Lá pelo final da década de 60, havia um personagem que gozava
(aliás, pouco gozava) da antipatia dos jovens heterossexuais: o guarda-cabaço.
O guarda sempre estava ao lado da jovenzinha mais cobiçada, não a deixava por
nada, acompanhava-a por todos os cantos, principalmente na escola.
Há 50 anos este era outro mundo. Um mundo em que cabaços tinham alto
valor. Mundo machista, sim, mas, em muitos aspectos, um lugar mais seguro para
se viver. O mundo em que perambulava, patético, o guarda-cabaço.
O guarda-cabaço, na maioria das vezes, não era gay (não era fácil
ser gay na década de 60). Era, sim, sempre, muito solícito. A dona do cabaço
que guardava tinha dele toda a atenção. Copiava a matéria para a portadora do
hímen a necessitar de proteção, explicava os pontos das aulas não entendidos
por sua protegida e levava sempre na pasta um belisquete apreciado pela
queridinha.
O que ganhavam os guarda-cabaços? A companhia das tirânicas
deusinhas, certamente. Pouquíssimos papavam a protegida, que quase sempre era
inaugurada por um boçal boa pinta e sem noção. Mas mesmo pros boçais bonitões a
vida não era fácil. Ali pelos 15, 16 anos quase toda jovenzinha mantinha sua
tampinha no lugar. Não é como hoje.
Mais tarde passei a gostar tanto da companhia feminina que poderia,
facilmente, ser confundido com um guarda-cabaço. Tive algumas amigas com quem
nunca me envolvi sexualmente, andava com elas para cima e para baixo, mas sem
me preocupar com suas vidas afetivas. Mulheres são mais ricas,
intelectualmente, do que homens. No tempo de colégio, no entanto, não era
guarda nem pegador. Observava, apenas.
Estudava no Brigadeiro Schorcht, na Taquara, e via sempre a chegada
de um notável guarda-cabaço e sua protegida. O amigo de xadrez era apaixonado
pela menina, mas o vigilante zagueiro lhe dava poucas oportunidades de
aproximação. Do grêmio onde jogávamos, via o guarda chegando com a donzela. As
amiguinhas se aproximavam e ele ficava por ali, borboleta a voltear a flor. Ela
saía e ele acompanhava. Na cantina, ela sentava-se à mesa enquanto o pateta
buscava o lanchinho da princesinha. Se um pegador se aproximava, o empata-foda
se apressava e antes de o devorador desferir qualquer engodo lá estava ele,
beija-flor a bicar florezinhas, para atrapalhar. Dentro da sala de aula,
sentava-se na carteira logo atrás do objeto de sua veneração. Dali vigiava os
movimentos dos papões. Os guardas têm, todos, comportamento semelhante. O
guarda do Brigadeiro foi derrotado. Meu amigo, persistente, pintosão e rico
perdeu a paciência, atacou a menininha e deixou o guarda desempregado.
Guardadores de cabaço não existem mais. São personagens de outro
mundo, outro tempo. Hoje não há mais cabaços para guardar. As que ainda os
preservam sentem-se envergonhadas por isso.
Eu achava que sentia aversão pelos guarda-cabaços. Não era assim.
Talvez tivesse inveja daquelas figuras que faziam tudo pelo objeto de adoração.
Ganhavam da lindinha, como prêmio, um sorriso, um gesto carinhoso e de todos os
outros o desprezo. Viviam sem se preocupar com a maioria, escravos apenas de
seus sentimentos. Invejava-os porque sempre dei muita importância à opinião
alheia, como fazem muito bem os medíocres.
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