Quando menino, corria peladinho pelas quebradas da Serra, nariz
escorrendo catarro... Mergulhava nas águas barrentas do Rio Everest, nadava até
a ilhota de entulhos e punha-me a pensar na vida. Imaginava a Serra governada
por pessoas eleitas por toda a comunidade. Essas pessoas, obviamente, se
organizariam em grupos com ideias afins. Estas ideias seriam expostas à
comunidade que escolheria os portadores das melhores a fim de que estes as
implantassem por um período de, vamulá, quatro anos.
Depois de eleito, o grupo trabalharia sem ser atrapalhado pelos
adversários. Estes adversários, se pudessem, deveriam, inclusive, ajudar os
oponentes. Sacumé, pro bem do povo, como todos gostam de dizer. Só se voltaria
a falar em eleições bem pertinho da próxima.
Como criança é simples, tosca e imaginosa, em meus delírios (acho que
era efeito de minhas bolas ao vento) via os grupos adversários se reunindo
periodicamente para pensar no que deveria funcionar muito bem,
independentemente de quem ocupasse o Barraco Branco: saúde, educação, segurança
e transporte. Investimentos e providências para manter funcionando bem essas quatro
áreas não seriam interrompidos.
Fui uma criança primitiva, cheia de pensamentos selvagens e tolos.
Não sabia ainda da boa disposição de todos nós, seres humanos, de empurrar para
o outro a responsabilidade pelos malfeitos. Vovó e eu caçávamos ratazanas no
lixão e ela sempre me dizia: “Esqueleto, filho feio não tem pai”. Estava certa.
Essa frase de vovó e uma outra, do Bochecha (“Farinha pouca, meu pirão
primeiro”), me fizeram perder a inocência.
Daí pra frente passei a andar vestido. Nunca mais bolas ao vento.
2 comentários:
porrr... uma calhamaço de textos que não li... tenho que por a leitura em dia.
Fantástico...
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