sexta-feira, setembro 18, 2015

MAGNATAS


- Jerôôôônimo. Amigão, tem uns dez anos que não te vejo. Me dá um abraço, safado.
- Miguelzinho, você continua esporrento. Estamos dentro de um laboratório de exames clínicos. O negão já está te olhando feio.
- Jero, como você está. A família. Está ainda em Campos? Tá trabalhando com aqueles ricaços? Seus filhos...
- Miguelzinho, calma. Você está aceleradíssimo.
- Fiquei emocionado de te encontrar. Daqui a pouco me chamam. Quero saber tudo.
- Vão demorar a nos chamar. Aqui é demorado. Estou no Rio, de volta, há um ano. Os filhos estão casados. A mulher me deixou. Saí do emprego. Quer dizer, fui mandado embora. Só consegui emprego há dois meses. As coisas estão desembaçando.
- O que deu errado no seu casamento? Você e Dinorá formavam um casal bacana. Se gostavam, todos viam. E como você perdeu seu emprego? Vinte e poucos anos trabalhando com os magnatas.
- 22. Sete aqui e 15 em Campos. Fui acusado de roubo. Ontem vi uma novela em que a empregada era acusada, injustamente, de ter roubado um anel. A reação dela foi de incredulidade. A minha, também.
- Disseram que você roubou o quê?
- Dinheiro, joias... Como era empregado de confiança, circulava por toda a casa. Várias vezes a madame, já dentro do carro, me mandava buscar alguma coisa esquecida dentro do quarto dela. O patrão também me fazia de mensageiro. Buscava encomendas e deixava dentro do escritório dele. Ele me deu uma chave da sala que ocupava na firma. Fiquei, várias madrugadas, esperando ele sair de um puteiro de luxo.
A Dinorá não segurou. Dos garotos consegui esconder, apesar de eles terem ficado desconfiados. A mulher, companheira de jornada, acreditou que eu havia roubado mesmo.
- Dê um desconto pra ela. De repente, as evidências contra você eram fortes. O que disse em sua defesa, se é que você não roubou?
- O que Dinorá queria era saber o que eu fiz com o dinheiro. “As joias, para que piranha você deu?”, ela me perguntou. Estava certa da minha culpa. Só não podia perdoar o fato de eu não ter dividido com ela.
- Você...
- Não, não roubei. Sei meu lugar ou pensava que sabia. Patrão é patrão, mas ... Por que roubaria joias? Somente eu e mais dois empregados circulávamos pela casa. A cozinheira, se fosse vista longe do fogão, quase entraria na porrada. A arrumadeira é uma senhora de quase 60 anos que os pais da madame trouxeram, criança, do interior de Minas. Ela se perde em Campos, acredita?
- Então, quem você acha que foi?
- Os príncipes. Três filhos aloprados do casal. Duas meninas e um rapazote. São viciados.
- Por que você não se defendeu?
- Eles sabem as merdas que criaram. Inúteis. Os meus, pelo menos trabalham, estudaram, têm família. Uma vez elogiei minha filha pra madame e ela me deu uma sacaneada: “Só você, Jerônimo, feliz porque sua filha vai casar com um bancário. Sonhe mais alto.” A puta com duas filhas cracudas.
- Você está trabalhando em quê?
- Motorista de um conhecido dos magnatas. Ele me procurou: “Jerônimo, você é ótimo profissional. Confio em você para conduzir minha esposa e os dois molequinhos. Quanto a você ter roubado os magnatas ou não, pouco me interessa. Em minha casa não dou moleza à criadagem. De maneira alguma você passa da cozinha. Prefiro até que faça as refeições na área externa, nos fundos.
- Pô, Jero, que humilhação!
- Nada. Meu lugar está bem definido. Sou educado com os patrões, mas não preciso ter nenhum carinho, consideração, por eles. Quando fui despedido, o que me matou foi que muitas vezes achei que havia uma parceria entre mim e o magnata. Não havia. Empregado e patrão vivem em mundos diferentes. Lição simples e eu levei mais de vinte anos para aprender.
Estão te chamando. Boa sorte no exame.


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