Aos 22 anos, tenho a sensação de ter vivido uma vida inteira. Uma
vida que não queria para mim. Nasci aqui no Bairro, na Rua de Baixo. Desde
moleque fui muito popular. Jogava pra cacete. Ainda jogo. Clássico, diziam os
coroas que me viam no campinho, na rua. Era volante. Volante de contenção. Os
expertos exigiam que fosse meia. Não fiquei no Botafogo por causa disso: o
técnico queria que jogasse mais avançado. Sou volante de contenção, cabeça de
área.
A beleza do futebol é o desarme. É tirar o pão da boca. É ver o babaca
do atacante achar que vai meter na rede e você, na moral, roubar-lhe a bola. A
diferença entre mim
e os manés é que eu não só tirava a bola como dava seguimento à jogada.
O desarme é jogada de excelência quando seguido por uma ligação
rápida com o ataque. Meu ídolo no futebol jamais chegou a um time grande, por
diversos motivos, o mais grave deles: o alcoolismo. Laudelino entornava. Era um Clodoaldo mamado.
Em um jogo no campo do Atlas, perto dos 40 anos, magérrimo, o vi fazer coisas
pelo Polígono, seu time, que, puta que pariu! Minha mãe, que me dava a maior
força, não entendia minha admiração: “Seu ídolo é um cachaceiro”. Bom, mãe não
entende porra nenhuma de futebol.
Sempre tive princípios. Sonhei jogar pelo meu Botafogo a vida toda.
O dinheiro que ganharia no clube seria mais do que suficiente. Volante, no
Botafogo, e casado com Marivone.
Não precisava de mais nada na vida. Tomei na bunda.
Meu casamento com Marivone acabou muito mais rapidamente do que
pensei. Se fosse um cara mais flexível, aceitaria as desculpas dela. Ela teve
razão em me cornear, mas homem não costuma aceitar essas paradas. Ainda mais
que a vadia era a maior rata de igreja. Ela veio com aqueles papinhos de a
carne é fraca, estava fragilizada, eu não dava atenção, só pensava em
trabalhar. A gente estava num período difícil, mas sou cara das antigas. Essas
coisas não se perdoam. Eu, não.
Conheci Marivone, eu com 15 e ela, 13 anos. Foi a primeira mulher
que beijei. Nem digo comer, é beijar, mesmo. Caraio, tinha uma pá de mina
querendo me dar e eu nunca tive momento de fraqueza, crise. Acho que é por isso
que não perdoo. Volante de contenção é foda.
Aos 16, transamos. Tudo cercado do maior cuidado. Foi a época que
deixei o Botafogo. Só pensava em Marivone. Sentia um ciúme louco dela. E os
caras cercavam sem piedade. Ela era linda. Era, não: é.
O técnico sempre me dizendo: “Você é habilidoso demais pra jogar aí
atrás”. Um porrão de empresários na minha cola. Minha mãe embarreirando. Treino
físico. Corre pra cá, corre pra lá. Adorava futebol, mas resolvi que não queria
ser profissional. Burrada de moleque. Naquela época eu queria Marivone, que
também me queria.
O pai dela me arranjou um bico na empresa em que ele trabalhava. Aos
19, era motorista de ônibus. Marivone deu a ideia: “Vamos casar, depois as
coisas melhoram”. Casamos, mas nada melhorou.
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