terça-feira, setembro 22, 2015

O POVO


- Geraldo e Beatriz foram a Paris?
- Fala baixo. Segredo de estado. Ir a Paris com essa crise... Parece ostentação. Bibi quis. Gegê foi, contrariado. Se alguém souber no Partido.
- Estão indo com o dinheiro deles. Trabalharam. Bibi é romântica.
- No Partido pregam que o dinheiro não deve ser usado para satisfazer aspirações egoístas.
- Você se filiou?
- Não, mas assisti a umas palestras. O Gegê deve vir candidato a deputado estadual. Ele é batalhador, estudioso, tem uma puta consciência social. Não perde um debate.
- Cara, não sei se é porque fui amarradão na Bibi, mas sempre achei o Gegê um babaca. Ele é do contra.
- Está sempre na contramão, não segue a manada.
- E se a manada estiver indo na direção certa?
- A manada é manipulada. A imprensa...
- O material de propaganda do Partido não manipula?
- ...
- Ele vai sumir dez dias com a mulher, ninguém vai perguntar por ele?
- Foi pra Araruama. Está se preparando para os embates de novembro. Nem celular levou.
- Que embates?
- Não sou do Partido, mas creio que serão realizadas várias manifestações. A pauta ainda será definida.
- Mas não entendo porque têm de esconder uma viagem romântica. O dinheiro é deles.
- Não é. É dos guerreiros. A imagem de Gegê não pode ser maculada. Quando ele chegar ao poder e usar o dinheiro do Partido, sempre para o bem do povo, ninguém poderá dizer que ele está agindo incoerentemente.
- Você admira genuinamente o Gegê.

- Admiro e respeito. Tanto que já aceitei o convite para ser assessor dele depois de eleito. Faço tudo por Gegê e pelo povo desvalido.

sexta-feira, setembro 18, 2015

MAGNATAS


- Jerôôôônimo. Amigão, tem uns dez anos que não te vejo. Me dá um abraço, safado.
- Miguelzinho, você continua esporrento. Estamos dentro de um laboratório de exames clínicos. O negão já está te olhando feio.
- Jero, como você está. A família. Está ainda em Campos? Tá trabalhando com aqueles ricaços? Seus filhos...
- Miguelzinho, calma. Você está aceleradíssimo.
- Fiquei emocionado de te encontrar. Daqui a pouco me chamam. Quero saber tudo.
- Vão demorar a nos chamar. Aqui é demorado. Estou no Rio, de volta, há um ano. Os filhos estão casados. A mulher me deixou. Saí do emprego. Quer dizer, fui mandado embora. Só consegui emprego há dois meses. As coisas estão desembaçando.
- O que deu errado no seu casamento? Você e Dinorá formavam um casal bacana. Se gostavam, todos viam. E como você perdeu seu emprego? Vinte e poucos anos trabalhando com os magnatas.
- 22. Sete aqui e 15 em Campos. Fui acusado de roubo. Ontem vi uma novela em que a empregada era acusada, injustamente, de ter roubado um anel. A reação dela foi de incredulidade. A minha, também.
- Disseram que você roubou o quê?
- Dinheiro, joias... Como era empregado de confiança, circulava por toda a casa. Várias vezes a madame, já dentro do carro, me mandava buscar alguma coisa esquecida dentro do quarto dela. O patrão também me fazia de mensageiro. Buscava encomendas e deixava dentro do escritório dele. Ele me deu uma chave da sala que ocupava na firma. Fiquei, várias madrugadas, esperando ele sair de um puteiro de luxo.
A Dinorá não segurou. Dos garotos consegui esconder, apesar de eles terem ficado desconfiados. A mulher, companheira de jornada, acreditou que eu havia roubado mesmo.
- Dê um desconto pra ela. De repente, as evidências contra você eram fortes. O que disse em sua defesa, se é que você não roubou?
- O que Dinorá queria era saber o que eu fiz com o dinheiro. “As joias, para que piranha você deu?”, ela me perguntou. Estava certa da minha culpa. Só não podia perdoar o fato de eu não ter dividido com ela.
- Você...
- Não, não roubei. Sei meu lugar ou pensava que sabia. Patrão é patrão, mas ... Por que roubaria joias? Somente eu e mais dois empregados circulávamos pela casa. A cozinheira, se fosse vista longe do fogão, quase entraria na porrada. A arrumadeira é uma senhora de quase 60 anos que os pais da madame trouxeram, criança, do interior de Minas. Ela se perde em Campos, acredita?
- Então, quem você acha que foi?
- Os príncipes. Três filhos aloprados do casal. Duas meninas e um rapazote. São viciados.
- Por que você não se defendeu?
- Eles sabem as merdas que criaram. Inúteis. Os meus, pelo menos trabalham, estudaram, têm família. Uma vez elogiei minha filha pra madame e ela me deu uma sacaneada: “Só você, Jerônimo, feliz porque sua filha vai casar com um bancário. Sonhe mais alto.” A puta com duas filhas cracudas.
- Você está trabalhando em quê?
- Motorista de um conhecido dos magnatas. Ele me procurou: “Jerônimo, você é ótimo profissional. Confio em você para conduzir minha esposa e os dois molequinhos. Quanto a você ter roubado os magnatas ou não, pouco me interessa. Em minha casa não dou moleza à criadagem. De maneira alguma você passa da cozinha. Prefiro até que faça as refeições na área externa, nos fundos.
- Pô, Jero, que humilhação!
- Nada. Meu lugar está bem definido. Sou educado com os patrões, mas não preciso ter nenhum carinho, consideração, por eles. Quando fui despedido, o que me matou foi que muitas vezes achei que havia uma parceria entre mim e o magnata. Não havia. Empregado e patrão vivem em mundos diferentes. Lição simples e eu levei mais de vinte anos para aprender.
Estão te chamando. Boa sorte no exame.


quinta-feira, setembro 17, 2015

MULHERES PODEROSAS

Paula Hawkins

Sophia Hannah

Gillian Flynn

Gillian Flynn, Paula Hawkins e Sophia Hannah são escritoras bem-sucedidas. Flynn e Hannah, mais do que Hawkins (estão há mais tempo na estrada), mas é do livro desta última que gosto mais, ressaltando, no entanto, que todas as obras mencionadas neste texto li e apreciei muito. Começo pela iniciante, muito promissora, Paula Hawkins.
Uma mulher, todos os dias, viaja de trem para o trabalho. De sua poltrona no trem, observa um casal que vive na rua em que ela viveu. Os breves momentos que o trem para no sinal são suficientes para ela criar uma mitologia do casal. Um dia, algo acontece. O que acontece é o material do ótimo “A garota no trem”, da estreante Paula Hawkins. O primeiro romance da autora, depois de 15 anos no jornalismo, foi best-seller do New York Times e vai virar filme com Emily Blunt e Rebecca Ferguson. Hawkins admira as escritoras Donna Tart e Gillian Flynn. São mesmo admiráveis.
Gillian Flynn teve dois de seus livros lançados no Brasil: “Objetos cortantes” e “Garota exemplar”. “Garota” já se transformou em filme e pode ser visto sem esforço nos canais Telecine. O filme, não sei; o livro é intrigante e angustiante.
No dia do aniversário de 5 anos de casamento de Nick e Ammy Dunne, ela desaparece. Ammy é uma boneca. Seus pais criaram um personagem, Ammy Exemplar, baseado na filha, que estrelou vários livros. Ammy era uma “celebridade”. Nick é o principal suspeito do desaparecimento e, quem sabe?, morte de Ammy. Mas nada é o que aparenta em “Garota Exemplar”. Como deve ser em um bom romance policial.
As protagonistas dos romances apresentados neste texto são, no mínimo, problemáticas. Uma é alcoólatra; outra, obsessiva; a terceira, psicótica; a quarta, egocêntrica.
As três autoras usam o recurso seguro da narração em primeira pessoa. Ao fazerem assim, nada do que você lê é, necessariamente, verdade. Gillian Flynn, em “Garota exemplar”, ainda vai mais longe e usa o recurso com engenhosidade. Aliás, as três autoras são carpinteiras eficientes.
A terceira autora, mencionada, mas não apresentada, é Sophie Hannah. Poeta, autora de livros infantis e, obviamente, escritora de romances policiais, teve a honra de ser convidada para reviver, em livro, Hercule Poirot, o detetive que, na Grã-Bretanha, rivaliza com Sherlock Holmes em popularidade.
“A vítima perfeita” nos apresenta outra mulher com sequelas. Sobrevivente de um estupro, Naomi Jenkins se encontra todas as semanas com Robert Haword, um homem casado, em um hotel barato. Quando ele falta ao compromisso, ela percebe que algo grave aconteceu. Os desdobramentos são narrados com engenhosidade.

As três autoras são, na opinião deste leitor sem pretensão a fazer crítica literária, ótimas. Quatro livros que entretêm o leitor de romances policiais e mostram muito da natureza humana. Somos gente estranha, mesmo que não gostemos de admitir.