terça-feira, abril 24, 2012

VOLANTE DE CONTENÇÃO




Aos 22 anos, tenho a sensação de ter vivido uma vida inteira. Uma vida que não queria para mim. Nasci aqui no Bairro, na Rua de Baixo. Desde moleque fui muito popular. Jogava pra cacete. Ainda jogo. Clássico, diziam os coroas que me viam no campinho, na rua. Era volante. Volante de contenção. Os expertos exigiam que fosse meia. Não fiquei no Botafogo por causa disso: o técnico queria que jogasse mais avançado. Sou volante de contenção, cabeça de área.
A beleza do futebol é o desarme. É tirar o pão da boca. É ver o babaca do atacante achar que vai meter na rede e você, na moral, roubar-lhe a bola. A diferença entre mim e os manés é que eu não só tirava a bola como dava seguimento à jogada.
O desarme é jogada de excelência quando seguido por uma ligação rápida com o ataque. Meu ídolo no futebol jamais chegou a um time grande, por diversos motivos, o mais grave deles: o alcoolismo. Laudelino entornava. Era um Clodoaldo mamado. Em um jogo no campo do Atlas, perto dos 40 anos, magérrimo, o vi fazer coisas pelo Polígono, seu time, que, puta que pariu! Minha mãe, que me dava a maior força, não entendia minha admiração: “Seu ídolo é um cachaceiro”. Bom, mãe não entende porra nenhuma de futebol.
Sempre tive princípios. Sonhei jogar pelo meu Botafogo a vida toda. O dinheiro que ganharia no clube seria mais do que suficiente. Volante, no Botafogo, e casado com Marivone. Não precisava de mais nada na vida. Tomei na bunda.
Meu casamento com Marivone acabou muito mais rapidamente do que pensei. Se fosse um cara mais flexível, aceitaria as desculpas dela. Ela teve razão em me cornear, mas homem não costuma aceitar essas paradas. Ainda mais que a vadia era a maior rata de igreja. Ela veio com aqueles papinhos de a carne é fraca, estava fragilizada, eu não dava atenção, só pensava em trabalhar. A gente estava num período difícil, mas sou cara das antigas. Essas coisas não se perdoam. Eu, não.
Conheci Marivone, eu com 15 e ela, 13 anos. Foi a primeira mulher que beijei. Nem digo comer, é beijar, mesmo. Caraio, tinha uma pá de mina querendo me dar e eu nunca tive momento de fraqueza, crise. Acho que é por isso que não perdoo. Volante de contenção é foda.
Aos 16, transamos. Tudo cercado do maior cuidado. Foi a época que deixei o Botafogo. Só pensava em Marivone. Sentia um ciúme louco dela. E os caras cercavam sem piedade. Ela era linda. Era, não: é.
O técnico sempre me dizendo: “Você é habilidoso demais pra jogar aí atrás”. Um porrão de empresários na minha cola. Minha mãe embarreirando. Treino físico. Corre pra cá, corre pra lá. Adorava futebol, mas resolvi que não queria ser profissional. Burrada de moleque. Naquela época eu queria Marivone, que também me queria.
O pai dela me arranjou um bico na empresa em que ele trabalhava. Aos 19, era motorista de ônibus. Marivone deu a ideia: “Vamos casar, depois as coisas melhoram”. Casamos, mas nada melhorou.

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