Criança,
hoje, tem boa vida.
Meus
tios Zeca e Ari me contavam que uma vez, adolescentes, fumavam na rua, matando
aula. Um vizinho passou por eles, chamou-lhes a atenção e pespegou-lhes tapas
na cara. Na cara dos dois. Saiu dali, foi até o pai deles, meu avô, e relatou o
ocorrido. Meu avô parabenizou o vizinho, chamou os dois e tapa na cara foi só o
começo de uma surra que passaria para a história da família. Surra relembrada em
diversas reuniões familiares, por muitos anos depois de acontecida. Meus tios
relatavam a sova rindo, aparentemente sem mágoas. Meu tio Ari, o mais velho,
ainda debochava: “Eu obrigava o Zequinha a fazer gazeta. Ele ia obrigado. Se
não me acompanhasse, eu batia nele. Acabou apanhando do vizinho e do velho
Benício”.
Meu
tio Bira, o salvação, era figura divertidíssima, pelo menos para nós que
vivíamos longe dele. Lutou muito. Foi taxista, mecânico, dono de caminhão de
frete. Em uma época que poucos tinham casa própria, comprou três, ao longo da
vida. Casas que ficaram para os filhos. Divorciado, criou os quatro filhos com
a sogra. Cristã atuante, levou todos os netos a Jesus.
Tio
Bira era seguro, pão-duro, canguinha. Quando precisava comprar sapatos para os
quatro filhos, fazia-os pisarem em uma folha de papel, tirava o contorno dos
pés e ele mesmo ia à sapataria fechar negócio.
Meu
pai era mão-aberta, mas não tinha dinheiro. Na infância, eu escrevia cartas
para o Papai Noel e pedia. Pedia bem. Não recebia nada. Ficava aborrecido.
Internamente, xingava o velho Noel, mas logo me arrependia e atribuía a esse
tipo de atitude a razão de não receber o solicitado. Duro foi quando fiquei,
por uns três natais, recebendo a mesma bicicleta, repintada. Com os meus
botões, pensava: “Sou mau pra dedéu, o velho não vai mesmo com minha cara”.
A
boa criança daquela época era discretíssima. Andava sempre de cabeça baixa. Não
se intrometia em conversa de adultos. Para ser exato, não demonstrava interesse
no papo dos maiores. “O que está olhando, isso não é conversa pra você?” Toda
criança de meados do século passado ouviu isso. Entre os adultos, desqualificar
uma criança era chamá-la de reparadeira. Reparadeira era a criança curiosa, que
olhava e via. Era uma observadora. Chegava em um ambiente e perscrutava com os
olhos todos os cantos.
Criança,
hoje, tem boa vida. Para o bem e para o mal.
As
crianças de hoje são mais saudáveis, autônomas, sensíveis, destemidas. Também
são mais mimadas, birrentas, cheias de vontade.
Na
minha frente, no Supermercado, um menino de no máximo 5 anos pediu um chocolate
à mãe. A mãe falou baixinho no ouvido dele que estava sem dinheiro. O moleque
começou a xingá-la com alguns nomes que precisei anotar para buscar o
significado depois. Xingava aos berros, chutava a mulher que, constrangidíssima,
pegou o chocolate pro pimpolho. Se eu pudesse entregá-lo pro velho Benício...
O
tempo passa e a maneira de lidarmos com diversas situações muda. Não vejo
sentido em agredir crianças nem de excluí-las do ambiente adulto, mas limites
precisamos dar. Se isso não for feito, temo pela geração que está sendo
formada. Uma geração sem noção do que são seus direitos e deveres. Uma geração
ressentida por crer que o que lhe é devido não foi entregue. Não há dívidas.
Construímos nossa história e nem sempre o percurso é suave e o final feliz. A
criança precisa entender que sem esforço e vontade não se chega a lugar algum.
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