sábado, abril 13, 2013

DIA MARAVILHOSO



- Senta aqui, Merreca. Há quanto tempo, cara?
- Umas cervas. Boa ideia.
- Tá com boa cara, não, mano.
- Acordei pensando nas dívidas. Tomei café aqui, matutando no que faria para levantar uns caraminguás. O Muquirana parou do meu lado e me disse que a Lindinha tinha sido baleada e estava entre a vida e a morte no Salgado Filho. Você sabe, Merdéu, fui amarradão nela. Tinha consulta no posto. Aí, cacomigo, depois dou um pulo no Salgado.
- Soube, agora, pelo Tradição do Samba que ela está bem. Operou e não corre risco de empacotar. Você esteve lá?
- Não. Fui ao médico, antes. O cara embatucou com um carocinho na minha garganta. Me disse pra fazer uns exames, com urgência. Acho que fiz cara de pavor, porque ele começou a “Seu Barbosa, não é preciso se apavorar. Não sei se esse carocinho é o que estou pensando. Pode ser, pode não ser. Se for, a medicina está muito avançada”.
- É o papo padrão. Todo médico diz isso.
- Merdéu, você não está me ajudando. Saí dali e liguei pra tia Isaura. Primeiro, sentei na pracinha e quase chorei. Dívidas, Lindinha, essa doença ruim... A voz da tia Isaura me reconfortou.
- E a titia, como está?
- Feliz. É a única pessoa que vive feliz em um asilo. Todas as semanas apareço lá. É um lugar bacana, ela tem independência, pode sair. Pena que é longe. Duas horas de carro. Mas quando falei sobre meu carocinho ela me contou que estava com um tumor no fígado que não tinha mais jeito. Desliguei o telefone e fui pra lá.
- Sua tia é sua mãe.
- E que mãe. Me criou desde meus seis anos, me deu todas as condições de vida. Passei a tarde chorando com ela. Ela preocupada com meu carocinho. Vê se pode? Cheguei aqui, larguei o carro no posto e encontrei você. Essas cervas estão me fazendo bem.
- Seu dia não está muito bom, concordo.
- Da hora que acordei pra cá, tive a confirmação de que sempre pode piorar.
- Que isso? A vida é... Acho que é seu telefone.
- É mesmo. Peraí. “Alô, Soninha... Que milagre é esse? Em mim? Hoje? Lá pelas oito, está bom? Passo na sua casa. Um beijo.”
- Soninha? A Soninha?
- Você acredita nisso, Merdéu? Cerquei essa mulher por quase um ano. Nunca me deu trela. Disse que tem pensado em mim. Hoje foi visitar a Lindinha, lembrou do tempo que eu namorava a Lindinha, ela era louca por mim, ficou com raiva porque preferi a Lindinha, tinha de conversar comigo, resolver tudo, hoje.
- Cara...
- Merdéu, dívida a gente paga; a morte não tem como evitar; uma mulher como a Soninha entrando na nossa... Dia maravilhoso, esse.

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