quinta-feira, junho 18, 2009

De esguicho

Não sou bom de papo com estranhos. Há ocasiões, no entanto, que não dá para evitar.
Entrei em um ônibus, no Engenho da Rainha, terra de bambas. Sentei e do meu lado alojou-se uma senhora. Ela chorava copiosamente. Encaramujei-me. Não adiantou, ela virou-se para mim e, como se nos conhecêssemos desde o dia que o Flamengo fez uma grande partida de futebol, desfiou sua triste (tristíssima, se considerasse como chorava) história.
O senhor conhece a padaria perto da locadora? Não, mas disse que sim. Dois portugueses são os donos, um casal sem filhos. Eles estão no Brasil há mais de 40 anos. Há seis meses, d. Carlota reuniu os quatro empregados e anunciou que precisaria dispensar dois. Eu trabalhava lá há quase 20 anos. Ela explicou os critérios da decisão já tomada.
Eu e o Tito sairíamos. Ficariam o Zeca e a Saló. O Zeca era como um filho para eles. A falta de filhos naturais deixou o casal muito carente. Zeca, moleque esperto, órfão, logo sacou que se se encostasse por ali não precisaria ser soldado no tráfico. A Saló, com sessenta e poucos anos, não conseguiria emprego. Ela sabia que seria difícil para mim e para o Tito, mas teríamos mais chances.
Entre ouvir a mulher e olhar a horrorosa paisagem do Engenho estava preferindo deixar as orelhas trabalharem. Tinha de dar um pitaco. Dei. Portugueses são péssimos patrões, né não? Não registram funcionários, pagam mal, são grossos. Sempre religiosíssimos. Católicos. Conheço o caso triste de um rapaz, duns 40 anos, que abandonou mulher e dois filhos para viver com a patroa portuguesa, uma senhora bastante idosa.
Então, dei sorte. Seu Joaquim e d. Carlota formam um casal muito distinto. Foram ótimos patrões. Ganhávamos um pouco mais do que os colegas da área, trabalhávamos em turnos, tínhamos folga semanal, férias, 13º e, em dezembro, ainda recebíamos abono e uma cesta de Natal farta. Levei tudo a que tinha direito: minha rescisão, FGTS e até a multa rescisória.
Hoje, estive lá porque seu Joaquim arranjou uma colocação para mim em outra padaria. Pro Tito ele já tinha arrumado. Eles são religiosos, mas, espíritas. Têm horror à igreja católica. Eu mesma fui pro espiritismo por influência deles.
Bom, seu choro, então, é de alegria e de saudade do bom emprego?
Não, estou chorando porque os donos da padaria em que vou trabalhar são evangélicos. O senhor já trabalhou com evangélicos?
Quando ela acabou de me dizer isso, olhamo-nos nos olhos um do outro, nos abraçamos e choramos. Lágrimas de esguicho.

2 comentários:

Anônimo disse...

40 anos é o cacete!!!!! rsrsrsrsrs

Ritha Torres disse...

Se eu estivesse lá, choraríamos os três.