75 anos, corpo seco,
lacônico. Profissão: matador.
Há menos de 10 anos na
atividade, reputação ótima, no entanto. O nome profissional, Bill, dava a falsa
impressão de ser ele nordestino. Errado.
Carioca, Bill, nome de
batismo André, tinha agenda cheia. Começou por acaso. Conversava com um amigo,
reclamava da merreca que recebia de aposentadoria. O amigo perguntou de chofre
se ele mataria pessoas por dinheiro. André respondeu prontamente que sim,
mataria. O amigo lhe disse que tinha uma parada para ele.
No dia seguinte, Jofre,
um marginal da área, o entrevistou: “Sou intermediário. O homem não aparece.
Cada serviço vale mil pratas. Você vai ficar com um segmento tranquilo. Seus clientes
serão pessoas mais humildes. A mulher está de saco cheio do marido, ou
vice-versa, contrata, você detona. Ex-namorado ciumento, marido corno,
empregado aporrinhado com o chefe... Essas coisas. Só gente fodida. Tem de ser
serviço limpo e, se der merda, você segura a bronca. A gente vai atrás da
família, se vacilar.”
André não tinha família,
achou desnecessário revelar. Em casa, pensou na proposta já aceita. Vivera
dentro da lei, pagou impostos, tomou decisões aos olhos de todos corretas. Estudou,
trabalhou, formou família. Teve filhos. Um morreu aos 20, acidente de carro. A
filha casou-se e foi morar na Alemanha. Conversava com ela, por telefone, uma
vez por ano. A mulher o deixou, foi viver com outro e morreu quando ele completou
60 anos. Visitou-a no hospital e ouviu-a dizer que os últimos cinco anos com
Inácio foram os melhores da vida dela. Desculpou-se, lhe disse que nada tinha
contra ele, fora bom marido, mas era estranho.
Voltou a morar no
subúrbio de sua adolescência, desfez-se da casa e foi morar de aluguel. Entendeu
que não viveria muito tempo. O dinheiro da casa seria para viver o que lhe
restava do caminho.
Cinco anos de tédio. A
oferta de trabalho. A primeira morte. Nenhuma emoção. Era estranho, mesmo. A
mulher estava certa.
Gostava do que fazia não
por sentir prazer em matar, mas por sentir que como matador era muito bom.
Jofre lhe disse muitas vezes, nos últimos dez anos, que o homem estava
satisfeitíssimo com seu trabalho, cogitava até subi-lo de patamar. Quem sabe
umas encomendas de gente da classe média?
Estava satisfeito
operando na faixa em que atuava. Entregava um, dois pacotes por mês.
Incrementava a aposentadoria, tomava a cervejinha diária de fim de tarde com os
amigos, jogava o buraquinho e pensava na vida.
O amigo que lhe inserira
no esquema uma vez perguntou se pensava em parar. André olhou-o, ficou um tempo
em silêncio e “Não, não pretendo. Quer dizer, tenho 75 anos, logo terei de
parar, por enquanto, continuo”. O amigo: “Você não fica tenso, não sente
remorso?”
André não era ligado a
atividades culturais. Lazer: ver filmes de faroeste e policiais. O primeiro
serviço, fez de forma esbaforida, em uma rua escura. O homem caiu, ele fugiu
apressadamente, nenhuma culpa, mas estabanado.
Em Os imperdoáveis, o velho pistoleiro entra no salão, diversos homens
atiram contra ele. Lentamente, o matador aponta sua arma, faz mira e mata um a
um seus oponentes, calmamente.
Seu último serviço, uma
mulher, Bill realizou dentro de um posto de saúde. Entrou, atirou à queima-roupa,
saiu. Ao barulho do tiro todos correram. Ninguém o viu entrar nem sair. Era
velho, pobre, em um bairro classe D estagnada. Era invisível.
Um derrame tirou André de
circulação. Aos 78, estava inteiro de novo. Quis voltar. Jofre o dissuadiu. “Você
prestou serviços preciosos. O homem gosta de você. Todo mês vai pingar 1 conto
em sua conta. Quer que você treine alguém.”
André aceitou, convidou o
Pereira, ancião franzino, cara de vovô bondoso. Jofre duvidou da escolha. André
lhe disse: “Ele sabe atirar, vive sozinho, não tem o que fazer. Está só
esperando a morte. É invisível como eu e gosta de matar. Não haverá melhor”.
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