O pai, amargurado, chama o filho para uma conversa:
– Filho, fiz o que seu avô, meu pai, me disse que
seria o certo. Fui honesto, solidário, jamais prejudiquei alguém. Não de caso
pensado. Você viu aonde cheguei. Se é isso que quer para sua vida... Se não,
siga em sentido oposto ao que escolhi.
O filho olhou em volta e viu o que já tinha visto: o
pai era um perdedor. A vida virtuosa o levara à amargura, à autocomiseração, à pobreza
e à frustração. Amigos do pai, orgulhosos de falcatruas perpetradas, viviam folgadamente.
O filho, junto com amigos, entendeu que assaltar um
restaurante era boa forma de começar a carreira de crimes. Um roubo simples,
escondidos atrás de bonés e óculos escuros. Seria o começo. Um erro e a morte
veio. A mulher armada. Tiro certeiro.
O pai se surpreendeu. Não esperava que o filho o
ouvisse. Há muito tempo ninguém o ouvia. Os amigos falavam. Impacientes, não o
ouviam, ansiosos para que ele se calasse e prestasse atenção nas merdas que
diziam.
A morte do filho o entristeceu. O orgulho, no
entanto, sobrepujou a tristeza. Por que não acreditou que teria a atenção do
filho? Não teria sido tão lacônico. Explicaria, pormenorizadamente, que tipo de
desonesto deveria ser. Os grandes ladrões, as aves de rapina da humanidade eram
dissimulados.
O ladrão que nunca vai para a cadeia aparenta
honestidade. É religioso e o deus que adora é o EU. Desvia dinheiro de doentes
terminais, flagelados das chuvas, vítimas da seca, merenda escolar, sem sentir
nenhuma culpa.
Teria perguntado ao filho até onde ele estaria disposto
a ir. Se percebesse hesitação no garoto o incentivaria a se preparar um pouco
para participar de licitações fraudulentas, disseminar a intriga no ambiente de
trabalho e ficar atento a todas as oportunidades de participar de esquemas
desonestos.
Ah, por que não conversou mais com o filho? Quanta
coisa poderia ter-lhe ensinado. Sabia toda a teoria. Vira tantos corruptos
prosperarem.
O filho estava morto, a esposa o deixara há muito
tempo. Estava só. Aos 50 anos, o que poderia fazer? A boa saúde lhe indicava
que ainda viveria, quem sabe?, uns 30 anos. Perdera o filho e, antes de fazer o que
deveria ser feito, pediria perdão ao pai morto.
No fundo do quintal da casa havia um quartinho sem
uso. Construiria nele um altar para seu novo deus: EU. Seria tão fiel a ele
quanto fora a outros deuses em seus primeiros 50 anos de vida. Os próximos 30
seriam mais prósperos.
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