sexta-feira, novembro 01, 2013

WANDERLEY

Nas manhãs de domingo, desço a Serra e viajo em direção ao balneário. Viagem longa. Todo percurso faço ouvindo música.
Domingo passado, ouvia Pilot e me lembrei do Wanderley, o melhor amigo que tive na juventude.
Éramos amigos e, por isso mesmo, rivais. No botão e no xadrez, eu era melhor; no futebol, eu nem chegava perto. As partidas de botão só não terminavam em porrada porque nos respeitávamos.
Wanderley era magro e alto. Comia como um cão faminto. Quase todos os dias ele almoçava três vezes. A primeira vez em sua casa; a segunda, na minha; a terceira na casa do Beto. Minha mãe oferecia: “Waderley, quer almoçar”. Ele, falso tímido; “Dona Ceceia, eu já almocei, mas vou aceitar”. Na casa do Beto, a mesma resposta.
O Pilot foi uma vitória do Wanderley em um campo em que me julgava imbatível: o de novidadeiro das novíssimas tendências musicais. Adorava ouvir os amigos dizerem: “Jeff Beck, não sei quem é. Pergunte ao Tim, ele sabe tudo de rock”. Tim era eu. Tim Maia, claro.
Wanderley, um dia, chegou lá em casa e mandou:
- Tim, você conhece o Pilot?
Pensei: “O feladaputa me pegou. Sei lá quem é Pilot”.
O que disse foi diferente:
- Já ouvi falar.
Ele se levantou e pôs o disco pra tocar. Adorei, mas mantive um ar de indiferença.
- E aí, Tim, o que achou?
- Não é ruim.
O safado riu, sabia que tinha me acertado. Ainda coloquei umas novidades para ele ouvir, mas nada que chegasse aos pés do Pilot.
Ele levou o disco (como nos respeitávamos, não emprestávamos discos um para o outro) e a música do Pilot ficou no meu cérebro. Procurei o disco por toda a cidade e nada. Descobri que era um grupo canadense de relativo sucesso (não havia Google, pesquisar era difícil). Um mês de busca aguçou minha vontade de ouvir outra vez o Pilot. Wanderley não tocava mais o Pilot, esperava que eu pedisse.
E eu pedi, quase supliquei:
- Deley, onde você comprou essa porra de disco. Não encontro em lugar nenhum.
Ele deitou:
- Então, você gostou?
- Gostei – admiti derrotado.
- Comprei num balcão de saldos em Madureira, na galeria do Madureira 1.

Humildemente fui até lá, comprei o disco e fiz o babaca feliz.

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