quinta-feira, setembro 09, 2010

16



De manhã, dar de cara com uma adolescente morta, queimada, desfigurada tira o apetite do mais duro e escolado guerreiro. Não ia dar pra encarar o café com leite e o sanduba de fritada.
Parei diante do corpo e olhei para a menina. Logo a reconheci. Morava a dois blocos de distância do meu. Jurema, o nome dela. Menina bonita, cobiçada pela garotada e por uns mais velhos, também.
Não é sábio parar perto de corpos chacinados. A bandidagem é sensível. O matador não gosta de solidariedade à vítima. Se morreu é porque merecia, reduz o populacho.
Baixinho, ouço em meu ouvido direito, vindo da boca de uma velhinha: “Ela estava namorando um cara do movimento. O grupo inimigo invadiu o baile. Morreram três. Ela apanhou muito”.
Saí de fininho. Um peso na carcaça. Parei no boteco. O assunto: Jurema. “Tadinha, começou a namorar o moleque há uma semana. Não sabia nada dele. Morreu na inocência”.
Há um tempo passei por Jurema na portaria.
“Tio, tem um cigarro?”
“Não fumo, querida. Sai dessa, cigarro faz mal.”
“Sou viciada, não, tio, fumo de onda.”
Sorrisão bonito de quem vai viver um caralhão de anos.
Corri pro ônibus, me sentei, ia abrir o jornal.
“O senhor mora aí no condomínio? O corpo da menina ainda está lá? Morte besta. Pura imprudência de garoto. Ela deu mole pro Dom. Ele chegou junto, ela recuou. O cara ficou doido. Soube que ela estava namorando, mobilizou a tropa pra fechar a conta com a menina”.
Deixei o cara falando sozinho, desci do ônibus e caminhei de volta pra casa. Trabalhar o caraio.
Aos 65 anos, dei-me conta que não entendia mais o mundo onde vivia.
Pelos 18, tive uma namoradinha de quem gostava demais. Ela nem tanto. Um dia encontrou coisa melhor e saiu fora. Fiquei puto. Quando a encontrei com o cara, falei muita merda, parti pra cima, entrei na porrada. No chão, corno espancado, chorei. Mas levantei-me e parti pra várias outras.
Hoje, não haveria briga.
Hoje, é matar ou morrer.
Virei a esquina e, de longe, vi que o corpo estava lá, coberto por um plástico preto. Parei diante do cadáver, uma vontade doida de descobri-lo. Aquele corpo precisava ficar exposto, a revelar a todos: “Morri porque estava com 16 anos e agi como se 16 anos tivesse”.

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