domingo, abril 28, 2013

LOURAÇA NO SAMBA



Cá pra nós, quem vive sem amigos? Mas amigos nos deixam em roubadas indescritíveis. Como são amigos, a gente perdoa.
Tradição do Samba me convidou para uma de suas apresentações musicais. Era cantor dos bons. A música que ele cantava... Meu Deus!!!
Não ia dar pra encarar sozinho. Convoquei o Velho Roqueiro como acompanhante.
– Porra, Gordo, roqueiro em roda de samba. Ainda mais com o Tradição. A gente não se topa. Você ‘tá na bronca comigo por algum motivo?
– Velho, já fiz sacrifícios maiores por você. Chamei o Homem de Preto, mas a mulher dele embarreirou. É você mesmo.
Fomos. Tradição estranhou a presença do Velho, mas não deixou de ficar satisfeito.
– Hoje, você ouvirá boa música. Obras engendradas com sentimento.
– Ó!
O Velho, para não agredir, monossilabava.
O cenário da apresentação era o salão da casa do Tradição. Cadeiras em círculo em que descansariam as bundas dos vinte e poucos espectadores e, no centro, espaço para os artistas.
Sentamos. Do lado do Velho alojou-se uma louraça. Bonitona. Uns cinquenta anos. Uma lolita diante dele.
No centro, logo a nossa frente, o pandeirista se preparava. Retirou seu instrumento de um estojo de couro trabalhado e o acariciou com ternura. Parecia que apalpava as coxas de Juliana Paes. Os dedos tamborilavam a pele do pandeiro. Fez umas presepadas, pegou um copo de cerveja e lançou um sorriso torto para seu colega de cavaquinho. O único sorriso que vi. O grupo de samba do Tradição era seriíssimo.
Violões, cavaquinho, bandolim, pandeiro, tamborim, cuíca. Faltava o cantor.
Tradição chegou e dirigiu-se ao centro da roda.
No meu ouvido, o Velho murmurou:
– O sambeiro gosta de entrada triunfal.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! – o do pandeiro não admitia conversa.
Percebi que a turma se levava a sério. Previ aporrinhações.
– Gordo, vamunessa, vou dar um pau nesse babaca.
Tradição começou a cantar: “Bate outra vez, a esperança do meu coração...”
– Gordo, é sério, você vai ficar sozinho.
Do lado do Velho, a louraça sussurrou no ouvido do ancião.
– Não vá não. Mais pro final, melhora.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
O Velho quando se emputece fecha o tempo. Normalmente, entra na porrada. Cuidar das escoriações acaba sobrando pra mim.
– Tá legal, Velho, vambora, depois me explico com o Tradição.
– Shhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
– Gordo, vamos ficar, surgiu uma situação.
Desta vez a música parou. Tradição nos deu um esporro. Falta de respeito com a música de raiz.
Desculpei-me com a plateia, o conjunto, peguei o Velho pelo braço e levei-o para fora.
– Que situação?
– Vou ver se pego a loura.
– Velho, nas duas últimas trepadas você quase morreu.
– Exagerei no azulzinho.
– Você vai morrer.
– Seria uma morte gloriosa.
Voltei para a sala, desculpei-me, novamente, e prometi silêncio.
O Velho, na orelha da loura:
– Vamos sair daqui? Tomar um chopinho e quem sabe o que mais.
Loura sacana. Piscou pro Velho e arrematou:
– Não sou assassina. Na cama, eu mataria você.
O Velho levantou-se, interrompeu o suingue de Tradição e saiu. Fui atrás dele.
- E a situação?
- Esqueça. Vou dar uma passada na Isaura. Se morrer, hoje, não me será penoso.

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