quinta-feira, novembro 26, 2009

O NERVOSINHO


Padaria pequena, uma lojinha. Vende pão, biscoitos, jornais... Os populares.
O dia inteiro vazia. Quando sai o pão quente, os quatro condomínios enviam seus representantes. E a acanhada lojinha enche.
Às sete da manhã sai a primeira fornada e não é que exatamente nesta hora apareceram por lá, dia desses, três ladrões madrugadores.
– Aí, se todo mundo cooperar, sai tudo vivo. Dondom, vigia os fundos.
D. Deolinda, 90 anos bem vividos, é metódica. Acorda às 6h, ouve a programação da Rádio Rio de Janeiro, kardecista que é, às 6h40 vai à padaria, compra o pão e faz café pra filha e pro neto. Toma um gole de café, come um pão francês sem manteiga e às 7h30 está no tai-chi-chuan da comunidade.
– Meu filho deixa eu ir embora. Sou idosa, posso morrer de nervoso.
– Vovó, vai lá pra trás – gritou o meliante.
Dondom, lá dos fundos, chamou a atenção do colega de labuta:
– Deixa a vovó ir embora. Aqui é jogo rápido.
D. Deolinda nem esperou o final da discussão e foi saindo. Saiu e dez metros depois, na rua, ligava pra filha do celular:
– Estão assaltando a padaria.
A filha, “A senhora está bem?”, “Vem pra casa.” Em seguida, ligou pra polícia.
Tem coisa que parece que só acontece em ficção, mas d. Deolinda entrava em casa e a polícia já estava dando voz de prisão pros ladrões.
Está certo que o assalto demorou mais do que o planejado. Sete da matina, no caixa não tinha nem 50 reais. Os 12 clientes estavam sem nenhum. A prática do pendura ainda é muito comum nos bairros proletários do Rio. Os dois assaltantes que estavam na frente não se conformavam. O nervosinho queria dar porrada.
Mais espantoso, ainda, era estar passando uma viatura pela rua principal do bairro, quando o chamado da Delegacia foi feito. Os policiais chegaram e deram voz de prisão no bando. Policiais audazes. Se as armas dos dois fossem de verdade, teriam tombado ali mesmo.
Dondom, que estava nos fundos, dando uma olhada nas manchetes de um jornal que surrupiara, saiu de fininho. Não correu, andou rapidamente. Para evadir-se precisaria pular as grades do condomínio proletário, que segue o último grito carioca de encimar muros com rolos de arame farpado. É a estética Auschwitz.
Não perdeu a calma. Sentou-se em um banco, abriu o jornal e ficou por ali, dando uma de migué. De onde estava, via a saída do condomínio que se localizava ao lado da padaria. Viu, também, o policial vir em sua direção. Esperou. Acima do peso, correr, pular muros, não era pra ele. Estava na hora de repensar sua carreira.
– Cidadão, por acaso o senhor viu alguém em atitude suspeita por aqui? A padaria quase foi assaltada e parece que um dos elementos escapou pelos fundos.
– Policial, eu estava distraído lendo o jornal. Vi um homem passar entre os blocos há uns cinco minutos, mas ele não estava correndo.
– Obrigado, cidadão. Vou averiguar.
Dondom pensou. “É bom ser branco nessa terra de louros. Se fossem os companheiros neguinhos, não tinha cidadão, ele iria me enquadrar”. De qualquer forma, não poderia ficar ali. Iria se arriscar. Passaria pelo portão. Ninguém ia dedurá-lo. O cagaço da cabeçada o protegeria. Aproveitou o policial voltando e o acompanhou.
Lá fora, um camburão havia chegado. As vítimas olharam pra ele, o reconheceram, mas ficaram na moita. Seu olhar cruzou com o dos companheiros, enquanto se afastava. O nervosinho olhou pra ele e riu. Levou um safanão do policial.
– Tá rindo de quê, babaca?
– Da vida, policial, da vida – continuou rindo e apanhando o nervosinho.

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