quarta-feira, março 28, 2007

Coisa bonita de se ver - Ava Gardner

Sou passadista em termos de mulheres.
As mais belas que vi tinham o dobro de minha idade.
Greta Garbo, Audrey Hepburn, Grace Kelly, Sophia Loren, Claudia Cardinale, Tonia Carrero, Ingrid Bergman, Kim Novak, Lauren Bacall, Marlene Dietrich e muitas outras.
Ava Gardner era deslumbrante, mas está aí porque a vi em Mogambo, por esses dias.
No filme também está Grace Kelly. Linda. Mas não é páreo para Ava Gardner.

Carlos

Carlos era casado, sem filhos. Marivone, sua mulher, uma mulata bonita, o amava sinceramente. Pelo menos se casaram por amor. As dificuldades e a vida fizeram o casamento começar a desmoronar.
Carlos nunca se achou merecedor de Marivone. Seu irmão não cansava de lhe dizer:
- A caçamba de seu caminhão é pequena para tanta areia.
Ele também achava isso.
Ciumento sempre fora. Tinha medo de perder Marivone. Achou que se casando com ela a prenderia.
O casamento saiu. Foram morar numa casinha modesta, num bairro distante. Seu irmão foi o padrinho da cerimônia:
- Rapaz, não é que você conseguiu.
Para sustentar o casamento feito às pressas, sem planejamento, Carlos trabalhava muito. O primeiro ano de vida em comum foi uma maravilha. Carlos e Marivone viviam no céu. Apertados financeiramente, mas felizes. Aos domingos ou ia para casa da mãe ou da sogra.
Seu irmão prosperara. Carro do ano, roupas de grife, muito dinheiro: do tráfico.
A mãe fingia não saber. Os irmãos, também. Marivone admirava o progresso do cunhado e nas poucas discussões que tinham, sempre por falta de dinheiro, dizia:
- Por que você não conversa com seu irmão? Ele pode te dar uns toques de como ganhar dinheiro.
Ele sabia como o irmão ganhava dinheiro. Jamais contou para Marivone. Tinha vergonha.
As discussões entre ele e Marivone, antes raras, passaram a ser constantes. Sempre dinheiro.
No final, Marivone o feria:
- Seu irmão está de carro novo, reformou a casa toda.
Parou de visitar a família. Arranjou, para complementar a renda, um serviço de segurança. Trabalhava dia sim, dia não. Quando estava em casa era um bagaço, só queria dormir. O irmão o visitava, de vez em quando.
- Você não aparece mais. Mamãe está com saudades.
Uma noite, trocou o turno com o colega. Esqueceu da troca e foi trabalhar. No trabalho, riu com o amigo, da bobeira.
- Tô de cabeça cheia, esqueci de nossa troca.
Voltou pra casa. Na sua cama, o irmão e Marivone. Ainda ouviu o mano, rindo, falar no ouvido de Marivone:
- Você é muita areia pro caminhão do meu irmãozinho.
Deu meia-volta, foi até o bar do Careca, bebeu até não poder mais. Saiu do bar trocando pernas. Viu-se sem forças. Jogou-se embaixo de um carro.
Antes de morrer, pensou no trabalho que daria para o motorista.

AMARELINHA

A administração do conjunto habitacional em que moro deu uma ajeitada no playground. Brinquedos reformados, escorregador novo, painel com personagens de quadrinhos... Ficou bonito e a criançada adorou. A maior atração, no entanto, é um jogo de amarelinha, pintado no chão com capricho.
Às vezes, passo por lá e vejo uma fila enorme de crianças esperando a vez para jogar amarelinha. A garotada comporta-se como se estivesse em um shopping, aguardando sua hora de brincar.
Estou velho, casmurro, mas não posso deixar de pensar no meu tempo de garoto. Desenhávamos no chão, com giz, nossa amarelinha. Fazíamos garrafão, caracol e qualquer outra coisa que fosse necessária para nos esbaldar.
Não sou saudosista, nem preso ao passado, mas acho que a garotada de hoje só leva vantagem em relação à que foi criança há uns 40 anos, na sacanagem.
Aí, tenho de admitir: éramos uns babacas.

segunda-feira, março 19, 2007

Bicho burro

– Ulisses, de Joyce?
– Isso.
– Rapaz, você só lê tijolo.
– Leitura tem de ser desafiadora.
– Noutro dia era D. Quixote.
– É verdade. Intelectual, sacumé.
– Cara, por que esse amor repentino por literatura?
– Geraldinho, querido, isso aqui não é livro.
– Pô, tô vendo o livro na sua mão.
– Chapinha, já fui assaltado aqui na área um porrilhão de vezes. Já me levaram carteira, celular, relógio... Na última vez, me levaram tudo, menos o livro que carregava. Aí, surgiu a grande idéia: o livro-carteira. Dentro desses livros grossos e ocos carrego meus cartões, dinheiro, documentos, sem temer a bandidagem que, antes de qualquer coisa, é profundamente estúpida.
– Grande sacada.
– Nunca mais fui assaltado. Tenho esse Ulisses, o D. Quixote, um Grande Sertão: Veredas e Os Sertões.
– É só cavucar um livro grosso e andar por aí, tranqüilamente?
– Não é bem assim. Bíblia, não dá. Tem muito ladrão crente. Livro de auto-ajuda, nem pensar. Como já disse: ladrão é bicho burro. Adora ler merda.

quarta-feira, março 14, 2007

Vira-lata

Explicações. Uma das coisas boas de meus dias atuais é que não tenho de explicar nada. Saudades, também não tenho. Algumas lembranças de uns poucos bons momentos em família: mulher, filhos, cachorro... Mas a maior parte do tempo, minha vida anterior era só aporrinhação. Trabalho o dia inteiro, trabalho duro, pesado. Dormia cedo, na hora do jornal das oito já começava a dar cabeçadas. A voz grave do apresentador do jornal era meu acalanto. Antes de amanhecer já estava encarando o trem lotado. Todos os dias as mesmas sacanagens. Jogávamos pedra no pessoal na rua, fazíamos rodinha de carteado, tirávamos sarro da mulherada incauta. Era a melhor parte do meu dia. Minha vida era uma merda.
Explicações. Naqueles tempos teria de explicar o que me aconteceu. Hoje não. Só digo que uma manhã acordei e era um cachorro. Amarelo, cotó, grande, vira-lata. Daquele dia pra cá nunca mais vi meus familiares e, se depender de mim, jamais os verei novamente.

Cliente Cachorro

A nova coqueluche da “literatura” corporativa é Cliente cachorro. Os autores do livro, Daniel O’Shelly e Mary Severin, preconizam que o cliente precisa ser tratado como cachorro. “Tratado assim”, declara Severin, “num primeiro momento ele reage até com alguma agressividade, depois volta com o rabo entre as pernas”. O’Shelly completa o pensamento de Severin: “Normalmente, o cliente nem reage. Ele gosta de ser tratado como cachorro”.
Grandes empresas no Brasil compraram o livro e distribuíram entre seus funcionários que lidam diretamente com o público. A OI, o jornal Estado de S. Paulo, a TVA e a Embratel estão adotando o livro com sucesso retumbante.
“Um cliente telefonou reclamando do nosso telefone, o Livre. Não esperei nem que ele terminasse de falar e disse que se não estivesse satisfeito com nosso serviço que procurasse outra operadora. Ele até me pediu desculpas”, contou uma feliz funcionária da Embratel e leitora entusiasmada de Cliente cachorro.
Sebastião Civitta informou-nos que a adoção dos princípios de Cliente cachorro talvez seja a salvação da TVA, que chafurda no buraco há muito tempo. “Estamos pensando, inclusive, em mudar a forma de nossas funcionárias atenderem o telefone. Em vez de ‘TVA, fulana de tal, em que podemos ajudar?” usaríamos ‘O que você quer, porra’. É mais objetivo e põe o cliente em seu devido lugar”.
Da mesma forma que O monge e o executivo, Cliente cachorro não agradou tanto lá fora. "Tivemos sucesso mediano em alguns países, mas o estouro de vendas foi Brasil e Argentina", informou O'Shelly.

sexta-feira, março 09, 2007

Homofobia

Faz sucesso na mídia o pastor Marcos Gladstone.
Gay assumidíssimo, lidera uma igreja para homossexuais no Centro do Rio de Janeiro, a Comunidade Metropolitana. Para o sítio “NoMínimo”, Gladstone declarou: “As igrejas não podem ser trincheiras da homofobia, pois Deus é amor, não discriminação”.
Está certo.

Por causa dessa notinha publicada na revista Soma, há um babaca que de vez em quando enche meu saco. O cara tem horror a homossexuais e gostaria que eu pensasse e agisse como ele. Não dá.
Gente como esse idiota me fez deixar de acreditar em algo que em minha época de inocência cria: que uma boa conversa resolvia qualquer parada. Não resolve.
Hoje, aos 53 anos, quando alguém pensa diferente de mim, mudo de assunto.

Hienas

“Tenho 17 anos, três filhos que dei e este que está na minha barriga vou dar também. Vivo na rua desde os 11 anos e não quero ir pra casa de jeito nenhum. Aqui é legal.”
Voz rouca de catarro, feia como a miséria, perversamente inocente, a menina conversava com a senhora, antes de levar-lhe o relógio.
Uma dezena de outras crianças, como as hienas, escolhiam na manada os animais mais fracos para atacar.
Andar de 629 é tarefa de destemidos.

Agualusa

José Eduardo Agualusa, angolano de Huambo, é grande escritor, mesmo sendo elogiado por Caetano Veloso. A despeito de Caetano, levem Agualusa a sério.
“Negro e pobre são condições que se confundem no Brasil. Não se criou aqui, como em Angola, uma elite negra”, diz com propriedade para “Época” (13/9/2004).
Outros exemplos da lucidez de Agualusa:
Sobre literatura: “Não há personagem de autor português que não se suicide no final. Os portugueses parecem alguns autores paulistas atuais, soturnos e pessimistas”.
Sobre Lobo Antunes: “O maior escritor lusitano da atualidade chama-se António Lobo Antunes. Ele é difícil em sua linguagem cheia de metáforas, é mesmo exagerado e sombrio, mas, no meio de extensas zonas de sombra, encontram-se golpes luminosos. Só que há poucos portugueses com humor depois de Eça de Queirós”.
Sobre José Saramago: “Ele pode ser um grande escritor. Memorial do Convento é um excelente romance. Mas não gosto dele. Saramago cultiva o niilismo. É um pessimista que não acredita na vida e seus livros são contaminados pelo desencanto. É difícil escrever quando se descrê completamente da vida. Um grande romance deve ser feito com raciocínio, mas também com paixão, as vísceras e o coração”.
Corra a uma boa livraria, compre um livro do homem e deleite-se.

O bom homem

Na fila de táxis do NorteShopping, três homens. Um deles paraplégico.
– A cadeira é muito grande, não cabe no porta-malas do carro – explicou o taxista cheio de má-vontade.
Em outro táxi, o motorista, um senhor de idade, experiente e bondoso, se ofereceu para levar o grupo.
– Vamos dar um jeito de pôr a cadeira de rodas no banco de trás. Vocês dois se apertam. Ele, por causa da limitação dos movimentos, viaja na frente.
O senhor paraplégico, quase da mesma idade do veterano motorista, agradeceu.
– Muito obrigado. Deus lhe pague. Sempre se pode fazer algo por alguém quando há boa vontade.
Uma hora depois o velho taxista estava de volta ao ponto. Cercado pelos colegas, era alvo de impiedosas gozações. Não é todo dia que se é assaltado por um paraplégico.

Cheio de razão

“Dentro da mesma religião haverá mais grupos distintos, com idéias e comportamentos diferentes uns dos outros, principalmente no catolicismo e no protestantismo. Aumentará a competição entre as religiões e os grupos lançarão campanhas de marketing para conquistar fiéis. Nós já vemos um pouco disso hoje, mas com certeza será mais freqüente no futuro”. Alvin Toffler (autor de Choque do futuro e Terceira onda), à revista Veja, de 15 de outubro de 2003.

Papo de surdo e mudo

– O sr. Utahy Caetano dos Santos Filho, por favor.
– É ele...
– Sr. Utahy, aqui é do Carrefour. Constatamos que o senhor está com uma fatura em aberto há mais de 15 dias.
– Senhor, vou estar passando sua ligação para nosso Departamento de Dívidas com mais de 15 Dias em Atraso.
– O quê!?!
– Boa tarde, Departamento de Dívidas com mais de 15 Dias em Atraso. Em que podemos ajudar?
– Não acho, sr. Utahy, que esta seja uma hora apropriada para brincadeiras...
– Por favor, o senhor vai estar dizendo o que deseja?
– O senhor está com seu carnê em atraso há mais de 15 dias. O Carrefour tomará providências.
– O senhor disse Carrefour? Carrefour é supermercado. Aqui é o setor de Dívidas Bancárias. Senhor, aguarde na linha. Vou estar passando a ligação para o Departamento de Dívidas com mais de 15 Dias em Atraso, em nível de supermercado.