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Jerôôôônimo. Amigão, tem uns dez anos que não te vejo. Me dá um abraço, safado.
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Miguelzinho, você continua esporrento. Estamos dentro de um laboratório de
exames clínicos. O negão já está te olhando feio.
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Jero, como você está. A família. Está ainda em Campos? Tá trabalhando com
aqueles ricaços? Seus filhos...
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Miguelzinho, calma. Você está aceleradíssimo.
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Fiquei emocionado de te encontrar. Daqui a pouco me chamam. Quero saber tudo.
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Vão demorar a nos chamar. Aqui é demorado. Estou no Rio, de volta, há um ano.
Os filhos estão casados. A mulher me deixou. Saí do emprego. Quer dizer, fui
mandado embora. Só consegui emprego há dois meses. As coisas estão
desembaçando.
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O que deu errado no seu casamento? Você e Dinorá formavam um casal bacana. Se
gostavam, todos viam. E como você perdeu
seu emprego? Vinte e poucos anos trabalhando com os magnatas.
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22. Sete aqui e 15 em Campos. Fui acusado de roubo. Ontem vi uma novela em que
a empregada era acusada, injustamente, de ter roubado um anel. A reação dela
foi de incredulidade. A minha, também.
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Disseram que você roubou o quê?
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Dinheiro, joias... Como era empregado de confiança, circulava por toda a casa.
Várias vezes a madame, já dentro do carro, me mandava buscar alguma coisa
esquecida dentro do quarto dela. O patrão também me fazia de mensageiro.
Buscava encomendas e deixava dentro do escritório dele. Ele me deu uma chave da
sala que ocupava na firma. Fiquei, várias madrugadas, esperando ele sair de um
puteiro de luxo.
A
Dinorá não segurou. Dos garotos consegui esconder, apesar de eles terem ficado
desconfiados. A mulher, companheira de jornada, acreditou que eu havia roubado
mesmo.
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Dê um desconto pra ela. De repente, as evidências contra você eram fortes. O
que disse em sua defesa, se é que você não roubou?
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O que Dinorá queria era saber o que eu fiz com o dinheiro. “As joias, para que
piranha você deu?”, ela me perguntou. Estava certa da minha culpa. Só não
podia perdoar o fato de eu não ter dividido com ela.
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Você...
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Não, não roubei. Sei meu lugar ou pensava que sabia. Patrão é patrão, mas ... Por
que roubaria joias? Somente eu e mais dois empregados circulávamos pela casa. A
cozinheira, se fosse vista longe do fogão, quase entraria na porrada. A arrumadeira é
uma senhora de quase 60 anos que os pais da madame trouxeram, criança, do
interior de Minas. Ela se perde em Campos, acredita?
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Então, quem você acha que foi?
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Os príncipes. Três filhos aloprados do casal. Duas meninas e um rapazote. São
viciados.
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Por que você não se defendeu?
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Eles sabem as merdas que criaram. Inúteis. Os meus, pelo menos trabalham,
estudaram, têm família. Uma vez elogiei minha filha pra madame e ela me deu uma
sacaneada: “Só você, Jerônimo, feliz porque sua filha vai casar com um
bancário. Sonhe mais alto.” A puta com duas filhas cracudas.
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Você está trabalhando em quê?
- Motorista de um conhecido dos magnatas. Ele me
procurou: “Jerônimo, você é ótimo profissional. Confio em você para conduzir
minha esposa e os dois molequinhos. Quanto a você ter roubado os magnatas ou
não, pouco me interessa. Em minha casa não dou moleza à criadagem. De maneira
alguma você passa da cozinha. Prefiro até que faça as refeições na área externa,
nos fundos.
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Pô, Jero, que humilhação!
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Nada. Meu lugar está bem definido. Sou educado com os patrões, mas não preciso
ter nenhum carinho, consideração, por eles. Quando fui despedido, o que me
matou foi que muitas vezes achei que havia uma parceria entre mim e o magnata.
Não havia. Empregado e patrão vivem em mundos diferentes. Lição simples e eu
levei mais de vinte anos para aprender.
Estão
te chamando. Boa sorte no exame.
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