Quase oito horas. Todo mundo doido pra ir embora, mas sem o boa noite da chefinha, ninguém saía.
- Cadê a chefinha?
- É só você olhar pela janela. Está lá embaixo, no estacionamento, rodeada de figurões.
- Pergunte se podemos ir embora?
- Você tá louco?
Na redação, estávamos em sete. Todos loucos pra ganhar as belas ruas de São Cristóvão, protetor dos motoristas e dos assalariados apressados.
Juju, belíssima e atrevida afrodescendente esperneou:
- Vou gritar aqui de cima e perguntar se dá pra gente se mandar.
O sub lembrou:
- Sei não, a chefinha hoje não tá de bom humor. Quando ela fica um tempão naquele canto da janela, olhando lá pra fora, é bom não abusar. O gaúcho saiu daqui falando fino com o joelhaço que levou.
- Olhando pra fora, não, pra dentro. Não há nada na paisagem de São Cristóvão para se ver.
Eu, lá no meu canto, sentadinho, esperando a chefinha se lembrar de nós, acabei ouvindo:
- Você que é peixe dela podia fazer alguma coisa.
Eu, peixe da chefinha. Aiai, quem me dera. Mas fui mencionado, tive de falar alguma coisa.
- Por que não pegamos os trecos dela, avisamos que estamos descendo, apagamos tudo e vamunessa.
Minha superior imediata (que só se envolvia sentimentalmente com novaiorquinos) não achou a ideia grande coisa, mas tinha um compromisso que parecia bastante promissor. Intempestivamente, levantou-se e, da janela, avisou à chefinha que estávamos saindo e levaríamos seus breguetes.
Bolsa e agasalho na mão, ouviu o aviso do sub:
- Tá esquecendo a Montblanc dela.
Juju, espevitada, pegou a caneta e deixou-a cair no chão.
Comoção na redação.
- Porra, quebrou?
- Meu Deus, ela adora essa caneta.
- Cacilda, e agora? Juju, você entrega e explica o que aconteceu.
- Porra nenhuma. A chefinha é educada, mas se eu mostrar essa caneta quebrada vai me espinafrar lá embaixo, na frente de todo mundo.
- PORRA, quebrou?
- Amassou a pena, a tampa não estava no lugar.
Um inocente sugeriu:
- Vamos fazer um rachuncho e dar uma nova pra ela.
Senti uma fisgada no bolso. Essa turma que usa Bic não tem noção do que é uma Montblanc. Saí do silêncio:
- Dependendo do modelo de Montblanc, vamos ter de deixar o salário em troca da caneta.
A gordinha se assustou:
- Tô fora. Não sei por que vocês têm essa pressa de ir embora. Tenho dinheiro, não.
O sub sentiu que precisava decidir:
- Juju, tampe a caneta, ponha dentro da bolsa, e vamos embora. Passamos rapidamente, damos boa noite e capinamos. Com sorte, ela não mexe nessa caneta, hoje. Em casa, vai deixar a bolsa em algum lugar. Amanhã, quando perceber a caneta quebrada, além de nós, haverá os suspeitos da casa. A chefinha é casada, tem filhos, empregada.
Eu, para conquistar a equipe que ainda me tinha sob observação, prometi:
- Se amanhã ela chegar aqui aborrecida e perguntar alguma coisa, eu mesmo lanço a suspeita sobre a empregada. Direi, “chefinha, provavelmente, sua assistente doméstica deixou cair a bolsa no chão e causou o acidente com a caneta”.
Todos me olharam com ar de reprovação, mas a alternativa era enfrentar a ira da chefinha.
A reunião de pauta do dia seguinte foi tensa, mas para nosso alívio lá estava a chefinha fazendo as anotações com sua Montblanc. Letra redonda, bonita, de quem, pelo menos naquele dia, não daria esporro em ninguém.