quarta-feira, março 28, 2007

Carlos

Carlos era casado, sem filhos. Marivone, sua mulher, uma mulata bonita, o amava sinceramente. Pelo menos se casaram por amor. As dificuldades e a vida fizeram o casamento começar a desmoronar.
Carlos nunca se achou merecedor de Marivone. Seu irmão não cansava de lhe dizer:
- A caçamba de seu caminhão é pequena para tanta areia.
Ele também achava isso.
Ciumento sempre fora. Tinha medo de perder Marivone. Achou que se casando com ela a prenderia.
O casamento saiu. Foram morar numa casinha modesta, num bairro distante. Seu irmão foi o padrinho da cerimônia:
- Rapaz, não é que você conseguiu.
Para sustentar o casamento feito às pressas, sem planejamento, Carlos trabalhava muito. O primeiro ano de vida em comum foi uma maravilha. Carlos e Marivone viviam no céu. Apertados financeiramente, mas felizes. Aos domingos ou ia para casa da mãe ou da sogra.
Seu irmão prosperara. Carro do ano, roupas de grife, muito dinheiro: do tráfico.
A mãe fingia não saber. Os irmãos, também. Marivone admirava o progresso do cunhado e nas poucas discussões que tinham, sempre por falta de dinheiro, dizia:
- Por que você não conversa com seu irmão? Ele pode te dar uns toques de como ganhar dinheiro.
Ele sabia como o irmão ganhava dinheiro. Jamais contou para Marivone. Tinha vergonha.
As discussões entre ele e Marivone, antes raras, passaram a ser constantes. Sempre dinheiro.
No final, Marivone o feria:
- Seu irmão está de carro novo, reformou a casa toda.
Parou de visitar a família. Arranjou, para complementar a renda, um serviço de segurança. Trabalhava dia sim, dia não. Quando estava em casa era um bagaço, só queria dormir. O irmão o visitava, de vez em quando.
- Você não aparece mais. Mamãe está com saudades.
Uma noite, trocou o turno com o colega. Esqueceu da troca e foi trabalhar. No trabalho, riu com o amigo, da bobeira.
- Tô de cabeça cheia, esqueci de nossa troca.
Voltou pra casa. Na sua cama, o irmão e Marivone. Ainda ouviu o mano, rindo, falar no ouvido de Marivone:
- Você é muita areia pro caminhão do meu irmãozinho.
Deu meia-volta, foi até o bar do Careca, bebeu até não poder mais. Saiu do bar trocando pernas. Viu-se sem forças. Jogou-se embaixo de um carro.
Antes de morrer, pensou no trabalho que daria para o motorista.