quarta-feira, março 17, 2010

DISCAÇO DO MÊS - Heligoland MASSIVE ATTACK


Trip-hop, hip-hop viajandão.
Melancolia, angústia, desconforto.
Muito clima, timbres bacanas.
Atenção para Babel e Splitting the atom.

TRAGO A PESSOA AMADA EM TRÊS DIAS


– Boa tarde! Li no cartaz aí na frente que a senhora traz a pessoa amada em três dias. É verdade?
– Entre, por favor. Sente-se aqui nesta cadeira.
– A senhora faz o que está dito na placa?
– Claro que sim.
– É garantido?
– 100%, não. E nem sempre em três dias.
– Esse é meu medo. Gasto dinheiro, tempo e depois a senhora me diz que não deu certo por algo que fiz errado.
– Não seria correto, ético, falar de colegas que fazem trabalhos de amarração, mas muitas exageram ao afirmar que sempre trarão a pessoa amada em três dias. Prefiro ser sincera, transparente como um bom político.
– A senhora pelo menos tem senso de humor.
– Desculpe-me a brincadeira. Vou explicar ao senhor porque não posso garantir 100% de êxito. Há várias circunstâncias que contribuem para o retorno da pessoa amada. Normalmente, afirmo que há, em condições ideais, 85% de probabilidade de volta da pessoa amada.
– Quais seriam estas condições ideais?
– Explico. A pessoa amada pode nunca tê-lo amado. A pessoa amada pode tê-lo amado e não o amar mais. A pessoa amada pode tê-lo amado e ainda o amar. Nesta última condição é mais fácil trazê-la de volta.
– Se ela me amasse não teria me deixado. A vagabunda me deixou, mas não vivo sem ela.
– Não é tão simples. Ela pode ter ido embora porque não se interessa por você, mas aí cairíamos na primeira situação descrita: ela não o ama mais. Ela pode ter ido embora porque, mesmo o amando, tem outras aspirações, projeto de vida diferente do seu. Ela pode ter ido embora porque você pisou na bola, a enganou com outra mulher. Novamente, neste último caso, é mais fácil trazê-la de volta.
– Traição é menos grave do que projetos diferentes?
– Como disse, não é simples a elaboração dos dados. Há traição e traição. Se for uma escapada fortuita, uma transa com prostituta, é uma coisa. Se for relacionamento, algo mais do que sexo, é outra. A transa tem peso equivalente, talvez menor, aos projetos diferentes. O relacionamento, definitivamente, tem peso maior.
– Caramba!
– O senhor compreende porque não posso garantir a volta com 100% de certeza?
– Bom, eu...
– Somados todos os fatores de cada caso em particular faço uma estimativa que apresento ao cliente.
– Preciso pagar alguma coisa para ter essa estimativa?
– O senhor está vendo este laptop aqui em cima da mesa. Ele não é peça decorativa. Depois de entrevistá-lo, alimentarei o computador com os dados que extrairei de nossa conversa. É trabalhoso. Preciso cobrar para fazer a estimativa.
– Sobre o prazo, são três dias, correto?
– Aproximadamente. Pode ser um pouco mais, um pouco menos. Tudo sempre dependerá dos fatores mencionados. Não posso pôr no cartaz: “Trago a pessoa amada em um, dois, três ou quatro dias”. A linguagem publicitária precisa ser clara, sucinta.
– Pelo que entendi, o computador é que vai me dar o diagnóstico. Ele é que dirá quais as chances de eu ter a pessoa amada de volta e em que prazo.
– Não é bem assim. Se fosse, bastaria ter um computador para fazer o que faço. Graduei-me em Artes Mágicas em Salvador, pós-graduei-me em Porto Príncipe e o mestrado obtive em Atlanta, na Georgia. Uso avançados recursos que a informática proporciona, mas a base do sucesso de minhas previsões está nos dados que insiro na máquina. Colher esses dados exige treinamento e sensibilidade. O setor de informática do Sinvibafe (Sindicato de Videntes, Babalorixás, Feiticeiros e Assemelhados) criou programa muito eficiente e simples de usar. Bem municiado, o diagnóstico é exato.
– Fiquei bem impressionado, mas vou deixar para outra vez.
– Por quê? O senhor tem alguma dúvida?
– Não. Pensei que essas coisas fossem mais simples. Acho melhor procurar um novo amor. A vagabunda me corneou. Não vou usar tanta tecnologia por ela.

MASSACRE

Li em algum lugar:
"Se for necessário, se eu tiver que dar pontapés em Roberto Carlos e Ronaldo, vou fazê-lo, pois serão pontos importantes em disputa. Queremos vencer e jogaremos com tudo, cada partida é uma guerra", afirmou o volante Jorge Brítez, em entrevista concedida nesta segunda-feira à emissora de rádio paraguaia 780 AM.
O massacre anunciado acontecerá na peleja Corínthians X Cerro Porteño.
E ainda me perguntam por que parei com o futebol.

terça-feira, março 16, 2010

EQUÍVOCO


Aos 20 anos, ingressei em uma igreja evangélica. Na mesma época, comecei a trabalhar como revisor de textos no Jornal do Brasil. Os dois episódios me levaram a ver o mundo de forma equivocada.
Na igreja, por duas décadas, ouvi David Malta Nascimento pregar.
Sermões com começo, meio e fim.
Introdução que antecipava o que ouviríamos e, simultaneamente, apresentava visão panorâmica sobre o que seria exposto. No desenvolvimento, o tema era dissecado, o texto bíblico examinado com profundidade e as aplicações para a vida apresentadas com clareza.
A conclusão concluía. Esta frase parece óbvia, mas não é. Basta ouvir pregadores atuais para perceber que a conclusão de suas falas está longe de concluir qualquer coisa.
Revisor no JB, aprendi a dar valor ao texto exato, bem escrito, limpo. Corrigíamos o que repórteres e redatores escreviam e tínhamos nossas correções examinadas por outros revisores.
O texto exato, lógico, subordinado ao que chamávamos norma culta da língua, isso foi o que sempre valorizei e julguei importante. Entendia que o bom profissional precisava saber se expressar de forma inteligível. Como afirmei no início deste texto: estava errado.
Em minha última experiência profissional, fui chefiado por uma figura que não sabia juntar lé com lé e cré com cré. Dono de texto tenebroso e discurso errático, o homem era o CEO da organização. (Se o jumento ler esse texto, e descobrir-se nele, não se ofenderá, ficará felicíssimo por ter sido chamado de CEO.)
No final do ano, Dilma Rousseff será eleita presidente da República. As falas desconexas da futura líder da nação demonstram a confusão mental em que vive, mas isso não importa.
Importa é fazer amigos, ajudar aqui para ser ajudado ali, colar em pessoas que podem favorecê-lo e não ter constrangimento em pisar naqueles que estiverem no seu caminho.
Quando entrei para o JB tinha vaga assegurada no Banerj.
No dia em que fui à igreja pela primeira vez, participava de campeonato de botão e já decidira não ir. Os adversários de jogo resolveram me acompanhar. Na igreja, só eu fiquei.
Se tivesse escolhido o Banerj, se optasse por ficar jogando botão... Bem, aí teria vivido outra vida.
Vaidoso, prezo muito o que aprendi seguindo pela estrada em que o acaso me colocou. No entanto, jamais direi a alguém para seguir por ela. Saber das coisas e ser pobre, é foda.

domingo, março 14, 2010

Ó o Cacique aí, gente

A chuva que afogou o Rio de Janeiro, sábado, 6 de março, está explicada.
Em O Globo, li que a tempestade desabou em um hiato do contrato da Prefeitura com a Fundação Cacique Cobra Coral.
Adelaide Scritori, a médium que incorpora o nobre espírito que, no passado, habitou os corpos de Galileu Galilei e Abraham Lincoln, estava, no dia da borrasca, no Chile, minorando efeitos do terremoto que abalou a nação irmã.
Adelaide é quem tem impedido chuvas e trovoadas no réveillon e carnaval cariocas, desde a época do lunático Cesar Maia. Fez mais: para a conclusão, dentro do prazo, das obras do Pan, providenciou estiagem prolongada. Sem chuvas, as obras foram concluídas em tempo.
Foi ela, também, que conseguiu, em Copenhague, com sua força espiritual, que o Brasil sediasse as Olimpíadas de 2016.
A partir de agora, nós cariocas, podemos ficar tranquilos: a FCCC renovou contrato com a Prefeitura.

quarta-feira, março 03, 2010

O verdadeiro motivo de Dunga não convocar o Gaúcho

http://www.youtube.com/watch?v=EBQ8woVvc4w&NR=1

TAXISTA


Em um mundo perfeito, taxista nasceria mudo.
– Vamos a Inhaúma?
– Vamos lá.
– Tempinho melhorou, né? Aquele calorão...
– Prefiro o calor. Esse tempo... Não tenho dormido legal.
– Mas o friozinho é bom pro sono.
– Acordo sem ar. Acho que estou com apneia do sono. Me levanto e vou pra janela respirar.
– Você precisa ver isso.
– Mais do que eu já vi, meu senhor. Paguei 300 contos prum médico particular. E olha que tenho plano de saúde.
– E não apareceu nada?
– Tenho uma arritmia que me deixa louco. O cardiologista me disse que ela não vai me matar. Me receitou um betabloqueador. Estou tomando há dois anos. Não está adiantando PORRA NENHUMA.
– Calma, meu amigo.
– Ando nervoso, sei disso. Tomo Rivotril em gotas. Durmo mal. Quando me aborreço fico com falta de ar. Já falei pra minha namorada que vou meter um tiro na cabeça.
– Não é solução.
– Porra, sei que não é solução. Há dois anos, em um mês, fui mais de 20 vezes à emergência de hospitais. Saía pra trabalhar e, se estava na Tijuca, pensava nos hospitais das imediações. Vivia achando que ia morrer. Depois que descobri que era hipertenso e fui medicado, melhorei. Agora, se me sinto mal tomo os remédios. O Captopril está acabando. Estou nervoso porque só tomo o do laboratório Medley. Fui a cinco farmácias e não encontrei.
– Não há diferença entre um laboratório e outro.
– Claro que tem. Só me sinto bem com o Captopril da Medley. Ele dissolve melhor na boca.
– Meu amigo, o Captopril tem um gosto horrível. Você pode engoli-lo.
– Sei que posso, mas me sinto melhor chupando-o como bala.
– Bem...
– Acho que o psicológico está me afetando.
– Pode ser.
– Moro na Penha. O apartamento é do meu pai. Desde os 20 anos, vivo lá. Antes morava com minha avó. O senhor sabe que o filho da puta do meu pai, há uns três anos, quis me cobrar aluguel. Fiquei injuriado. Parei de pagar o condomínio. O condomínio foi em cima dele. Ele me mandou pro pau. Peguei um advogado de faculdade e o merda perdeu a causa. Família é foda.
– A minha é pequena: esposa e dois irmãos.
– O senhor é casado?
– Sim.
– Estou com 40 anos, nem casar quis. Tenho uma namoradinha, mas não quero casar. Fui apaixonado por uma mulher. Com ela casaria. Ela não quis. Possuía uns lábios carnudos, uns dentes grandes. Uma beleza exótica. Me excitava demais. Não deu certo. Ano passado, encontrei o irmão dela e ele me disse que ela havia morrido. Não acreditei. Achei que estivesse mentindo para eu não procurá-la mais. Ele me disse onde ela estava enterrada. Todas as vezes que tenho uma corrida para perto do cemitério em que ela está, visito o túmulo. Se ela tivesse querido, com ela casaria.
– Agora é bola pra frente.
– O Brasil fez dois a zero. O senhor acredita que morto se comunica com vivos?
– Comigo nunca nenhum se comunicou. Meu irmão vive vendo fantasma, mas ele é meio doido.
– Não tem nada de doideira. Ouço muitas vozes de pessoas falando comigo aqui no volante.
– É?
– Ontem, estava cansadão. Não queria ir pra casa com medo de passar mal. A voz me disse: “Vá pra casa, você está cansado”. Fui e dormi muito bem.
– Deve ser uma questão de sensibilidade espiritual.
– Quando a mulher que eu amava morreu, essa que falei pro senhor, recebi um aviso. Estava assistindo televisão. De repente, a TV desligou e ouvi: “Eu morri”. Ao mesmo tempo, o interfone tocou. Era minha namorada. Então, não era um aviso?
– Só podia...
– Um passageiro muito espiritualizado me disse que a televisão desligando significava que uma etapa de minha vida se encerrava. Agora, eu deveria cuidar de minha namorada. Achei que era isso mesmo.
– Pode ser. Vou ficar no final da Estrada Velha.
– O senhor tem religião?
– Não.
– Também não. Meu pai é religioso. Um filho da puta. Se perder o recurso vou ter de pagar uma fortuna pra ele.
– Aí nessa esquina tá legal. Bom serviço.
Fora do carro, observei o taxista se afastar, me ajoelhei e chorei. Dessa vez escapei.

segunda-feira, março 01, 2010

DOGUITO

O Gordo é sentimental.
Tem um cachorro que trata a pão-de-ló. Todas as vezes que o Gordo entra em casa precisa recompensar o cão com um doguito. Não só. Se o Gordo come, além de compartilhar o que devora, deve, ao final da refeição, dar outro doguito para o cão. Doguito é maconha de cachorro. O cachorro do Gordo vive doidão.
O Gordo é humano.
Algumas vezes, bem poucas, na verdade, esquece de comprar o doguito. Quando isso acontece, o Gordo fica sem comer. Não aguenta ver o cãozinho viciado esperando o petisco que não virá.
O Gordo não é sociável.
Tem dois, três amigos e entende que está de bom tamanho.
O Gordo não é esportista.
Na comunidade, no final da tarde, tem uma peladinha. O Gordo gosta de sentar-se na tosca arquibancada para ver a garotada jogar.
Dia desses, sentou-se ao seu lado ladrão conhecido na área. O cara não estava ali a trabalho. A bandidagem é chegada ao lazer.
– Ô Gordo, tudo bem?
– Ó! Tá descansando, Ratinho?
– Uma peladinha é legal. Aquele molequinho de short amarelo é o cão.
– Bate um bolão. Logo um clube leva.
– Tá no Botafogo.
– Que você conta de novo?
– Nada, está uma dureza. Até pra quem rouba tá difícil.
– Trabalho, nem pensar?
– Gordo, tenho dois filhos pré-adolescentes.
– E?
– Eles me pedem coisas. Não só comida. Brinquedos, dinheiro, TV de alta definição, roupas...
– Precisa ganhar muito.
– A mãe acostumou mal. A menina quer celular 3G. Nem sei que porra é essa.
– Entendo.
– Você não tem filhos, né?
– Um cachorro. Quase um filho.
– Roubo por causa deles.
– Eu não teria coragem de roubar.
– Uns roubam, outros não têm coragem. Ter filhos não é para covardes.