sexta-feira, junho 26, 2009

O observador de rabos

Abonados e sedentários que circulam pela cidade em automóveis perdem muito do saboroso contato com a ralé. Basta ouvir nosso líder máximo pontuar (essa é palavrinha de apedeuta que lê Paulo Coelho) sobre qualquer assunto para percebermos quanta sabedoria se escamoteia em cacholas aparentemente vazias.
Sentado no 687, em frente ao NorteShopping, degustava este gordo lascivo as páginas de uma Playboy, quando ouvi, desesperado, um homem batendo na porta traseira do coletivo.
Cabe breve digressão para não cariocas. Aqui na Cidade Maravilhosa, entramos pela porta da frente do ônibus, damos o dinheiro para o motorista, que dirige, faz troco e olha pro rabo de qualquer gostosa que estiver passando na rua ou entrando no ônibus. Quase sempre isso é feito com o coletivo andando.
Voltemos. O cara espancou a porta do ônibus, mas o piloto pelota não deu. Tirei os olhos da bunda de papel e vi o persistente passageiro correndo atrás do ônibus. Trânsito pesado, ônibus lento, no outro ponto o enfurecido corredor alcançou o ônibus.
- Seu filho da puta, você não me viu fazer sinal pro ônibus?
- Não, senhor – disse com tocante humildade o motorista/cobrador/observador de rabos.
- Eu quase derrubei a porta, seu veado. Você conhece o Amaral? Amanhã, vou à garagem te denunciar, filho da puta – gritava o desprezado passageiro.
Dentro do ônibus, ninguém dizia nada. Todos com cara de paisagem campestre. Eu, não. Detinha-me examinando um belo par de seios.
- É por isso, babacão, que vocês têm mesmo de vender bala no ônibus. (Cabe nova explicação a não cariocas. No Rio, depois de demitidos, muitos rodoviários abraçam a promissora carreira de baleiros.)
O grandão, aparentemente satisfeito com a demonstração de macheza diante do minúsculo piloto, atravessou a roleta e sentou-se.
Mas ônibus é ônibus. Um furdunço nunca vem sozinho.
Logo entrou um crente e pediu carona ao piloto.
- Meu amigo, não dá. O ônibus tem câmera.
- Eu vou descer depois do cemitério, adianta aí, amado.
- Não dá, você tem de descer.
Já tinha até fechado a revista. Bundas, peitos e coxas têm de ser apreciados com vagar. Acertei, porque o grandão acordou.
- Ô seu corno, deixa o cara passar, vou pagar a passagem dele. Você é mau caráter, mesmo.
O crente passou a roleta, agradeceu o favor do mastodonte e começou rápido e ríspido:
- Meus irmãos, quem entrega sua vida a Jesus é vitorioso, não aceita derrota. Estou precisando de 10 reais. Se cada um me der 1 real, meu problema está resolvido. Sou filho do Rei, não aceito não como resposta.
Não sei se ele arrumou os 10 reais, mas umas quatro senhoras deram, felizes, o dinheiro para o príncipe agressivo.
Bom, mais dez minutos, eu estaria em casa. O crente desceu, o grandão, logo depois da Praça de Inhaúma deu sinal e meus companheiros de viagem estavam tranqüilos. No fundão, um casal economizava o do motel,
O grandão, ao desembarcar, para manter o moral, ameaçou:
- Amanhã, falo com o Amaral, seu puto.
Ah, as surpresas da vida! O baixinho, que até ali nada dissera, desceu do ônibus e lançou seu grito de guerra:
- Ou eu mato ou morro!
Bonito, mas achei que ele morreria, mas sei o quanto é difícil controlar um corpo grande. O grandão tentou dar um pontapé no graveto e desequilibrou-se, ridiculamente. O baixinho era mau. Chutou a cara do gigante umas duas vezes. Quando o amigo do Amaral levantou de seu carão jorrava sangue. O tampinha aproveitou a confusão mental do pimpão e mandou-lhe um bico nos ovos. Não foi um procedimento elegante, mas bastante eficaz. Senti a dor abraçado à minha revista. Dali pra frente, foi um massacre. Bambala 7 x 0 Internacional, com Nilmar.
Já sentado em sua posição, o piloto tornou a olhar pro rabão da brancona. Claro que, agora, ela olhou de volta.

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