segunda-feira, setembro 28, 2009

MACUMBÉLICO

Evangélicos têm pavor de espíritas.
Não sei se ainda sou evangélico, mas jamais alimentei esse sentimento.
Vim de lá, sou macumbélico.
Seres humanos valem alguma coisa, ou não valem nada, independentemente de religião, cor, sexo, nível social, faixa etária...
Circulei pela igreja católica, espiritismo e, na maior parte da vida adulta, tenho sido evangélico. Frequento uma igreja batista, não muito regularmente, com prazer.
Na infância, em ocasiões especiais, meus pais me levavam ao Centro Espírita.
Dona Belinha, uma gorda simpática, era a mãe-de-santo. A casa em que ela morava tinha dois andares. Ficava em uma escadaria ao lado do antigo campo do América. Hoje, o Shopping Iguatemi. Da Teodoro da Silva víamos a casa branca, no alto. Parecia um castelo.
As crianças não participavam de toda a sessão espírita. Enquanto aguardávamos ser chamados, assistíamos televisão. Ou fingíamos assistir. A TV ficava em um nicho da parede, bem lá em cima, numa extremidade da sala. A sala era enorme. Ficávamos sentados na outra extremidade. O som, baixíssimo, não permitia que ouvíssemos nada. E, para ver, só de binóculos. Todo religioso é louco.
Descíamos para o terreiro na gira de crianças. Era engraçado vermos os adultos que nos davam esporro comportando-se como crianças traquinas e birrentas.
Minha tia Janete recebia uma criança bonita como ela e divertidíssima. Minha mãe fazia suas travessuras, também incorporada. Mas onde se juntam muitas crianças tem sempre uma que enche a paciência de todo mundo. Pentelhíssima era d. Leonor, uma respeitabilíssima sessentona que, montada, emprestava seu corpo para a criança mais desagradável daqui e dalém. A criança de d. Leonor estava sempre mastigando doces que o terreiro oferecia de montão.
Mastigava, amassava nas mãos e passava na boca dos desavisados. Boca cheia de doce e cuspe, a vontade era encher a velhinha de porrada. Mas criança do além, sei lá, ficávamos encagaçados de encarar.
As crianças dalém subiam não sei pra onde e nós, as daqui, também, para a TV quase muda. Terminada a sessão, desmoronando de sono, éramos arrastados pelos adultos para casa. Morávamos a três quarteirões do Centro, mas aquela caminhada de volta na madrugada parecia uma marcha sem fim. Tenho saudades.

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