quarta-feira, setembro 29, 2010

DESOBEDIÊNCIA


Geisy acordou, tomou banho e vestiu o minivestido rosa.
Estava um pouco acima do peso, mas adorava aquele vestidinho.
O pai, sábio, aconselhou: “Filha, esse vestido está muito curto. Ponha um outro”.
Ela sorriu, beijou o pai e foi para a faculdade.
Na Academia, os colegas a sacanearam, perseguiram, xingaram. Tudo por causa do vestido curto.
Ontem, Geisy levou um carro de R$ 100 mil do programa A Fazenda.
Ela é um dos 15 participantes que concorre a R$ 2 milhões.
Das vaias dos coleguinhas da UNIBAN (em novembro de 2009) até agora, Geisy arrumou dinheiro para ampla recauchutagem, apareceu em inúmeros programas de televisão, fez clip com Alexandre Frotta e entra, agora, no cast de A Fazenda.
Saiu do anonimato e vem esticando seus 15 minutos de fama, surpreendentemente.
Sorte de ela ter saído naquela manhã com aquele vestido rosa escrotíssimo.
Se tivesse ouvido o pai...

segunda-feira, setembro 27, 2010

PORCOS LUMINOSOS

Ingratos, os porcos luminosos da progressista capital sertaneja.
Vêm ao Rio de Janeiro, são recebidos com pompa, alegria e generosidade pela esquadra rubro-negra, que concede ao timerda vitória tranquila, e, suínos, cagam na entrada e na saída.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Morcego no poste

Precisei pagar dez reais e merreca ao TRE.
Multa por não ter votado em três eleições.
Enquanto o voto facultativo não vem, acho que vou preferir morrer em três e pouco a cada pleito.
É duro sair de casa para votar no poste ou no morcego.

quarta-feira, setembro 15, 2010

DONDOCA




Vi Dondoca longe.
Nos saltos, vestidão, óculos enormes.
Como ela sempre me ignorava, não me camuflei. Qual não foi minha surpresa (uso aqui expressão adorada pela emergente) quando ela veio em minha direção e me advertiu, severa:
“Velho, quero confrontá-lo com a Palavra da Verdade. Soube que andas com comportamento desviante. Trilhando sendas que não são lícitas a ovelhas do aprisco do divino mestre.”
Mandaria Dondoca pra casa do caraio não fosse uma segunda-feira, dia da semana que costumeiramente reservo para audição das obras completas do AC/DC. Cabeça leve, depois de horas ouvindo a guitarra de Angus Young, perguntei:
“Dondoca, não te vejo há um porrão de tempo. Há outro porrão de tempo você não fala comigo. Por que essa interpelação tão escrota aqui na terra sem calçada?”
Dondoca me olhou, franziu o sobrolho (ela franze o sobrolho; eu fico emputecido, mesmo) e disse:
“O seu linguajar apenas confirma o que me foi dito. Deveria eu, assim que o visse, adverti-lo biblicamente. Dorval pediu-me que o procurasse. Falou-me ele: ‘Exorta-o, mostre-lhe que ele precisa se tratar’.”
Comecei a ficar com medo. Dondoca falando comigo. Falando de um Dorval que não sabia quem era. Um Dorval que informou a ela sobre um tratamento a ser aplicado em mim. Já havia um grupo me olhando.
“Dondoca, não conheço Dorval algum. Doente não estou. Eu...”.
“Você precisa de tratamento espiritual. Internar-se por uma semana, ser mentoriado por verdadeiros servos do altíssimo. Servos que têm conexão direta com Jeovah shimah shenoh. Leia esse flyer. Os preços do tratamento espiritual são baixos se comparados aos ganhos que você terá. A internação pode ser paga parceladamente, no cartão. As exortações bíblicas, não. Pagamento à vista e individual.”
Se Dondoca tivesse me encontrado amanhã, terça, dia que reservo para purgar meus pecados ouvindo cantoras de MPB – Maria Gadu, Bethania, Ana Carolina – já teria virado pasta de futilidade.
“Dondoca, você me diz que estou virado no tinhoso e me vem com soluções materiais.”
“Fogo se apaga com água. Veja os cursos espirituais que oferecemos, faça um deles. Depois, submeta-se à disciplina do Senhor. A terapia de cura interior também é utilíssima. Se daqui a uns dois meses percebermos que você continua da mesma forma poderemos fazer uma regressão bíblica e, quem sabe?, descobrirmos maldição em algum ancestral seu.”
Resolvi deixar Dondoca falando sozinha. Nunca simpatizei com ela. Pessoa fútil, arrogante, prepotente. Agora que percebia que ela era doida... Sei lá, se ela me desse mole eu pegava.

CINQUENTÕES

Na Warner, chegou ao fim a primeira temporada de Men of a certain age.

Talvez pelo tema, homens beirando os cinqüenta anos e suas realizações/decepções, o seriado me pegou e entusiasmou. Nenhum outro foi acompanhado por mim com tanto interesse neste ano de 2010. Por ser fissurado em tv, acompanho muitos seriados (melhor do que perder tempo com os bundões da política), mas o drama bem-humorado criado por Mike Royce e Ray Romano arrebatou minha preferência.
Ray Romano criou uma das melhores comédias de situação que assisti: Everybody loves Raymond. Em Everybody, elenco precioso, roteiro simples e criativo (simplicidade não é pra qualquer um) conjugados a direção exata produziram um seriado clássico que deixou saudade. Agora, com Men acerta de novo.
Men são três amigos (Ray Romano, Andre Braugher e Scott Bakula) vivendo os problemas da meia idade.

Joe (Ray Romano), recém-divorciado, tem dois filhos. Seu casamento acabou, principalmente por seu vício no jogo. Obsessivo, ansioso, compulsivo vê esses defeitos que atravancaram sua vida se reproduzirem no filho pré-adolescente. (Braeden Lemasters, o jovem ator que representa seu filho na série é excepcional.) Joe poderia ter sido um jogador de golfe de primeira linha. Não seguiu carreira por não suportar pressão.

Terry (Scott Bakula) é o solteirão boa pinta que pega a mulherada. Ator que não deu lá muito certo, vive de bicos e, aparentemente, leva vida mansa. As reflexões de seu personagem em mais de um momento calaram fundo nesse meu coraçãozinho sentimental. Sempre animado, chega ao final da primeira temporada convicto de que o papo de seguir o sonho é furadíssimo. O grande problema é que pouca gente sabe quando desistir do sonho (os que sonham, claro) e passar a viver no mundo real.
Owen (Andre Braugher) é casado, três filhos, bem resolvido no matrimônio. Só no matrimônio. Trabalha como vendedor na concessionária do pai, um ex-craque de futebol. Oprimido pelo pai, Owen vê-se, aos 50 anos, sem muitas alternativas profissionais.
Men of a certain age, no entanto, é principalmente uma série de exaltação à amizade masculina. Homens fazem amigos na entrada da adolescência. Amigos que não são esquecidos.
O ritual dos três amigos que caminham todos os dias, reduzem os dramas uns dos outros a uma piada e sempre guardam para si os problemas que lhe afligem a alma é tipicamente masculino. Mulheres expõem as entranhas. Homens, jamais.
Amigos ouvem, tentam ajudar sem a babaquice do aconselhamento, aceitam as diferenças comuns entre humanos e esforçam-se em manter a leveza no relacionamento. A amizade dos personagens de Men of a certain age é igual à de homens de meia idade de todo o mundo.
Séries norte-americanas se não atingem uma certa meta de audiência são canceladas, inapelavelmente. Men of a certain age já tem uma segunda temporada garantida. Se não tivesse, o espectador não ficaria desapontado. Mike Royce e Ray Romano fecharam o primeiro ano sem deixar ganchos para o próximo.
O gancho de Men of a certain age é a qualidade da série. Quem viu o primeiro ano verá o segundo. Tenho certeza disso. 


Outras séries bacanas: Breaking bad; Fringe; Dexter; Chuck; Drop dead Diva; Justified (apesar da dublagem tenebrosa)

terça-feira, setembro 14, 2010

VOVÓ

Minha vovó, dona de sabedoria profunda, dizia pra nós, netinhos: “Quem tem amigos não morre pagão”.
A vovó de Poste Rousseff deveria dizer coisa semelhante.
Eu, crânio de pedra, não ouvi vovó.
A vovó do Brasil, mais esperta, ouviu e fez amigos.
Poste será presidente de Lulalândia.
Eu morrerei pagão.

quinta-feira, setembro 09, 2010

SONHO



O colombiano Edward Hernández, 70cm de altura, considerado pelo livro Guinness dos Recordes o menor homem do mundo, sonha ser goleiro de futebol.
O ser humano é fascinante. Sempre crê no impossível.

16



De manhã, dar de cara com uma adolescente morta, queimada, desfigurada tira o apetite do mais duro e escolado guerreiro. Não ia dar pra encarar o café com leite e o sanduba de fritada.
Parei diante do corpo e olhei para a menina. Logo a reconheci. Morava a dois blocos de distância do meu. Jurema, o nome dela. Menina bonita, cobiçada pela garotada e por uns mais velhos, também.
Não é sábio parar perto de corpos chacinados. A bandidagem é sensível. O matador não gosta de solidariedade à vítima. Se morreu é porque merecia, reduz o populacho.
Baixinho, ouço em meu ouvido direito, vindo da boca de uma velhinha: “Ela estava namorando um cara do movimento. O grupo inimigo invadiu o baile. Morreram três. Ela apanhou muito”.
Saí de fininho. Um peso na carcaça. Parei no boteco. O assunto: Jurema. “Tadinha, começou a namorar o moleque há uma semana. Não sabia nada dele. Morreu na inocência”.
Há um tempo passei por Jurema na portaria.
“Tio, tem um cigarro?”
“Não fumo, querida. Sai dessa, cigarro faz mal.”
“Sou viciada, não, tio, fumo de onda.”
Sorrisão bonito de quem vai viver um caralhão de anos.
Corri pro ônibus, me sentei, ia abrir o jornal.
“O senhor mora aí no condomínio? O corpo da menina ainda está lá? Morte besta. Pura imprudência de garoto. Ela deu mole pro Dom. Ele chegou junto, ela recuou. O cara ficou doido. Soube que ela estava namorando, mobilizou a tropa pra fechar a conta com a menina”.
Deixei o cara falando sozinho, desci do ônibus e caminhei de volta pra casa. Trabalhar o caraio.
Aos 65 anos, dei-me conta que não entendia mais o mundo onde vivia.
Pelos 18, tive uma namoradinha de quem gostava demais. Ela nem tanto. Um dia encontrou coisa melhor e saiu fora. Fiquei puto. Quando a encontrei com o cara, falei muita merda, parti pra cima, entrei na porrada. No chão, corno espancado, chorei. Mas levantei-me e parti pra várias outras.
Hoje, não haveria briga.
Hoje, é matar ou morrer.
Virei a esquina e, de longe, vi que o corpo estava lá, coberto por um plástico preto. Parei diante do cadáver, uma vontade doida de descobri-lo. Aquele corpo precisava ficar exposto, a revelar a todos: “Morri porque estava com 16 anos e agi como se 16 anos tivesse”.

COLONIZADOS



Encostei o umbigo no balcão do McDonalds e pedi à caixa:
– Suco de laranja, um sanduíche de peixe e um de frango.
– O quê?
– Peixe, frango e laranja?
– Um Big Taste?
– Orange juice, McFish e McChicken.
Os olhos da menina se iluminaram. Enfim, eu falava o idioma dela.

quarta-feira, setembro 08, 2010

LONGA VIDA AOS ANDRÉ FIORI!

Lá pelos 20 e poucos anos de idade, rodava a cidade do Rio para comprar meus vinis.
Duro, ia na Farelo. Rua da Carioca, pertinho da Praça Tiradentes. Comprava discos que eram destinados para divulgação. Entrava, cumprimentava o Neguinho e ia para o balcão pescar. Gastava tanto que logo passei a ter tratamento especial.
Quando pintava um carregamento, o Neguinho me ligava: “Gordo, amanhã vamos pôr os discos no balcão”. Corria para lá e numa salinha, junto com outros famintos (todos mais esfomeados do que eu, afinal, eram lojistas), disputava discos quase a porrada.
A Hi-Fi, no Rio Sul, vendia a preço exorbitante, mas tinha uma promoção engana-trouxa: a cada 10 discos o bobo levava um “de graça”. Levei muitos. A Hi-Fi vendia o que outras lojas não ofereciam.
De qualquer forma, havia oferta pujante de discos na cidade. O Rio Sul tinha quatro, cinco lojas que vendiam discos. Lojas grandes, pequenas. Hoje, creio que só se encontra disco por lá na Saraiva.
Os vinis sumiram, vieram os cds e minha disposição de circular pela cidade em busca da bolacha perfeita acabou. Voltei a comprar como fazia em minha época de adolescente. Tinha duas, três lojas de preferência e nelas comprava.
A fartura da época do vinil (Gramophone, Modern Sound, Gabriella, Farelo, MotoDisco etc.) acabou. No Rio, sobreviveu a Modern Sound, que tem bom acervo, mas é um pouco conservadora. Encontra-se lá, mais facilmente, um Steely Dan do que um XX.
Hoje compro discos (tenho resistência insana a baixar música) em livrarias (Travessa, FNAC e Saraiva, que daqui a pouco deixarão de vender cds) e na Velvet.
A Velvet é uma loja física no centro de São Paulo. Para mim é loja virtual. Mas uma loja virtual com seres humanos no atendimento. Há uns cinco anos sou freguês, compro, praticamente, todos os meses. Adquiro cds novos, peço importados para repor meus vinis, sempre sendo atendido com presteza, atenção e profissionalismo.
O dono (ou um dos donos) da Velvet, André Fiori, é um cara que ama música. Conhece seu trabalho como poucos e esse é um diferencial no atendimento.
Há quem julgue que importante para o país é um bom presidente da república, outros acham que fundamental é termos grandes cientistas e por aí vai.
Porra nenhuma, o que não pode faltar neste país são idealistas apaixonados que toquem negócios como livrarias e lojas de disco. Esses caras é que são fundamentais para manter nossa saúde mental.
Longa vida para os André Fiori!

quarta-feira, setembro 01, 2010

SORTE



– É, Ivone, eu estava errado.
– Querido, erramos os dois. Não pensei do Paulinho nos dar essa boa vida. Casa, carro, bairro bacana.
– Com 13 anos parou de estudar.
– Ficava o dia inteiro atrás de mim. Só queria varrer, fazer limpeza na cozinha, banheiro. Achei até que ele era doido.
– Bem que você gostava...
– Os outros três estudaram, fizeram faculdade.
– E estão na merda. De vez em quando me espetam.
– O Paulinho sempre nos ajuda.
– Quem diria, o moleque tinha tudo pensado. Virou o bambambã da faxina, se mandou pros EUA e hoje está rico.
– Não tem desentupidor de latrina melhor do que ele.
– O moleque me dá orgulho. Tá mostrando pros gringos o valor do brasileiro. Encaramos cagalhões com um sorriso no rosto.
– Nossa Cacildinha, em vez de fazer Comunicação, poderia ter aprendido a barbear pentelho. Estaria rica em Miami.
– Gênio, na família, um só. Demos sorte.