quarta-feira, março 03, 2010

TAXISTA


Em um mundo perfeito, taxista nasceria mudo.
– Vamos a Inhaúma?
– Vamos lá.
– Tempinho melhorou, né? Aquele calorão...
– Prefiro o calor. Esse tempo... Não tenho dormido legal.
– Mas o friozinho é bom pro sono.
– Acordo sem ar. Acho que estou com apneia do sono. Me levanto e vou pra janela respirar.
– Você precisa ver isso.
– Mais do que eu já vi, meu senhor. Paguei 300 contos prum médico particular. E olha que tenho plano de saúde.
– E não apareceu nada?
– Tenho uma arritmia que me deixa louco. O cardiologista me disse que ela não vai me matar. Me receitou um betabloqueador. Estou tomando há dois anos. Não está adiantando PORRA NENHUMA.
– Calma, meu amigo.
– Ando nervoso, sei disso. Tomo Rivotril em gotas. Durmo mal. Quando me aborreço fico com falta de ar. Já falei pra minha namorada que vou meter um tiro na cabeça.
– Não é solução.
– Porra, sei que não é solução. Há dois anos, em um mês, fui mais de 20 vezes à emergência de hospitais. Saía pra trabalhar e, se estava na Tijuca, pensava nos hospitais das imediações. Vivia achando que ia morrer. Depois que descobri que era hipertenso e fui medicado, melhorei. Agora, se me sinto mal tomo os remédios. O Captopril está acabando. Estou nervoso porque só tomo o do laboratório Medley. Fui a cinco farmácias e não encontrei.
– Não há diferença entre um laboratório e outro.
– Claro que tem. Só me sinto bem com o Captopril da Medley. Ele dissolve melhor na boca.
– Meu amigo, o Captopril tem um gosto horrível. Você pode engoli-lo.
– Sei que posso, mas me sinto melhor chupando-o como bala.
– Bem...
– Acho que o psicológico está me afetando.
– Pode ser.
– Moro na Penha. O apartamento é do meu pai. Desde os 20 anos, vivo lá. Antes morava com minha avó. O senhor sabe que o filho da puta do meu pai, há uns três anos, quis me cobrar aluguel. Fiquei injuriado. Parei de pagar o condomínio. O condomínio foi em cima dele. Ele me mandou pro pau. Peguei um advogado de faculdade e o merda perdeu a causa. Família é foda.
– A minha é pequena: esposa e dois irmãos.
– O senhor é casado?
– Sim.
– Estou com 40 anos, nem casar quis. Tenho uma namoradinha, mas não quero casar. Fui apaixonado por uma mulher. Com ela casaria. Ela não quis. Possuía uns lábios carnudos, uns dentes grandes. Uma beleza exótica. Me excitava demais. Não deu certo. Ano passado, encontrei o irmão dela e ele me disse que ela havia morrido. Não acreditei. Achei que estivesse mentindo para eu não procurá-la mais. Ele me disse onde ela estava enterrada. Todas as vezes que tenho uma corrida para perto do cemitério em que ela está, visito o túmulo. Se ela tivesse querido, com ela casaria.
– Agora é bola pra frente.
– O Brasil fez dois a zero. O senhor acredita que morto se comunica com vivos?
– Comigo nunca nenhum se comunicou. Meu irmão vive vendo fantasma, mas ele é meio doido.
– Não tem nada de doideira. Ouço muitas vozes de pessoas falando comigo aqui no volante.
– É?
– Ontem, estava cansadão. Não queria ir pra casa com medo de passar mal. A voz me disse: “Vá pra casa, você está cansado”. Fui e dormi muito bem.
– Deve ser uma questão de sensibilidade espiritual.
– Quando a mulher que eu amava morreu, essa que falei pro senhor, recebi um aviso. Estava assistindo televisão. De repente, a TV desligou e ouvi: “Eu morri”. Ao mesmo tempo, o interfone tocou. Era minha namorada. Então, não era um aviso?
– Só podia...
– Um passageiro muito espiritualizado me disse que a televisão desligando significava que uma etapa de minha vida se encerrava. Agora, eu deveria cuidar de minha namorada. Achei que era isso mesmo.
– Pode ser. Vou ficar no final da Estrada Velha.
– O senhor tem religião?
– Não.
– Também não. Meu pai é religioso. Um filho da puta. Se perder o recurso vou ter de pagar uma fortuna pra ele.
– Aí nessa esquina tá legal. Bom serviço.
Fora do carro, observei o taxista se afastar, me ajoelhei e chorei. Dessa vez escapei.

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