segunda-feira, novembro 09, 2009

CRIANÇAS ZUMBIS


629, o ônibus do terror.
Embarco nele por preguiça.
Venho sentado, no metrô viajo em pé, tem baldeação...
Há um acordo entre a empresa e representantes da escória da humanidade.
No ponto final, a pivetada craqueada não pode embarcar. Uma parada à frente, as portas do coletivo são franqueadas ao que há de mais deprimente na bela cidade do Rio de Janeiro: as crianças zumbis.
Leio em O DIA sobre a vitória do Mengão e uma destroçada cai do meu lado. Sentei em frente à porta. Pedi a desgraça.
Dez segundos depois de se sentar ao meu lado a infeliz dormiu.
Gordo é ótimo colchão. Logo a jovem se espalhava.
Fedia, fedia muito.
A carapinha me espetava.
Ó que vivo em terra de bamba, mas já estava agoniado.
Pensei, vou resistir e aguentar este fim de feira no meu braço. Ela se acomodou melhor e senti seu narizinho, sua boquinha babada... Em meu interior, o velho homem gritou: “Politicamente correto o caraio. Sai dessa”.
Levantei-me e falei, não com uma menina, mas uma mulher feita, arrasada pela vida.
“Senta aqui no canto. É melhor pra você dormir”. Nenhuma resposta. Cutuquei a derrotada e nada. Estava viva, dando um rolê no inferno, certamente. Não dava para pular sobre ela. 150kg, sacumé. Voltei pro meu cantinho.
Fui babado, espetado, narigado. Quando chegar em casa vou tomar banho de álcool.
Na Itaoca, a zumbi acordou, levantou-se e aparvalhada, olhou em volta para ver se descobria onde estava.
Uma afrobrasileira gritou do fundo do ônibus: “Sandra, o Jacaré já passou há um tempão”.
Parada na porta, atrapalhou a passagem de outro zumbi que disse que ia dar porrada e a mandou tomar no cu. Espero que ela não siga a orientação do coleguinha. Morreria, se fosse transpassada pela espada de um tarado cego, surdo e desprovido de olfato.
Aproveitei para ficar em pé.
A colega aproximou-se e aconselhou-a a descer na Nova Brasília.
“Desce lá, atravessa a rua e pega o ônibus voltando. Pô, San tu morgou mermo, hein. Pensei que cê tivesse descido. Há quantos dias cê não dorme?”
Eu, o colchão, me afastei um pouco e olhei para aquela mulher devastada, de novo sentada.
“É aí, Sandra, desce.”
Ela desceu, atravessou a rua, quase foi pega por uma moto, segundos depois um carro quase a matou. Virei-me para a colega da zumbi e observei: “Ela não vai chegar viva ao Jacaré”.
“Essas meninas, em vez de usar a droga, a droga é que usa elas. Aí, eu uso, mas tenho quatro filhos pra criar. Me controlo. Alá aqueles dois são meus. Tio, cê acha que vou ficar igual a ela? Never. Parece a capa do Batman. Dezoito anos, acabadona. Tenho 22, mas, aí, tô gordinha. Controladona”.
Entendi que já tinha feito minha confraternização com os destroços da sociedade carioca. Sentei-me. Calei-me. Aquela velha comida pelo crack, 18 anos. Essa outra, 22. Encarquilhadas.
Resolvi que no expresso do terror não embarco mais. Crianças zumbis só pela TV.

2 comentários:

Anônimo disse...

hahahahahahahhahaa.... Gordo, você já havia tomado essa decisão antes... em outro post que narrava outras desventuras... hahahahahhahahahaha... já tá sem moral, meu velho. rssrsrs

Hanna disse...

Utahy, o seu texto é muito bom e suas histórias narram um cotidiano invisível que deveria ser exposto. Até porque, na real, essas histórias são dramáticas. A realidade fede, mas a sua narrativa faz com que as "crianças zumbis" ganhem um pouco de vida. Acho que deveria pensar em publicar... sério. Também daria uma série de TV bacana. Parabéns.
Bjs.