Um
velho hábito perigoso: caminhar lendo jornal. Tudo bem, talvez não tão
perigoso. Todos, hoje em dia, andam olhando pros celulares. Uma voz, débil, me
chama:
–
Gordo, Gordo...
Empédocles,
o Pé, amigo velho de mais de 60 anos. Andava doente. Estava sentado em uma
cadeira de plástico, por trás de um tabuleiro lotado de dvds piratas.
–
Soube que você esteve mal. Folgo em vê-lo bem.
– É,
Gordo, resolvi empreender. Fiquei quase um ano na casa de minha filha, me
recuperando de um piripaque. O médico disse que tinha muito a ver com o tempo
que eu passava sem fazer porra nenhuma. Ele me aconselhou a procurar o que
fazer.
– Aí
você virou bucaneiro?
– Dei
um trocado pra neta e ela me ensinou a mexer no computador. Tenho um montão de
dvds, você sabe. Gravo, escaneio as capas e vendo por uma merreca.
– É
uma terapia, então? Não dá dinheiro.
– Não
dava, Gordo. Minha neta é muito boa menina, mas também é uma menina má. Faz
muita lambança. Muitos dvds que vendo aqui não são exatamente do meu acervo. De
onde ela tira, não sei. Me garante que baixa na Internet. Finjo que acredito.
Acabei ganhando uma sócia.
– Mas,
Pé, ninguém te incomodou, ainda? Produto pirata costuma dar cana.
–
Gordo, você sempre foi o mais babaca da turma. Era religioso, acreditava nas
pessoas, tinha um hamster...
–
Ainda tenho. Vários.
– Há
seis meses minha banca funcionava dentro do conjunto habitacional. Um fiscal me
levou uma grana e me disse preu vir aqui pra fora, na avenida. "Mais
movimento, mais dinheiro", me aconselhou. Todo mês ele recolhe a mesada
dele.
– Você
ajuda a família, tem sociedade com a neta e paga propina. O negócio,
certamente, vai bem.
– Não
tenho do que reclamar. O empreendedor precisa diversificar.
Enquanto
falava, percebi a aproximação de dois PMs. Pé olhou pra mim e fez um sinal.
Queria que eu vazasse. Afastei-me, entrei na banca de jornal e de lá observei o
que aconteceria. Se o amigo fosse preso, avisaria a família e, claro, me poria
à disposição para ajudar. Sou um homem bom.
Os PMs
conversaram com ele por um tempo. Quando foram embora, levaram com eles um dvd.
Esperei que tomassem distância e me aproximei rindo.
– Os
caras são seus clientes?
– Não,
esses vêm por causa do jogo de bicho. Eu escrevo. Para não me encherem o saco,
o chefe deixa um qualquer pra eles toda semana. Cafezinho e Cervejinha não
falham.
– É,
seus negócios são mesmo diversificados.
–
Gordo, aqui eu trafico. Maconha, cocaína, sintéticas... Crack, não. É droga de
zumbi. Aqui eu agencio 10 meninas. Quer dar uma olhada no book? Está aqui no
lepitopi. Só não escolha minha neta, pra não haver constrangimento. Aqui eu
promovo excursões a vários pontos turísticos do Brasil. Gordo, eu empreendo.
– Pé,
você pode se estrepar. O Brasil está mudando.
–
Gordo, te adoro, cara. Quando você diz essas coisas me dá uma grande alegria de
eu não ser você. Deve ser uma merda chegar aos 75 anos acreditando nas bobagens
em que críamos aos 20. Gordo, empreenda. Eu empreendo.
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