quinta-feira, maio 28, 2009

RECORTA & COLA - Textos bacanas que saem por aí



DE RATOS E HOMENS
Luiz Felipe Pondé
luiz.ponde@grupofolha.com.br
Folha de S. Paulo, 25/5/2009


Hoje estou no lado negro da força. Dormi mal. Um leitor pergunta: “você é contra a democracia?” Não! Eu?! Mas acho sim que a democracia moderna tem algo de idiota.
Mais do que um conceito, esta ideia é uma sensação, assim como um odor. Digo “idiota” no seguinte sentido: vivemos numa época na qual os idiotas venceram porque descobriram pelo voto que são maioria absoluta. Eles impõem ao mundo sua vida medida pelas estratégias de sucesso e pelo amor opressivo do medíocre – esta nossa face indesejável, estampada em nosso espelho íntimo. Antes de ser senhora do mundo, essa multidão de iguais vivia sua pequena vida, imersa num pessimismo modesto, de quem não tem para onde ir. Hoje, essa praga da vida estratégica e uma deformação em cada rosto.
Assumindo ares de senhores, os idiotas tomam conta do pensamento, construindo um mundo visto pelos olhos de quem só sabe viver contabilizando as vitórias de seu desejo.
Sua religião vira uma “espiritualidade” que crê num universo conspirando a favor de seu sucesso, fazendo do universo um idiota, como ele, só que infinito. Vivesse Kafka hoje, certamente escreveria histórias de medo sobre como a elite intelectual (talvez com face de rato) virou proletária, em busca de carreiras, somando seus pontos, escrevendo artigos para não serem lidos, somando suas mesquinharias, anulando a inteligência em nome do acúmulo.
O idiota faz da ética um divã a serviço de suas utopias de alcova. A modernidade, com sua vocação natural para fluxos administrativos e sistemas organizacionais, deixa o idiota em êxtase.
Criticar a democracia moderna nao implica amar regimes antidemocráticos. Implica, sim, reconhecer que a democracia é, também, em sua intimidade, uma forma específica de desastre.
Proponho o ensaio The masses in representative democracy (as massas na democracia representativa) do filósofo inglês Michael Oakeshott (século 20). Neste ensaio, ele narra o nascimento do anti-indivíduo ou homem massa. A diferença entre o filósofo inglês e o tratamento mais comum dado pelos especialistas ao homem massa é que para Oakeshott a ideia de que todo ser humano venha a ser um indivíduo autônomo é uma lenda Aí está um dos dogmas da democracia modema: todo homem é capaz de ter vida subjetiva válida e de ser “portador” de uma personalidade autônoma.
A sensibilidade democrática moderna, com sua mesquinha paixão pela felicidade, treme diante desta hipótese, apesar do acúmulo de evidências empíricas cotidianas a seu favor. O Renascimento criou a lenda do indivíduo como uma possibilidade aberta a todos, posteriormente concretizada nas revoluções modernas. Para aIém da ideia (comum) de que a sociedade ou a mídia esmaga o indivíduo nascente, Oakeshott duvida da probabilidade mesma de que exista em todos nós um indivíduo possível. O debate supera a mera questão política e adentra o campo da psicologia social e seus mecanismos de construção dos comportamentos. Não se trata·de reduzir a questão à cidadania, mas sim pensar nosso regime naquilo que ele tem de miséria moral.
A tese central de Oakeshott é: um dos grandes motores da democracia moderna é o ódio ao indivíduo e sua obscena capacidade de ser livre de modelos coletivos. Vivia o homem, na idade média, em sua pequena comunidade sem futuro, entre os terrores noturnos e as esperanças religiosas, quando foi despertado pelos sinos do sonho de virar o “senhor de sua alma”, superando seus determinantes sociais. Hamlet e Jó têm alma. Quem apenas quer ser feliz não suporta a sina de ter uma alma.
Os processos “de salvação” sempre esmagaram os indivíduos reais porque a autonomia (substância dos indivíduos de fato) não é irmã da felicidade, não “salva” ninguém. E os idiotas só querem ser felizes. Os totalitarismos do século 20 já foram parte do surto. O anti-indivíduo adora certezas, causas e utopias. Goza sentindo-se parte de um todo.
Perdidos nos escombros de sua vila natal, nosso homem massa se reencontrou na obsessão de grandes coletividades identificadas com um ideal de mundo. A ideia do “bem público” tornou-se seu credo. A verdade é que o homem massa·sempre fala em nome da liberdade, da autonomia, mas ele as detesta, porque teme o inferno que é a alma. As obras de autores como Kierkegaard, Nietzsche e Burckhardt (todos do século 19) são gritos contra esse ódio típico de quem é apenas sombra.

quarta-feira, maio 27, 2009

EM BUSCA DA EXCELÊNCIA

A empresa em que trabalhei me demitiu. Sem problemas, é direito de toda empresa fazer o que bem entende com seus funcionários.
O escritório de contabilidade terceirizado pela empresa que me demitiu cometeu um erro no preenchimento de uma das guias do FGTS.
Três meses depois, estou encalacrado na burocracia da Caixa Econômica Federal, à míngua.
A empresa em que trabalhei por 10 anos, 20% do meu tempo de vida, enquanto busca a excelência, caga e anda solenemente.
O escritório que presta serviço à empresa de ungidos que me demitiu me evita como a um leproso bíblico. E eu caminho, celeremente, para o desespero.
Não sei exatamente o que farei. Se pudesse dar vazão a meus bestiais instintos, já teria feito algo. Apesar de tudo, essas situações são muito instrutivas. Descobrimos com quem podemos contar, os que nenhuma serventia têm se revelam e constatamos que a tal ética cristã anda no ralo.
Mas esses fatos também nos fazem perceber como o pobre está desamparado diante da lei. Em um caso como este que me aflige, a solução seria simples: a empresa que me demitiu deveria ser multada com rigor como castigo por contratar escritório de contabilidade incompetente; o escritório incompetente também levaria chumbo, simplesmente, por ser incompetente e eu receberia meu dinheiro, imediatamente, para poder esquecer toda essa corja.

quarta-feira, maio 20, 2009

Já vai tarde

Tenho uma vizinha de quem gosto muito. É a única.
O marido a trata como uma ratazana.
Filho e neto vivem para escorraçá-la.
Sessenta e poucos anos, vive para os três parasitas.
Uma manhã dessas a vi falando com o marido, preocupada: “Você não está bem pra viajar, a estrada é perigosa. Por que não vai de ônibus?”
“Sai daqui, miserável”, foi a carinhosa resposta do maridão.
Muitas vezes me pego pensando sobre mim mesmo e acho que estou ficando amargo, intolerante, pouco solidário, descrente. Acredito que esteja, não sei. O que sei, com certeza, é que se eu fosse aquela mulher encorajaria o marido a viajar destemidamente e ficaria, de casa, desejando que ele descesse a serra por um precipício qualquer.

domingo, maio 17, 2009

Vantagens da 3ª idade

Acho que já contei essa história, mas vale o repeteco.
Na década de 80, trabalhava na Manchete. Era revisor de textos e durante um bom tempo fiz mesa com um gay problemático.
Para a época, Henriquinho era um escândalo. Negro, corpo enxuto, cabelo pintado de louro e um mau humor do cão. Na maior parte do tempo, ao menos. Nunca o contrariei.
Passávamos as manhãs juntos, na mesma mesa. Um dia ele virou-se para mim e me pediu um favor: “Gordo, estou precisando comprar algumas roupas na Mesbla, mas não tenho cheques pra comprar no predatado. Você se importaria de ir até lá comigo? Você usaria seus cheques e eu lhe pagaria”.
Foram momentos dolorosos. Imaginei-me entrando na Mesbla com ele e depois pagando a conta. O que os vendedores não pensariam de mim?
Não fui. Dei uma desculpa, emprestei o cheque assinado para ele, mas não fui.
Senti vergonha de minha atitude, mas me senti pior ao constatar que não teria coragem de ir à loja com ele se me pedisse novamente.
Hoje, iria com um batalhão de drag queens. Não porque seja menos preconceituoso, só que já não me preocupo muito com a opinião alheia. É a velhice.

Vapor barato

Saíamos do Jornal do Brasil de madrugada para comer uns salgados na Central.
Formávamos um grupo de quatro, às vezes, cinco.
Dois do grupo sempre gostavam, na caminhada, de queimar um fuminho. O assunto era um só: malhar o governo militar.
O único que ficava tenso com a situação era eu. Era o único, também, que morava com mãe, pai, avó, tio, irmãos. Se fosse em cana teria de explicar muito a muita gente. Por sorte, nunca fomos.
Do jornal, na Av. Brasil, até a Central, era uma longa distância. Uns 40 minutos em passo de conversa fiada.
Alta madrugada, década de 70 e ia o vapor rumo à Central.
Hoje, não sobreviveríamos.

quarta-feira, maio 13, 2009

CANTORES QUE CURTI MUITO - Otis Redding

(Sittin' on) The dock of the bay foi sucesso póstumo de Otis Redding. Explodiu nas rádios um ano depois de sua morte em um acidente de avião, em dezembro de 1967. Na época, a música saiu por aqui em compacto duplo que não tirava da velha vitrola. A importância de Redding na minha vida musical é capital. Em 1967, ouvia Roberto Carlos e o pessoal da Jovem Guarda. A música de Otis Redding me levou, mais pra frente, a James Brown, Al Green, Smokey Robinson, Marvin Gaye. Otis Redding me fez um ouvinte parabólico. Depois dele passei a ouvir qualquer tipo de música e apreciar os diferentes sons do planeta.
Comprei um cd da coleção 2in1 que vem com The dock of the bay e The soul album, dois discaços. Recomendo o investimento. Em vez de ouvir replicadores (às vezes, bons), vá à fonte.

terça-feira, maio 12, 2009

O topo

Como se chega ao topo de uma organização?
Competência e criatividade não levam você até lá.
Sexo? Bem, sexo pode fazer com que você chegue perto do topo. No topo, não.
A vida corporativa é misteriosa.
Não é para inocentes, ingênuos, bem-intencionados...
Uma qualidade de quem está no topo é uma certa dose de canalhice.
Sangue-frio e desfaçatez também são requisitos dos senhores de escravos.
Mas o que eu gostaria mesmo é de saber como se chega lá.
Não que eu tenha interesse em estar no pico da montanha.
Falta-me disposição. Estou velho.
E acho que é necessário deglutir o indeglutível.

(Esse post eu puxei lá detrás pra cá. Gosto dele.)

Inebriante poder

- O leão mandou avisar que quer comer carne diferente. Disse que já está de saco cheio de zebras, veados, gnus...
- Por que isso? Eu, coelho, já tenho de me preocupar com águias, gato do mato, cobras... Agora, até Sua Majestade está querendo me comer.
- Há várias versões para a mudança de dieta. Uns dizem que ele quer fazer alimentação mais leve. Outros, bem na encolha, contam que ele, pesadão, já não tem agilidade para desviar-se das porradas de zebras e gnus. Mas ele não quer só coelhos, não. Até borboletas anda comendo. Diz que abre o apetite.
- Só faltava essa. A vida já é uma correria louca.
- Eu tenho uma terceira opinião sobre o real motivo dessa variação de cardápio. Dia desses eu estava observando, a distância segura, a família leão. O esquilo, folgado como ele só, em vez de desviar-se do grupo passou entre ele e ainda fez graça para um filhote. O leão olhou para a companheira e reclamou: “Essa turma não anda mais me respeitando. Vou tomar uma atitude.”
- Será que é isso?
- Claro que é. Poder, quem tem, exerce. E sobre todos. Agora, ninguém passa entre eles. Se passar, vira refeição.

Nova onda

Tomei ciência da nova onda lendo a Folha de S.Paulo. Lá pela capital sertaneja, o último grito é ouvir música sem fone de ouvidos nos celulares turbinados que os presepeiros têm à disposição para comprar em qualquer loja.
Depois de três meses longe do transporte erótico, embarquei em uma viagem de metrô. Que alegria constatar que a moda sonora já chegou ao paraíso do batidão. Agora a sarração metropolitana tem trilha sonora. “Aê, vô te dizê, um dia como você”. Com essa letra doce fiz minha viagem. Claro que preocupado de o armário atrás de mim não ter alguma ideia.

Tiranetes

Trabalhava no Jornal do Brasil como revisor de texto. Deixei passar, por desatenção, na primeira página, Volta Redonda, em vez de Volta Grande. O texto era chamada para reportagem com o presidente milico da época. Se passasse errado, quase certamente estaria na rua.
O encarregado da oficina, o lendário Jorge Cachorrão, entrou na ampla sala da revisão, veio até minha mesa e mostrou-me a prova em papel com meu erro. Depois que vi, ele amassou e jogou fora. Somente ele e eu soubemos o que aconteceu.
Aprendi com Cachorrão que não há necessidade de expor o colega.
Na década de 90, trabalhei alguns penosos meses em uma empresa evangélica. Os colegas estavam descontentes com algumas medidas tomadas pelo líder. Reunimo-nos, a ralé, e resolvemos que apresentaríamos, respeitosamente (há que ser muito delicado ao dirigir-se a ungidos, eles são melindrosos), nossas reivindicações. O pastor-chefe abriu os trabalhos e pediu aos que quisessem dizer algo que o fizessem. Eu, já com quarenta e tal, acreditei. Os colegas quedaram-se em tumular silêncio. O gordo aqui falou e dançou. Chefes (em sua grande maioria) adoram subalternos que lhes sirvam como claque.
Na década de 80, trabalhei na Manchete. Havia todo um ritual que orientava a saída das revistas para a gráfica. As semanais na frente, as mensais aguardavam. A exceção era quando havia fechamento de uma mensal. Tavares, o único chefe inteligente com quem trabalhei, me pôs na distribuição enquanto ele descia para tomar um grau. Quando voltou me pegou distribuindo Sétimo Céu. “Gordo, você é uma besta” foi o começo. No final, acho que já estava me mandando tomar no cu (naquela época, tomar no cu não dá o cartaz de hoje). De minha parte, brindei-o com o bom repertório que aprendi nas ruas e alguma coisa que só conheci na igreja. Meia hora depois era como se nada tivesse acontecido. Homens agem assim.
Na JUERP trabalhei com um louco que foi posto pra fora de duas igrejas por indolência. Ele era chefe de quatro infelizes: eu entre eles. O idiota achava que eu telefonava demais. Para resolver a questão, soltou um memorando proibindo ligações durante o expediente. A secretária entregou o papel aos serviçais. Mais tarde ele chamou meus colegas e lhes disse que o memorando só valia para mim. Continuei telefonando até sair de lá, claro.
Concluindo, na Última Hora trabalhei durante três meses. Como no Jornal do Brasil, tinha de trabalhar sábados e domingos. Éramos 12 homens confinados em uma sala sem janela. Em compensação, o ar refrigerado nos congelava. Dez colegas fumavam. E fumavam muito. Nunca fui trabalhar sábado nem domingo. Um dia, Otávio, o chefe, me chamou e disse que se eu continuasse faltando me dispensaria. Honestamente, disse-lhe que fins de semana eu não iria. “Bom, vou segurar você uns dois meses, depois mando embora, tá ok?”, ele me disse. Não foi necessário, porque surgiu o emprego na Manchete, que era de segunda a sexta.
Não estendo a impressão terrível que tenho de chefes evangélicos para pessoas que conheci na vida “civil”, mas, confesso, no trabalho lidei com descrentes bem mais sérios e éticos do que os crentes com quem topei.

terça-feira, maio 05, 2009

DELÍCIA




Lily Allen é uma delícia.
Música pop é terreno perigoso. Um escorregão e lá vem baba.
Lily saiu de um primeiro disco saboroso e chegou ao segundo fazendo este despudorado aqui lamber as beiçolas.
It's not me. It's you é um disquinho muito bom. Letras bacaninhas, melodias que cravam na carne e, dentro das limitações do pop, diferente do anterior, Allright still. Diferente para melhor, em minha modestíssima opinião.