora. A mulher ameaçou espernear. Tranquilizei-a. Avisei que sairia com a
roupa do corpo e daria a ela uma boa pensão. Tive a impressão de ver tristeza
no rosto da menina. Mas foi só impressão. Sustento os três e não quero saber
deles nunca mais.
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Por isso seu filho passou batido.
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Vivo outra vida. Casei, serei pai, novamente.
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É não errar de novo.
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Não errei. Não mais do que erram todos os pais. A nova mulher tem temperamento
diferente. Estuda, trabalha, sabe do mundo. A criança, criarei como fiz com os
outros. Vou curti-la até os 11, 12... Depois, é loteria.