sábado, fevereiro 13, 2010

O BOÇAL

O velho roqueiro foi ao cinema. Assistir Avatar em 3D.
Convidou uns chegados e pagou a de todos (o Velho é generoso).
Cinema com lugar marcado, levou os famintos pra devorar uma pizza.
Bucho cheio, foi para o ar gelado da sala de projeção.
Entalado na poltrona, esperou o início dos trabalhos.
Os ignaros começaram a lotar a sala.
Ao lado do Velho, coladinho, sentou-se o estereótipo da boçalidade. Jovem, fortão, camiseta mamãe-não-sou-o-que-você-tá-pensando, corpo coberto de tatuagens. Seguindo-o, uma bela imbecilzinha. A parva vinha carregada de caixas, equilibrava nos sensuais bracinhos um balde de pipocas e um tonel de Coca-Cola.
Sentaram-se. Lugar marcado é gesso. Eu estava preso ali. O velho dinossauro e o moderno troglodita.
Sala às escuras e as caixas se abriram. A pizza que comi com os queridos, confortavelmente, no restaurante, os energúmenos (homenagem a José Serra) iam devorar ali. O javali abocanhou a enorme fatia de queijo, presunto, bacon e uma porrada de outras coisas como se devorasse um indefeso coelhinho. A cada dentada, a idiotinha lhe passava o tonel de Coca. Olhei em volta e, pasmo, percebi que todos comiam.
Feijoada, macarronada, churrasco, mocotó e pipocada. Tudo devorado com pressa. A sala fedia a cozinha de pé-sujo.
Cabe uma explicação. O Velho é intolerante. Evita aglomerações, multidões. Cinema só em horários de pouca movimentação. Jamais vai a cinema em dias de promoção. É do tempo que se deixava uma poltrona de intervalo entre rabos desconhecidos. E, principalmente, naquela remota época, comia-se dentro do cinema uma barrinha de chocolate e balinhas. Só. Sim, casais contorcionistas também se comiam, mas isso é outra história. O Velho estava em sala superlotada porque Avatar só em salas transbordantes de humanos. Explicação dada.
Começou o filme. O Velho e o Brucutu tinham algo em comum, para consternação do veterano: era a primeira vez de ambos em filme 3D. O Brucutu adorou e demonstrou o entusiasmo pelas quase três horas de projeção.
“Caralho, essa quase me pegou”, “Putaquipariu, que foda”, “Cacete, passou perto”, “Ó, a florzinha tá na minha mão”, “Meu Deus, demais”. Tudo dito aos gritos.
Não só. A alegria do selvagem era tanta que ele não parava de coxear o Velho, sacudindo as pernocas. O Velho, que não foi mordido de cobra, mas tinha um nome a zelar, se encolhia. Inútil. Não fora os chegados, o Velho teria batido em retirada. Espírito nobre, suportou, no entanto, o suplício.
Fora do cinema, o Velho pensou: “Amanhã, assistirei Preciosa, sessão da uma da tarde, na Barra. A idade não me permite ser descuidado”. 

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