Motoboys não têm muito tempo pra
conversar. “Tio, tô sempre no corre.” Sou um velho conversador. Conservador,
também.
Um amigo é dono de várias pizzarias.
A primeira nasceu há alguns anos aqui no Engenho da Rainha. À noite, eu voltava
do trabalho e, na frente da Lavoro, quatro, cinco motoboys estacionavam
aguardando as pizzas ficarem prontas para serem levadas aos clientes.
A BBC News publicou extensa
reportagem sobre as dificuldades que aplicativos têm causado a restaurantes
menores. Meu ponto de vista, aqui neste texto, será o do cliente e, também, um
pouco o do motoboy.
Há apenas cinco anos, se você
quisesse almoçar, regularmente, em casa, precisaria sair recolhendo prospectos
de propaganda, cartões e buscar informações de restaurantes que entregavam
quentinhas em sua casa. Era trabalhoso. Quase sempre você era mal atendido. Os
motoboys levavam sua quentinha junto com outras dez. Se a sua fosse a última a
ser entregue, imagine como ela chegava.
Os motoboys eram mal pagos. Dependiam
da consciência dos donos de comércio. O serviço era quase sempre deplorável.
A curva foram os apps. Para melhor ou
pior, o futuro dirá. Por enquanto, clientes e motoboys têm gostado bastante.
O motoboy paulista Tavares 160,
youtuber com 500 mil seguidores, já foi entrevistado até pelo Datena. Trabalha
com o Ifood e o UberEats. Fatura, diariamente, cento e poucos reais. Já
conseguiu em um ótimo dia chegar a 260 reais, só com o UberEats.
Você pode pensar, se for um jovem
empapuçado, que é pouco dinheiro. Não é. Pelo menos para 90% da garotada.
Sou usuário pesado de apps. Compro
remédios, comida e lanches dessa forma. Faço mercado por app. E, na maioria das
vezes, sou muito bem servido.
O comerciante pode usar os motoboys
dos apps ou contratar seu pessoal próprio. Se assim fizer, paga uma taxa menor
só app. Difícil está encontrar motoboys que troquem uma remuneração variável
que passa de 100 reais por uma fixa de, no máximo, 50 pratas.
Como esclareci, o lado do comerciante
eu não sei, mas para nós clientes tudo vai bem. Almoço todos os dias em um
delivery chamado Boca Nervosa (é sério). Cheguei a eles pelo Ifood. Um dia,
junto com a quentinha, veio propaganda do restaurante. Passei a pedir comida
pelo zap. Não demorou muito e rolou o primeiro vacilo: a comida não veio. O
motoqueiro não tinha aparecido. Outro dia, esperei mais de duas horas. Como
disse, sou chegado a um papo. Elogio e malho a comida servida com naturalidade.
A mocinha do zap das quentinhas Boca Nervosa me disse que há uma semana o
restaurante procura profissional para fazer entregas. Quando se trata de
comida, sou pouco fiel. Engatei um romance com o ótimo Boisucesso e sou servido
pela rapaziada dos apps. Até o momento, sem furo.
Restaurantes têm dificuldades de
enfrentar o poderio dos apps; entregadores querem ser mais bem remunerados; e
nós, clientes, desejamos ter nossas necessidades atendidas.
Nunca fui a Foz do Iguaçu. Um amigo
vai sempre. Ele atravessava a fronteira de táxi e pagava cerca de 50 reais do
hotel ao shopping no lado paraguaio. Há um ano, ele me disse, o Uber começou a
funcionar bem por lá. Na primeira corrida, pagou 10 reais. Alguma dúvida que
ele jamais embarcará, de novo, num táxi em Foz?
O mundo muda rapidamente nas pequenas
coisas e nas grandes, também.
Leandro é motoboy em Fortaleza.
Acompanho-o pelo Youtuber, também. Em um de seus vídeos, ele mostrava
preocupação porque o Ifood ia mudar a periodicidade da remuneração: em vez de
quinzenal, passaria a ser semanal. O garoto se preocupava em programar sua
remuneração para pagar combustível, moradia, despesas eventuais e poupança. Em
2020, está cada vez mais difícil o trabalho formal, com carteira assinada.
Circulando pelas ruas de Fortaleza, ele diz: “Não sou empreendedor, eu me viro.
Estou aqui por opção, mas com o estudo que tenho não ganharia o que ganho em
uma firma”.
Em nosso mundo polarizado, uma coisa
sempre precisa excluir outra. É o que chamo idiotia dos tempos atuais. O jovem
pode ir atrás de dinheiro para asfaltar o caminho de seus sonhos e,
simultaneamente, lutar por melhores condições de trabalho. Não dá é pra
choramingar paralisado.
Em um município do Rio, havia um
riacho. A população pedia à Prefeitura que fizesse uma ponte sobre ele. Ponte
feita, quem morava de um lado do riacho deixaria de caminhar 2km para chegar ao
centro comercial da cidade. A Prefeitura enrolava. “Não temos 500 mil para
construir a ponte.” A população se uniu e fez a ponte por 5 mil reais. Foi
noticiado por toda a imprensa. O mundo se transforma e temos de pensar sobre o
que fazer diante de situações que anteriormente não nos cabia resolver.
Quando comecei a trabalhar em 1974,
no Jornal do Brasil, éramos 150 revisores de texto distribuídos por três
turnos. Dez anos depois, não havia mais revisores no JB.
Hoje, muitos estudam para serem
profissionais de carreiras que não existirão quando estes alunos estiverem
formados.
A fluidez do mundo de hoje pode ser
apavorante, mas ela está aí. Não adianta chorar no meio-fio. Aliás, ainda
existe meio-fio?