sexta-feira, maio 24, 2013

FILHO DE ODIN

Se Thor não fosse filho de Eike Batista, a história do atropelamento do ciclista estaria esquecida. Quem ousará me contestar?
Um bombeiro amigo da família enlutada, segundo importante voz da mídia golpista, O GLOBO, percebeu uma oportunidade de negócio ao ver o exagerado movimento por causa de um atropelamento. Apresentou-se como intermediário da família e levou R$ 100 mil por ser sagaz negociador. Um bom dindim, pelo menos para mim que sou homem humilde e de poucas posses.
Milionários acham que podem resolver tudo com dinheiro. Estão cobertos de razão. Os advogados de Eike puseram uma milha sobre a mesa para ser repartida com os envolvidos. Tia, companheira, advogado e bombeiro amigo racharam a bufunfa. Corações apaziguados, justiça feita, bolsos cheios, é vida que segue.
O combinado era que todos ficassem de boca fechada. Quem falasse comeria toda a porcaria do mundo e, pior, pagaria multa de R$ 500 mil. Alguém falou, claro.
Os representantes da elite dizem que eles não foram.
O advogado dos desfavorecidos afirma que quem vazou para a imprensa foi o outro lado, interessado em satanizar a família do morto, e prometeu que processará Eike. Quer a multa e mais um qualquer para juntar aos 250 contos de réis que já levou, sempre segundo informação de O GLOBO (18/5/2013).
Longe de mim condenar a posição da família. Gostaria de acreditar que agiria de maneira diferente se passasse por situação semelhante, mas... Para Eike R$ 1 milhão é troco. O pimpolho Thor será liberado cedo ou tarde. Não haverá “justiça”. Então, é inteligente e típico de sobreviventes e espertos aproveitar a situação. Com dinheiro no bolso perdoa-se mais facilmente.
Agora, o que não consigo é perdoar Luma de Oliveira. Por que a deusa não pariu duas meninas que eternizassem sua linhagem?

quinta-feira, maio 23, 2013

DADAU

Gosto de dar nó em mentes de três neurônios.
Na padaria, pães franceses e carecas. Fila grande, o povo serrano só vai de francesinho. Mais barat, sacumé. Eu, comedor de sardinha e arrotador de garoupa, peço três carecas (pães, claro).A moça me olhou, expressão apatetada, cara de dadau, surpresa com o inusitado pedido. Desviou o olhar, procurou a ajuda da colega e perguntou: “Quanto é o quilo do careca?”
A outra pateta, que também não tinha ideia do preço do pão, chutou: “Basta pôr o pão na balança que ela diz”.
A dadauzinha acreditou. Largou os pães na balança e ficou esperando. Desalentada com a falta de atenção da balança, tornou a olhar para a colega e depois para mim.
Eu, conhecido pela minha tolerância com estúpidos genuínos, não aguentei: “Se a balança lhe disser o preço dos pães, sem você digitar nada nesse tecladinho, se prepare pra correr atrás de mim porque vou roubar essa preciosa”.

sábado, maio 18, 2013

FESTA



- Rolou um festão, ontem, na casa da Glória. Você foi convidado?
- Que festa, maluco? O filho dela foi atropelado. O enterro é hoje à tarde. Deve ter sido o movimento da parentada que você viu.
- Esquisito. Estava todo mundo rindo. Aquele cara que está com ela soltou morteiros na varanda. E era tardão.
- O garoto estava na calçada. O mauricinho veio em alta velocidade e pegou o rapaz. Morreu na hora. E parece que o playboy estava bêbado.
- Entendi nada. Só se a Glória não estava em casa. Sei lá, providenciando alguma parada.
- O pai do cara, aquele ricão, Erasmo Valadares de Assunção, o Eva, veio aí, conversou com a família.
- O atropelador é filho do Eva?
- É.
- Saquei. Se fosse meu o filho atropelado, também comemorava.

ENCONTRO


- Vamos sentar naquela mesa no canto.
- Surpreso com o convite?
- Estou. Há uns 20 anos não te vejo.
- Encontrei o Sarmento, pedi seu e-mail e te convidei pra esse almoço. Não sabia se você viria.
- Por que não? Fiquei curioso.
- Nossa história... Não terminou bem.
- Vanda, por muito tempo eu tive raiva de você. Hoje, não. Depois que você saiu de minha vida eu a recoloquei nos trilhos.
- Então, eu te atrapalhava?
- Não é isso. Quando começamos o namoro, tínhamos 15 anos. Aos 15 anos eu queria ser comerciante, dono de padaria. Mamãe achava um horror e você, também. Fiz faculdade submisso à vontade de vocês.
- Na época que começamos a namorar você era padeiro.
- Auxiliar. Mas, tudo bem. Namoramos, noivamos, marcamos casamento. Concluí meus estudos, penei para conseguir escola, ganhava uma miséria. Dois meses para o casamento e você terminou tudo.
- Me apaixonei. Enlouqueci. Nunca havia namorado outro cara sem ser você. Aos 23 anos a gente é impulso.
- Você sabe que por uns três anos acompanhei sua vida de longe? Pensava que talvez seu relacionamento não desse certo. Se acontecesse eu estaria por perto, pronto para uma nova tentativa.
- E não deu mesmo.
- Não sabia. Mamãe morreu exatos quatro anos depois que você me deixou. Ia bem como professor. Não ganhava mal. Detestava dar aula, mas era bom. De qualquer forma, estava sozinho. Não havia necessidade de continuar fazendo o que fazia. O dinheiro que guardei mais a venda da casa de mamãe foi o suficiente para comprar uma padaria. Aquela da pracinha, onde comíamos pão doce quando saíamos da escola. Foi meu último ato associado a você.
- Realizou seu sonho. É dono de padaria.
- Três padarias, um mercado pequeno e dois bares. As padarias são minhas. Nos outros negócios tenho sócios.
- Fico feliz em saber que você se realizou profissionalmente. E a vida amorosa?
- Um ano depois de estar à frente da padaria, me casei. Por uns cinco anos não namorei ninguém firmemente. Aliás, quase não me interessava por namoro, romance. Isabel foi entrando na minha vida devagar. Eu a via todos os dias. Era cliente da padaria. Antes de casarmos, eu já havia comprado a segunda padaria. Ela voltou da lua-de-mel e assumiu a gerência.
- Comércio escraviza muito. Eu não teria disposição nem paciência para encarar uma empreitada dessas.
- Foi dureza, no início, mas tivemos retorno rápido e Isabel, filha de portugueses, a vida inteira esteve atrás do balcão. Ela é filha do seu Figueirinha, do boteco, lembra?
- A galeguinha, claro. Era uma menina linda.
- Continua muito bonita. Se cuida. Faz academia todos os dias. 43 anos, três filhos, 56kg, 1m65. Elegantíssima. A padaria é um luxo porque a gerentona é finíssima. Mas, e você?
- Me casei três vezes em 25 anos. Agora, estou sozinha. Sem filhos, por opção. Nunca soube o que quis. Você sabe muito bem disso.
- Esse sempre foi seu encanto, sua principal arma de sedução.
- Fiquei com o Jonas cinco anos. Acabou o tesão, fim de relação. Cheguei a sustentar o cara. Sempre fui profissional aplicada e estudiosa. Fiz carreira, mas não fiquei rica. Minha desgraça sempre foi não saber viver sozinha e sempre querer experimentar tudo. Se disser a você as merdas que fiz.
- Não é importante que eu saiba. Sou filósofo de boteco. Ou de padaria. As pessoas são o que são. Umas correm atrás de novidades, mudanças constantes. Outras preferem caminhar por terrenos seguros. Não condeno os que pensam diferente de mim. Só não tolero quando me dizem que o modo como vivo é tedioso, errado.
- Eu queria ser assim. Gostaria de me satisfazer com o que a vida me oferece, mas... Meu segundo marido era um doce. Quando me separei, pensei em te procurar. Eu menti. Sabia que você estava casado. Achei que seria sacanagem me meter na sua vida. Meu segundo marido era você. Tranquilo, determinado, seguro do que queria, apaixonadíssimo. Tão apaixonado que abriu mão do sonho de ter um filho porque eu não queria. Durante o casamento, tive uns casos, aventuras rápidas. Ele nunca soube, acho. No meu aniversário de 33 anos, conversamos e ele me pediu que engravidasse. Neguei. Mais dois anos e ele saiu de casa. Casou-se, tem duas meninas. Ainda é apaixonado por mim, ele me disse, mas adora as filhas e tem o maior carinho pela mulher.
- Filhos podem ser uma desgraça. No meu caso, são fontes de muita alegria. Tenho três. Duas meninas e um menino. Ele está com 18 e elas, 17 e 16 anos. São centrados e com personalidades distintas. É fascinante. O garoto trabalha na padaria, estuda administração. A menina mais nova está na fase de entrar para faculdade; a do meio vive em Lisboa com os avós. Figueirinha vendeu o boteco, pegou a mulher e voltou para a terrinha. A menina estuda Medicina. Ela passa um mês por ano aqui conosco e nós vamos a Portugal todo mês de janeiro. Não sei o que será do futuro deles, mas damos ótimas condições de vida e cuidamos com muito amor. Por enquanto...
- Estou sozinha. Fiquei casada alguns anos com um espanhol. Professor, como eu. O cara era um saco. Me forcei a ficar com ele. Acabei não aguentando.
- Vanda, vamulá, qual o motivo de você ter marcado este encontro?
- Ufa! Vou ser bem objetiva. Só não me leve a mal, por favor. Vou te fazer duas perguntas. A primeira: “Você ainda sente alguma coisa por mim?” Deixe-me emendar a segunda: “Você é feliz com o rumo que sua vida tomou?”
- Sim, sinto. Sou, acredito que sou muito feliz com a vida que tenho. Vanda, você foi meu primeiro amor. Dos 15 aos 28 anos eu não imaginava vida sem você. Sofri pra cacete. Sinceramente, você acha que quero passar por isso novamente?
- Às vezes, não somos nós que decidimos. O amor nos toma.
- A mim, não. Isabel sabe que estou com você. Disse a ela que viria. Ela sabe que seria importante para mim. Garanti que me encontraria com você, conversaríamos e não nos veríamos mais.
- Então, sem chance?
- Vamos seguir nosso destino. Você, inquieta, ansiosa, sempre insatisfeita e ávida por novas experiências trocará ainda de parceiros muitas vezes. Em busca do relacionamento perfeito. Não desdenho de sua opção de vida, só que somos opostos. Eu seguirei com Isabel. Meus filhos, mesmo que eventualmente me separasse de Isabel, seguiriam comigo. Temos relação estreita. Isabel é esposa, amante, amiga, parceira, sócia... Não abriria mão dela por nada.
- Como ficamos juntos oito anos?
- Éramos jovens.
- Tem um motel aqui do lado. Que tal uma saideira?
- Nossa saideira foi há 25 anos. Quando saí quis voltar; agora que sei que saí, não volto mais. Vou embora, Vanda, mas quero te pedir algo. Me dá um beijo? Beijão. De língua. Se você me beijar, enquanto viver me lembrarei deste momento.
- Beijo. Claro que beijo. Te devo isso.