- Jamais esperaria ver você por aqui.
- Por que não? Nunca fomos melhores amigos, mas
nos relacionávamos amistosamente.
- Já estou preso há três anos. Nunca recebi
visitas. Nem amigos, nem parentes... Ninguém.
- Portinho, o que você fez causou horror no
bairro. Ninguém ganha popularidade estuprando uma menina de 14 anos. Ao sair
daqui, nem sonhe em aparecer por lá. Tem gente que quer e vai te matar, se
tiver chance.
- Aqui dentro também estou jurado. Gente que matou
três, quatro; ladrões cruéis; parricidas e matricidas... Todos me querem. Sou a
escória. Eu também me acho um merda, mas não me deixo matar.
- Por que você fez o que fez?
- Sei lá. Às vezes, acho que foi doideira. Achei
que ela queria dar pra mim. O jeito que me olhava. Toda hora ia lá em casa.
Em vez de falar com a Zildinha, ficava de papo furado comigo. Os namoradinhos,
a escola... Porra, e eu com isso? Aqueles olhos. Maior coxão. Corpaço de
mulher. Eu evitava ficar perto dela.
- Era amiga de sua filha. Não tem pai, viu em você
a figura paterna. O que você fez foi monstruoso.
- Pode até ser, mas eu estava com a maior tara
nela. E pensei que ela quisesse jogo. Lembra que nos papos no boteco os caras
diziam que tem uma porção de menina que gosta de homens mais velhos...
Experiência, sacumé.
- Sua família teve de sair do bairro, tá sabendo?
Começou uma conversa de que você violentava sua filha, com a conivência da
Glorinha.
- Elas não querem saber de mim com razão. Nunca
toquei em minha filha. Glorinha me escalpelaria se eu fizesse isso. Sabe o que
mais? Casei com a Glorinha com 22 anos, tenho 44, jamais a traí. A vida inteira
me mantive íntegro. Minutos de desvario me desgraçaram e à minha família.
- Portinho, todo mundo tinha a maior consideração
por você. A Glorinha é uma mulher bonita, amorosa, todo mundo via. Por que você
fez essa merda?
- Amílcar, de repente, cri que aquela menina
queria alguma coisa comigo. Impossível uma menina querer transar com um cara
mais velho? Uma vez estávamos no boteco: eu, você e o Barros. Você, Amílcar, me
disse que em uma ocasião estava tomando umas cervejas no Bambu, na Av. Brasil.
Uma menina se aproximou e te ofereceu um programa. Lembra que você falou: "Portinho, o bar estava cheio de garotos e ela veio se oferecer pra mim". Quantos
anos tinha a menina, Amílcar? Você me disse, uns 13, 14. E ela escolheu você.
- Portinho, era uma prostituta.
- Cara, não estou me justificando. Vocês saíram do
bar e foram para a casa dela. Refresque a memória. Recorda seu constrangimento
de passar pela sala da casa dela, com pai, mãe e cachorro vendo televisão? Você
foi trepar com a filha deles no quarto ao lado, parede fina de madeira. Você e
o Barros gargalharam com a história. O Barros mesmo só pegava menininha.
- Portinho, prostitutas.
- O Barros comia a sobrinha de 16 anos. A mulher
dele nunca soube.
- Portinho, foi consensual. A menina nem virgem
era mais.
- Eu achei que a menina me queria. Endoidei.
- Portinho, estou me arrependendo de ter vindo.
- Eu, você e Barros somos três filhos da puta.
Irônico é que eu, o único que admite, estou enjaulado.
- Você forçou a menina.
- Então, usei o método errado?
- Eu paguei, o Barros seduziu, você estuprou. Não
percebe a diferença?
- Não, Amílcar. Somos homens feitos. Elas são
meninas. Não quero duvidar da lógica de seu raciocínio. No fundo, sempre sonhei
em ser como você e o Barros: estúpido, alienado, egoísta, escroto. Vocês vivem a
vida. Fazem merda em cima de merda e ainda têm coragem de meter o dedo na cara
dos outros. Mesmo invejando a falta de escrúpulos de vocês, me batia um orgulho
de jamais, conscientemente, ter prejudicado alguém. Aí aparece essa menina, eu
faço essa merda e descubro que sempre vai me faltar alguma coisa para ser como
vocês.
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