sexta-feira, março 27, 2009

A TAXISTA E O PATRIARCA

Entrei no táxi, celular no ouvido. Disse à motorista onde queria ir e encerrei a conversa telefônica. Desancava religiões de um modo geral e a minha, em particular.
A taxista, uma senhora de cerca de 60 anos, virou-se para mim e despejou: “O senhor está certo, religião é coisa muito esquisita”.
Preparei-me para ouvir. Só contrario em conversa os muito chegados. A estranhos, prefiro ouvir. Se a conversa for interessante, ouço mesmo. Se não, ligo o Simpson.
Ela me disse pertencer a uma fraternidade espiritualista esotérica. “Não tem incorporação, médiuns...” Li e esqueci uma reportagem sobre o espiritualismo esotérico. Espiritualismo caça-níqueis como a prática religiosa de 90% das igrejas evangélicas. Valem-se da estupidez humana para mamar leite que jorra sem parar, mesmo de tetas quase secas.
“Tive problemas sérios e precisei falar com o Patriarca. Para chegar a ele temos de passar por seu secretário. Esperei dois meses em vão. Algumas vezes o encontrei no elevador, mas não podia dirigir a palavra a ele. O senhor não acha que isto está errado?”
Claro que acho, mas é parte da cena que a maioria dos líderes religiosos monta. Atribuem-se importância maior do que realmente têm e gente importante, sacumé, está sempre com a agenda lotada.
“Há 40 anos não entro num cinema. Às nove estou no táxi. Paro de trabalhar às duas, três da manhã. Não sou casada. Não tenho filhos. Não tenho amigos. Adoro trabalhar. Isso aqui é minha terapia. Posso conversar. De domingo a domingo estou no táxi, menos terça. Terça vou para a Fraternidade. Fico lá o dia todo. Cumpro todas as minhas obrigações. Quando tenho um problema, não consigo falar com o Patriarca. O senhor acha justo?”
Padres, pastores e pais-de-santo só olham para o próprio umbigo. Recebem, consultam e atendem os que lhes convêm. De longe, esses luminares enganam. Chegue perto e você verá como realmente são. Tem razão o Patriarca de manter os fiéis a distância.
“Todos os dias peço a Jesus para esta ser minha última encarnação. Não quero mais voltar”.
Fique tranquila, minha senhora, não voltará.

RECORTA & COLA - Textos bacanas que saem por aí


INCOERÊNCIA CATÓLICA
Drauzio Varela

Aos colegas de Pernambuco responsáveis pelo abortamento na menina de nove anos, quero dar os parabéns. Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina.
Apesar da ausência de qualquer gesto de solidariedade por parte de nossas associações, conselhos regionais ou federais, estou certo de que lhes presto esta homenagem em nome de milhares de colegas nossos.
Não se deixem abater, é preciso entender as normas da Igreja Católica. Seu compromisso é com a vida depois da morte. Para ela, o sofrimento é purificador: “Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porque vosso será o reino dos céus”, não é o que pregam?
É uma cosmovisão antagônica à da medicina. Nenhum de nós daria tal conselho em lugar de analgésicos para alguém com cólica renal. Nosso compromisso profissional é com a vida terrena, o deles, com a eterna. Enquanto nossos pacientes cobram resultados concretos, os fiéis que os seguem precisam antes morrer para ter o direito de fazê-lo.
Podemos acusar a Igreja Católica de inúmeros equívocos e de crimes contra a humanidade, jamais de incoerência. Incoerentes são os católicos que esperam dela atitudes incompatíveis com os princípios que a regem desde os tempos da Inquisição.
Se os católicos consideram o embrião sagrado, já que a alma se instalaria no instante em que o espermatozóide se esgueira entre os poros da membrana que reveste o óvulo, como podem estranhar que um preIado reaja com agressividade contra a interrupção de uma gravidez, ainda que a vida da mãe estuprada corra perigo extremo?
O arcebispo de Olinda e Recife não cometeu nenhum disparate, agiu em obediência estrita ao Código Penal do Direito Canônico: o cânon 1398 prescreve a excomunhão automática em caso de abortamento.
Por que cobrar a excomunhão do padrasto estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diante dos abusos sexuais contra meninos, perpetrados nos cantos das sacristias e dos colégios religiosos? Além da transferência para outras paróquias, qual a sanção aplicada contra os atos criminosos desses padres que nós, ex-alunos de colégios católicos, testemunhamos?
Não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores.
Em nota à imprensa a respeito do episódio, afirmou Gianfranco Grieco, chefe do Conselho do Vaticano para a Família: “A igreja não pode nunca trair sua posição, que é a de defender a vida, da concepção até seu término natural, mesmo diante de um drama humano tão forte, como o da violência contra uma menina”.
Por que não dizer a esse senhor que tal justificativa ofende a inteligência humana: defender a vida da concepção até a morte? Não seja descarado, senhor Grieco, as cadeias estão lotadas de bandidos cruéis e de assassinos da pior espécie que contam com a complacência piedosa da instituição à qual o senhor pertence.
Os católicos precisam ver a igreja como ela é, aferrada a sua lógica interna, seus princípios medievais, dogmas e cânones. Embora existam sacerdotes dignos de respeito e admiração, defensores dos anseios das pessoas humildes com as quais convivem, a burocracia hierárquica jamais lhes concederá voz ativa.
A esperança de que a instituição um dia adote posturas condizentes com os apelos sociais é vã; a modernização não virá. É ingenuidade esperar por ela.Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos, medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo está em sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, por meio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes.
Não por acaso, no presente episódio manifestaram suas opiniões cautelosas apenas o presidente da República e o ministro da Saúde. Os políticos não ousam afrontar a igreja. O poder dos religiosos não é consequência do conforto espiritual oferecido a seus rebanhos nem de filosofias transcendentais sobre os desígnios do céu e da terra, ele deriva da coação exercida sobre os políticos. Quando a igreja condena a camisinha, o aborto, a pílula, as pesquisas com células-tronco ou o divórcio, não se limita a aconselhar os católicos a segui-la, instituição autoritária que é, mobiliza sua força política desproporcional para impor proibições.

sexta-feira, março 20, 2009

UM FILHO DA PUTA

Há alguns meses conheci um filho da puta.
Velhice à porta, pensei que filhos da puta não me enganassem mais. Imaginei que bastaria alguns minutos de conversa para identificá-los.
Subestimei a capacidade do filho da puta. Tratei-o bem, como um igual. Presenteei-o, elogiei-o, ri com ele.
Alguns dias antes de descobrir que se tratava de um autêntico filho da puta, percebi que não me encarava. Os grandes filhos da puta, os escolados, acabam com você olhando dentro de seus olhos.
Os que estão se iniciando na filho da putice, não. Eles ainda desviam o olhar. Mas é questão de tempo: uma vez na senda da canalhice, não há volta.
Amanhã ou depois, conhecerei um novo filho da puta. Eles são muitos. Nem por isso deixarei de acreditar nas pessoas.
Eu acredito.
Entre filho da puta e babaca, prefiro ser babaca. Não sei bem por que, me sinto melhor.

quinta-feira, março 05, 2009

MOTORISTAS DE TÁXI SÃO BACANAS

Motoristas de táxi têm percepção da temperatura ambiente diferente da dos humanos normais.

Faça sinal para um táxi nesse Rio de Janeiro que torra a 40°C. O ar-condicionado do carro estará desligado, as janelas fechadas e o cara-de-pau atrás do volante se comportará como se fosse taxista na Sibéria.

Obrigatoriamente, o cliente terá de fazer a pergunta: “O ar está funcionando?” O esquimó olhará para você e, em profundo exercício de percepção interior, considerará para si mesmo: “Esse cara é um babaca, vou dizer que o ar está quebrado e que eu estava, ó coincidência, indo pra oficina, agora”. Se ele perceber que você não é otário, mas solidário, dirá: “Está, sim, mas está desligado porque acabei de sair de uma pneumonia e só vim trabalhar para” levar o pão dos inocentes.” Ao sacar que nem otário nem solidário você é e que se não ligar o ar perderá uma corrida, o gelado piloto considerará se vale a pena levá-lo a seu destino. Se valer, enfurecido, ligará o ar. Vingativo, acionará o cedepleier, que logo tocará os maiores sucessos de Tati Quebra-Barracos.

O quadro melhora um pouco se você for cadastrado em uma cooperativa. O táxi será chamado por telefone, você dirá que quer o carro com ar ligado. “Sou norueguês e ainda não me acostumei com o calor do Rio”, você dirá. Faça qualquer sotaque, até de nordestino, o imbecil do outro lado da linha acreditará. Claro que não adiantará.

O retorno da cooperativa não virá. Você ligará, novamente, para saber de seu táxi. O atendente dirá, cínico: “Sr. Fulano, estávamos ligando. Sua viatura é a 345 e o motorista já está na sua porta”. Mentira. Na chuva ou no sol, você espera. Se for uns 15 minutos, é lucro. Dentro do carro, você sente o Rio em seu apogeu. O inferno deve ter essa mesma temperatura.

O homem de gelo ligou o ar segundos antes de você entrar. Não, não reclame. Esse momento é precioso. Em vez de se queixar, dirija à divindade em que crê uma prece, porque, quase certamente, o ar não estará refrigerando.

Sentindo na nuca o bafo quente da ventilação do esporrento aparelho de ar-condicionado, você terá a certeza de que é um babaca e pensará: “Na próxima vez, não admitirei isso”.