sábado, dezembro 24, 2016

BELA MORENA

No Metrô, bela morena conversava com a coleguinha. Eu, velhote gordo, 140kg, 1m80, a um palmo de distância, aparentemente invisível, ouvia.
- Fiquei muito constrangida. Saí do banho, nua, peguei a calcinha e o sutiã que tinha deixado na sala e, quando olhei pela janela, o velho estava lá, me devorando da janela do apartamento dele. A mulher apareceu por trás do cara,  me sacou e o puxou pra dentro.
A baixinha:
- Neide, a janela do seu apê dá direto na do cara. Você estava era querendo mostrar seus peitos.
- Esse casal é novo lá. Pensei que os dois fossem cegos. A mulher usa um tampão no olho. Lembra que o pessoal da igreja foi naquele prédio orar por uns cegos? Pensei que fossem eles. Estou passada.
- A mulher pirata já te enquadrou?
- Não encontro com ela, graças a Deus. A janela deles desde esse dia ficou fechada. Acho que ela proibiu o velho de olhar a paisagem.
- Numa dessas, você morre.
- O pior, minha irmã contou essa história pro Valdir. Ele ficou puto. Comigo e com o velho.
- Sua irmã é traíra. O Valdir é meio doido.
- Às vezes, penso em terminar. Noutro dia ele me seguiu aqui no Metrô. Não vi, claro. Recebi uma mensagem e... Peraí, vou te mostrar.
Mostrou pra amiga e pra mim, o gordo invisível.
- Ivete, dá uma olhada aqui. “Quem era o bonitão para quem você estava olhando? Estou te vendo.”
- Tenso.
- Olhei pra todo lado e não vi o Valdir. Mandei uma mensagem pra ele. “Deixa de ser bobo. Não tem ninguém bonito neste vagão.” Ele respondeu na bucha: “Então, você procurou”. Quando nos encontramos, mais tarde, cheguei a terminar, mas ele chorou...
- Amiga, esses é que são perigosos.
Chegamos à estação Nova América. Mais duas estações e teria de tirar o manto da invisibilidade e descer. Nada disso, só sairia do Metrô depois de ouvir o fim da história.
- Você sabe que ele não suporta que eu ande de óculos escuros. “Não sei pra onde você está olhando.” Ele põe o rosto pertinho do meu e fica olhando meus olhos através da lente para ver se estou olhando só para ele.
- Neide...
- Ele é trabalhador, bonitão, carinhoso... Só é ciumento.
- E aquele amigo seu que ele encheu de porrada.
- Não foi assim. Fui um pouco responsável. Conheço o Bobó desde criança. A gente estava voltando da praia. Um grupo do conjunto. O Bobó puxou minha saída de praia e eu fiquei só de biquíni. O Valdir estava me esperando, ele não sabia que eu iria à praia e eu que ele estaria me aguardando. Partiu pra cima do Bobó... Só que o Bobó é o macho superalfa do conjunto. Todos o respeitam. Acho que o Valdir pensou que as 10 aulas de caratê que fez iriam ajudá-lo. Tive de levá-lo para o hospital todo esbordoado. Só não morreu porque eu me embolei com o Bobó.

O Metrô, implacável, “Senhores passageiros, Estação Engenho da Rainha, desembarque pela esquerda”. Resolvi descer. Sou um gordo bem apanhado e, quem sabe?, o Valdir  não estava por ali, observando. Comigo as dez aulas seriam mais do que suficientes.
Antes de descer, no entanto, olhei bem para o belo rosto à minha frente, de uma jovem escultural de vinte e poucos anos. Tenho certeza, desgraçadamente, que verei este rosto, mais à frente, estampando manchetes das páginas policiais. 

quinta-feira, dezembro 01, 2016

QUE VENHAM OS ESCANDINAVOS


A última vez que andei de táxi, disse para o motorista:
- Não se preocupe com o UBER, não vai dar certo no Rio de Janeiro. Daria se trouxessem motoristas da Escandinávia para trabalhar aqui. Com nossa matéria-prima...” Ele percebeu meu sarcasmo (o que me emocionou).
Usei o UBER quatro vezes. A primeira viagem foi ótima. Motorista atencioso, preço baixo, carro confortável. Ganhei balinha, água gelada, ar condicionado Sibéria e rádio desligado. O paraíso. No final, ele me passou um cartão e orientou:
- Na próxima vez, o senhor não precisa usar o aplicativo. Ligue para mim, diretamente.
Na segunda vez, estava em frente ao Hortifruti da Tijuca, na “obscura” Rua Conde de Bonfim. Liguei e o piloto me pediu para esperar 5 minutos. 15 minutos depois, liguei pra ele.
- Sr. Utahy, estou em frente ao Hortifruti.
- Amigo, eu estou em frente ao Hortifruti.
- Meu carro é um Renault Sandero, prata... Espera, Sr. Utahy, estou no Hortifruti errado.
- Estou vendo em meu espertofone.
- Em 5 minutos chego aí.
Chegou em 20, depois de se perder outras vezes. Eu que não distingo marcas de carro, cheguei a bater na janela de um Renault qualquer coisa, quase levando ao enfarte uma senhora que parecia gêmea da ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. De novo, motorista atencioso, preço baixo, carro confortável, água gelada, balinha, ar refrigerado Groenlândia e rádio sem funque. E o cartão seguido da recomendação:
- Ligue diretamente para mim.
O terceiro, eu estava no Recreio. Deu problema no GPS dele. Na hora de pagar, dei os 70 reais que ele me pediu, paguei o pedágio por fora e fiquei com a mão estendida para receber o cartão e a recomendação para ligar pra ele.
A quarta e última viagem foi mais traumática. Estava duro, dindim contado. Optei pelo UBER por causa da prévia do valor da corrida que o aplicativo faz. Daria 18 reais. Estava com 30. Ia dar até pra comer um pastel com o troco.
O carro que viria me buscar, um Logan, eu dispensaria na rua. Não deu tempo de recusar. Chegava em um minuto.
- Dias da Cruz. Bem no começo. O senhor pode ir pela...
- Não se preocupe, senhor. O GPS nos conduz.
Lembrei-me uma reportagem que li sobre as rigorosas avaliações que os motoristas de UBER fazem sobre nós, clientes. Um dos motivos de termos nossas notas reduzidas é exatamente o mau hábito de querer ensinar o melhor caminho. Uberistas são orgulhosos e zelosos de sua modernidade tecnológica. E lá fomos nós pela Linha Amarela, em direção ao final da Dias da Cruz. Senti falta da balinha, da água gelada, do ar condicionado Alaska e, no rádio, sertanejo universitário.
- Senhor, estou vendo aqui no Waze que teremos uma pequena retenção na Dias da Cruz.
- Meu querido, não preciso de Waze para informar engarrafamento na Dias da Cruz. Ela está sempre assim. Aliás, a Av. Meriti, a São Clemente e a Voluntários, também. Se eu tivesse um GPS desse jogava no lixo.
Chegamos, senhor:
- Quanto é?
- 43 reais, senhor.
- O quê?
- Tem uma pendência de uma corrida anterior.
- Pendência? Só pago essa corrida.
- Senhor, aqui está informando que o senhor tem uma pendência com o UBER.
- Não tenho. Não pago pendência. Pago esta corrida.
Paguei, desci e comecei a receber recados do UBER me cobrando 24 pratas da corrida do Recreio. O uberista me avaliou com nota três. Magoei.
Concluí, então, meu relato ao taxista:
- Aqui, tudo se desmoraliza, piloto.
Ele se virou para mim e disse:
- Sou auxiliar aqui no táxi. O dono me esfola. Fico até o fim do ano. Não tá dando, chapa. Vou pro UBER, mas também não vou trabalhar direitinho. Vou ter meus clientes por fora. Não estou aqui pra ser explorado por aplicativo.

Como disse, a salvação seriam os escandinavos. Como eles não virão, o UBER só não acabará porque será mantido vivo por nossos políticos demagogos e pelas milícias amarelas.